domingo, 4 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2239: As Nossas Tropas - Quem foi quem (2): António de Spínola, Governador e Comandante-Chefe (1968/73)

Lisboa > Belém > Forte do Bom Sucesso > Museu da Liga dos Combatentes > Poster Marechal António de Spínola, presidente da República entre 15 de Maio de 1974 e 28 de Setembro de 1974.


1. Nota(s) biográfica(s) recolhidas pelos editores do blogue e susceptíveis de serem aumentadas e melhoradas pelos restantes membros da nossa Tabanca Grande.O objectivo é termos aqui pequenas fichas de leitura sobre "quem foi  quem", nas Nossas Tropas, no TO da Guiné (1):


António Sebastião Ribeiro de Spinola (1910-1996)


- Nasceu a 11 de Abril de 1910, em Estremoz, no Alto Alentejo.

- Filho de António Sebastião de Spínola e de Maria Gabriela Alves Ribeiro de Spínola.

- Oriundo de uma família abastada: seu pai foi inspector-geral de Finanças e chefe de gabinete de Salazar no Ministério das Finanças.

- Em 1920, ingressa no Colégio Militar, em Lisboa, para fazer o ensino secundário que conclui em 1928.

- Em 1928, frequenta a Escola Politécnica de Lisboa.

- Casou, em 1932, com Maria Helena Martin Monteiro de Barros.

- Colocado inicialmente, em 1928, no Regimento de Cavalaria 4, irá exercer as funções de instrutor, durante seis anos, no Regimento de Cavalaria 7, a partir de 1933, já como alferes.

- Em 1939, exercerá as funções de ajudante-de-campo do comandante da GNR (Guarda Nacional Republicana), general Monteiro de Barros, seu sogro, e dará início à sua colaboração na Revista de Cavalaria de que é co-fundador.

- Em 1941, é integrado na missão de estudo do Exército português para uma visita à Escola de Carros de Combate do Exército alemão e à frente germano-russa.

- Em 1947, é nomeado para uma missão de estudo na Guarda Civil Espanhola, uma vez que exercia funções na Guarda Nacional Republicana.

- Em 1961, como tenente-coronel, desempenha as funções de 2ª comandante e comandante do Regimento de Lanceiros 2.

- Com o início da guerra em Angola oferece-se como voluntário e organiza o Grupo de Cavalaria 345.

- É colocado com a sua unidade, em Angola, em 1961, onde frequenta por curto período um curso de aperfeiçoamento operacional no Centro de Instrução Militar de Grafanil, em Luanda.

- A sua primeira missão é na região de Bessa Monteiro e mais tarde na região fronteiriça de São Salvador do Congo. Permanecerá em Angola até 1963.

- Em 1967, é nomeado 2.º comandante-geral da Guarda Nacional Republicana.

- Em 1968, é chamado para exercer as funções de governador e comandante-chefe das Forças Armadas da Guiné, cargos para que volta a ser nomeado em 1972, por recondução, mas que não aceita alegando falta de apoio do Governo Central.

- É carinhosamente conhecido, no TO da Guiné, por várias alcunhas: Homem Grande de Bissau, Calco Baldé, Aponta Bruno, etc. (2).

- Em Novembro de 1973, é convidado por Marcelo Caetano, numa tentativa de o colocar no regime, para ocupar a pasta de ministro do Ultramar, cargo que não aceita.

- A 17 de Janeiro de 1974, é nomeado para vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, por sugestão de Costa Gomes, cargo de que é demitido em Março, por se ter recusado a participar na manifestação de apoio ao Governo e à sua política.

- A 25 de Abril de 1974, como representante do MFA (Movimento das Forças Armadas), aceita do Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, a rendição do Governo, o que na prática significa uma transmissão de poderes.

- Com a instituição da Junta de Salvação Nacional, órgão que passou a deter as atribuições dos órgãos fundamentais do Estado, a que presidia, é escolhido pelos seus membros para o exercício das funções de Presidente da República.

- Ocupará a Presidência da República a 15 de Maio de 1974, cargo que irá exercer até 30 de Setembro de 1974, altura em que renuncia e é substituído pelo general Costa Gomes.

- Faleceu em Lisboa a 13 de Agosto de 1996.


PRINCIPAIS OBRAS PUBLICADAS

Por Uma Guiné Melhor (1970);
Linha de Acção (1971);
No Caminho do Futuro (1972);
Por Uma Portugalidade Renovada (1973);
Portugal e o Futuro (1974);
Ao Serviço de Portugal (1976).
País sem Rumo (1978).

O marechal António de Spínola ficará para a nossa história como o símbolo da transição dos regimes autoritários de Salazar e Caetano para a democracia pluralista, era a opinião do embaixador Nunes Barata que privou com ele de perto. Uma verdade que não deixa dúvidas.

Admirado por uns, odiado por outros, acabou por ser considerado um bom militar mas um mau político.

Homem do Exército, fez a maior parte do seu percurso militar durante a vigência do Estado Novo.

Começa a destacar-se em 1961, com o início da guerra em Angola, para onde se ofereceu como voluntário.

Em Angola, toma consciência de que para vencer a guerra de guerrilha a solução jamais poderia ser militar, mas sim política. Gradualmente faz sentir isto ao Governo.

É na Guiné, quando assume o seu governo, que faz essa pressão. A pouco e pouco vai advogando a ideia da constituição de uma federação que poderia ser aplicável aos territórios ultramarinos.

O seu livro
Portugal e o Futuro expressa bem essas ideias. Ideias de transição, já que não concebiam a concessão de uma independência total aos territórios ultramarinos.

Criado dentro dos cânones do regime, em que um dos pilares de sustentação era o império colonial, não conseguiu ultrapassar isto no seu todo.

As atitudes que vai tomando depois do 25 de Abril demonstram essa desadaptação. A sua demissão da Presidência da República após a tentativa falhada de golpe da chamada "maioria silenciosa", a 28 de Setembro de 1974, o seu envolvimento na tentativa de golpe militar de 11 de Março de 1975, são exemplos concretos.

É ainda um homem de transição quando aceita das mãos, de Marcelo Caetano a transmissão de poderes governativos. Uma situação similar à que já tinha sucedido por altura do golpe militar do 28 de Maio, quando um outro militar, Mendes Cabeçadas, aceita a mesma transmissão de poderes das mãos do Presidente Bernardino Machado. Embora não fosse um democrata de formação, colaborou, no entanto, para o início do processo democrático.

O importante papel que desempenhou é oficialmente reconhecido a 5 de Fevereiro de 1987, pelo então Presidente da República Mário Soares, ao empossá-lo como chanceler das Antigas Ordens Militares, e ao entregar-lhe as insígnias da Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, pelos "feitos de heroísmo militar e cívico e por ter sido símbolo da Revolução de Abril e o primeiro Presidente da República após a ditadura".


Fonte: Página Oficial da Presidência da República > Antigos Presidentes > António de Spínola

2. Comentário do editor do blogue, Luís Graça: Sobre o nosso Com-Chefe, escrevi o seguinte apontamento do no meu diário:

Excertos do Diário de um Tuga (L.G.)

Ponte do Rio Udunduma, 3 de Fevereiro de 1971:

De visita aos trabalhos da estrada Bambadinca-Xime, esteve aqui de passagem, com uma matilha de
Cães Grandes atrás, Sexa General António de Spínola, Governador-Geral e Comandante-Chefe (vulgo, o Homem Grande). Eu gosto mais de chamar-lhe Herr Spínola, tout court. De monóculo, luvas pretas e pingalim, dá-me sempre a impressão de ser um fantasma da II Guerra Mundial, um sobrevivmente da Wermacht nazi.

Mas o que é que faz correr este
velho soldado, como ele próprio gosta de se chamar ? É difícil adivinhar-lhe a sua paixão secreta, o seu móbil, sob a sua impassibilidade de samurai (ou de figura de cera?): a mitomania, o culto da personalidade ou, hélàs!, a presidência da república ...

Há qualquer coisa de sinistro na sua voz de ventríloquo, no seu olhar vidrado ou no seu sorriso sardónico: talvez seja a superioridade olímpica do guerreiro.

Cumprimentou-me mecanicamente. Eu devia ter um aspecto miserável. Eu e os meus
nharros, vivendo como bichos em valas protegidas por bidões de areia e chapa de zinco. O coronel (?) que vinha atrás do General chamou-me depois à parte e ordenou-me que, no regresso a Bambadinca, cortasse o cabelo e a barba…

A visita-surpresa do
Deus-Todo-Poderoso foi o meu único monumento de glória em toda esta guerra… Ao fim de vinte meses!... Só quero regressar, são e salvo, a casa, daqui a um mês e, se possível, levar comigo a barba que deixei crescer… na Guiné, longe do Vietname.

Esta leitura de Spínola e da sua entourage está necessariamente datada e é fruto (amargo e amargurado) das circunstâncias. Confesso que não gostava do personagem, não só pelo seu currículo militar como sobretudo pelos seus tiques: quando escrevia sobre ele, no meu diário, tratava-o sempre por Herr Spínola.
Sendo antimilitarista (ou pelo menos julgando-me como tal), sobretudo não gostava de Cães Grandes, como eu chamava aos oficiais superiores que, naturalmente, não podiam ser todos metidos no mesmo saco. O coronel (?) que me deu a piçada pelo meu ar selvagem, terá sido porventura o do Agrupamento ou do COP de Bafatá. Creio que já não era o Hélio Felgas, era um seu substituto. O tenente-coronel Polidoro Monteiro, novo comandante do BART 2917, não era, de certeza... Mas para o caso não interessa: não lhe fixei nem o nome nem os galões... E a barba que usava no final da comissão, mais curtinha, veio comigo... e está comigo até hoje.

Como eu não convivi com os oficiais superiores dos batalhões a que esteve afecta a CCAÇ 12 (e eu conheci dois, o BCAÇ 8252 e o BART 2917) - contrariamente aos alferes milicianos que estavam em Bambadinca, sede do Sector L1 da Zona Leste, que partilhavam o mesmo espaço (o bar e a messe de oficiais, separado do bar e messe de sargentos, como mandava a etiqueta militar) - , também não estabeleci laços afectivos com nenhum eles, oficiais superiores. Contrariamente a outros camaradas de tertúlia que já aqui deram o seu testemunho: por exemplo, o Paulo Raposo, o Paulo Santiago, o Beja Santos ou, mais recentemente, o Torcato Mendonça.
(... ) Caco (ou Caco Baldé) era a a alcunha por que era mais conhecido o General Spínola entre os seus soldados. O termo queria referir-se ao vidrinho ou monóculo que ele usava... Baldé era um dos apelidos mais vulgares entre os fulas, entusiásticos (e desgraçados) aliados de Spínola...

O general também era popular na caserna dos soldados, pela sua imagem de pai justiceiro... Ele era capaz de aparecer de surpresa num aquartelamento nos momentos mais insólitos ou mais dramáticos... Reconheço que as punições de oficiais superiores, incompetentes e impreparados para aquela guerra, deram-lhe uma auréola de homem corajoso, impoluto, determinado, um exemplo de liderança militar que era coisa que os nossos oficiais superiores - a nível de batalhão, pelo menos - não sabiam nem podiam dar, na generalidade dos casos...

Recorde-se que António de Spínola assumira, ainda como brigadeiro, em meados de 1968, os cargos de governador e comandante-chefe das Forças Armadas portuguesas na província portuguesa da Guiné, com a difícil missão de evitar o desastre político-militar que se anunciava: uma derrota das NT na Guiné teria fortes repercussões (psicológicas, morais, militares, políticas...) nas jóias da coroa imperial, que eram Moçambique e sobretudo Angola.

Já general, e com ambições políticas, abandonou funções de governador e com-chefe em 8 de Agosto de 1973. Em 24 de Setembro, o PAIGC proclama unilateralmente a independência, em Madina do Boé, e a nova República Popular da Guiné-Bissau é reconhecida pela ONU em Novembro. Spínola foi substituído a 25 de Agosto pelo general Bettencourt Rodrigues. Pelo lado português, havia então mais de 40 mil homens em armas no território, que continuaram a lutar até ao fim, em condições cada vez mais duras e dramáticas...
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Nota dos editores:

(1) Vd. post de 23 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2207: Tugas - Quem é quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril


(2) Sobre o nosso Com-Chefe, o General Spínola (1968-1973):

Vd. entre outros os seguintes posts:

30 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2231: Blogoterapia (34) : Os Ieros Jaus que trouxemos na nossa memória pisada (José Morais)


26 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2216: Os nossos vídeos (1): Feliz Natal e até ao meu regresso (Tino Neves)


10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)


27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)


12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2100: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (1) (A. Marques Lopes / António Pimentel)


19 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1857: Estórias cabralianas (24): O meu momento de glória (Jorge Cabral)


23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço.


24 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1314: Estórias de Bissau (8): Roteiro da noite: Orion, Chez Toi, Pilão (Paulo Santiago)


16 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1762: Tertúlia: Encontro de Pombal (15): Estórias do Caco Baldé (Spínola) (J.L. Vacas de Carvalho, J. Mexia Alves e outros)


25 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1461: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (30): Spínola, o Homem Grande de Bissau, em Missirá


6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1407: Tertúlia: apresenta-se o Coronel de Cavalaria Carlos Ayala Botto, ajudante de campo do General Spínola




16 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXXII: Aponta, Bruno! (ou outra alcunha do Spínola) (Zé Teixeira)


13 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIV: Estórias cabralianas (6): SEXA o CACO em Missirá


3 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXVI: Herr Spínola na ponte do Rio Udunduma (Luís Graça)


24 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCX: Oficial do Estado Maior do 'Caco'... por duas horas (João Tunes)


7 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLVIII: Cartas que nunca foram postas no correio (1): Em Bissau, longe do Vietname (Luís Graça)


14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal


29 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXXIV: Recordações do 'Caco Baldé' no Xitole (David Guimarães)

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