quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2134: História de vida (6): A minha convocação para o Curso de Capitães Milicianos (Ferreira Neto)

Ferreira Neto, ex-Cap Mil, CART 2340 (Canjambari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69).



1. É sabido que um dos grandes problemas do Regime para manter a Guerra Colonial, foi, a certa altura, arranjar Capitães para comandar o grande número de Companhias enviadas para os Teatros de Operações.

Os Capitães do Quadro Permanente tinham, na sua maioria, efectuado já duas e três Comissões de Serviço, e já apresentavam um desgaste físico e psicológico muito acentuado. Os que não conseguiam evitar mais uma Comissão, tudo faziam para baixar aos Hospitais Militares depois de mobilizados.

Como os Capitães que baixavam e que posteriormente eram abatidos ao efectivo das Companhias, não eram substituídos em tempo útil, eram os Alferes Milicianos que aguentavam a guerra como podiam. Como por vezes também os Alferes baixavam, até os Furriéis Milicianos comandavam Pelotões.

A solução encontrada pelas Chefias Militares foi recorrer aos Oficiais Milicianos na situação de Disponibilidade, que por sorte (ou azar) não tinham sido mobilizados durante o tempo normal de Serviço Militar Obrigatório.

Eram chamados de surpresa para frequentar um Curso acelerado de Capitães Milicianos e lá iam comandar Companhias Operacionais, tendo muitos deles deixado para trás a família já constituída e uma vida profissional estabilizada.

Esta situação foi vivida pelo nosso camarada Ferreira Neto, ex-Cap Mil, Comandante da CART 2340 (1).



2. A minha convocação para o Curso de Capitães Milicianos
Por Ferreira Neto

Terminado o meu serviço militar obrigatório em 15 de Fevereiro de 1959, iniciei a minha vida profissional em Novembro.

Com a vida estabilizada, casei-me em 18 de Agosto de 1960.

Entretando, em 4 de Fevereiro de 1961, os movimentos separatistas nas nossas colónias iniciaram a suas actividades.

Como tinha passado à disponibilidade, havia menos de um ano atrás, fiquei na expectativa de ser mobilizado para a guerra. Expectativa que continuou por muitos meses, com o adicional desconforto na minha vida. No entanto, com o passar dos meses esse estado foi-se desvanecendo, até porque, o número de cursos de oficiais milicianos era maior, e por consequência a quantidade que se interpunha entre mim e uma possível mobilização tornava cada vez mais distante. A consequente probabilidade de ser alistado diminuía a olhos vistos para meu descanso e da restante família. Assim fui progredindo na minha vida profissional e melhoria de proventos do meu trabalho.

Para minha surpresa, em Dezembro de 1966 fui convocado para me apresentar em Mafra, como Tenente, para frequentar o Curso de Capitães Milicianos, que se iniciaria em Janeiro do ano seguinte.

E assim foi, com a consequente diminuição dos meus proventos do trabalho, que passaram a ser muito menos de metade do que auferia até então, separação da família que só me era possível ver aos fins-de-semana, acrescido das despesas de viagem para tal acto.

Nesta altura tinha já um filho com 5 anos de idade. Com a minha mulher, tínhamos planeado ter mais um rebento. A situação descrita iria fazer com que tivessemos que optar por três hipóteses:
(i) - desistir da ideia de ter mais filhos,
(ii) - de os ter depois do meu regresso, ou
(iii)- de iniciar antes da minha partida.

A primeira hipótese não nos agradava, a segunda seria um intervalo bastante grande de idades entre os dois, o que não era aconselhável, pelo que optámos pela terceira, fazendo preces para que eu regressasse vivo.

Tal aconteceu, só que a minha mulher não teve o acompanhamento sempre desejado do marido, eu tinha embarcado para a Guiné no dia 10 de Janeiro de 1968. Nasceu uma menina em Julho desse mesmo ano. Felizmente tive oportunidade de, em Setembro, aquando da minha primeira licença, assistir ao seu baptismo.

Em Fevereiro de 1969, na segunda licença já a cachopinha se encontrava com seis meses e toda bonitinha à custa da minha mulher que teve que se haver quase só com a criação da criaturinha.

Eis o que me aconteceu e também em circunstâncias piores a centenas de outros e consequentes traumas de guerra, ainda hoje precariamente atendidos.

Ferreira Neto
Ex-Cap Mil
CART 2340
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Nota do co-editor CV:

(1) Vd. post de 14 de Agosto de 2007> Guiné 63/74 - P2046: Tabanca Grande (31): Apresenta-se Joaquim Lúcio Ferreira Neto, ex-Cap Mil (CART 2340, Canjambari, Jumbembem, Nhacra, 1968/69)

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