sábado, 22 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2373: O meu Natal no mato (9): Embarquei no N/M Niassa a 21 de Dezembro de 1971... Que maldade! (João Lima Rodrigues)





N/M Niassa > 21 de Dezembro de 1971 > O luxuoso paquete em que cerca de 500 militares do BART 3873 foram obrigados a viajar, para a Guiné, nas vésperas de Natal.

Fotos: © João Lima Rodrigues (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem que nos chega através do Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf, CART 3492 (Xitole, 1972/74):

O Lima Rodrigues foi Alferes Miliciano e esteve na Guiné entre 1971 e 1974, integrado no BART 3873: esteve primeiro no Xitole na CART 3492 e posteriormente na CCS do Batalhão em Bambadinca a desempenhar funções nas áreas das operações, juntamente com o então major Jales Moreira.

Actualmente é técnico superior da Portucel, de Viana, continua ser homem dos nossos, bem disposto, aliás basta ler-se-lhe a prosa... Enfim, alguém com quem é facil travar-se amizade. Peca só pela timidez.

Embora ande há muito a insistir com ele, para nos contar as suas estórias que as conheço bem interessantes, não tenho sido muito bem sucedido.. Mas enfim desta vez, por ser Natal lá se dispôs a escrever e eis o resultado.


2. Texto do João Lima Rodrigues (1):

Meus caros:

Estão a cumprir-se 36 anos sobre a data de embarque para o cruzeiro memorável para a Guiné, em que a maior parte de nós teve o privilégio de participar. O paquete Niassa, de seu nome, foi equipado a preceito, como bem se recordam, com camaratas tipo andaime num porão, onde mais de 500 jovens partilhavam essa inovação tipo open space - embora praticamente não houvesse escotilhas (?) para o exterior - e que só agora está na moda, para transporte de clandestinos no sentido inverso!

A carga de melaço com que o outro porão foi carregado, só por maldade ou manifesto mau gosto, alguns disseram ter um cheiro horrorosamente enjoativo (a maledicência é realmente uma característica dos portugueses...). A data, que foi alvo das mais elaboradas cogitações pelos altos cérebros (?) das forças Armadas da altura, não poderia ter sido melhor escolhida.

Como seria possível aos mais de 500 ex-militares, respectivas famílias e amigos, ainda hoje terem esta recordação tão viva e forte desse evento ? Todos temos garantidamente inumeras recordações desse memorável cruzeiro, mas permito-me recordar as que ainda hoje sinto como mais marcantes:

Aquela sessão de cinema ao ar livre com a projecção do filme A Batalha das Ardenas - escolhido garantidamente pelos tais cérebros (?) brilhantes). Sim, quem tem dúvidas sobre o enorme efeito moralizador que um filme de guerra teria sobre aqule enorme grupo de jovens ansiosos por saber como era a guerra? (Os tais maledicentes lá vieram com o argumento de que se tratava de uma batalha mais adequada para a cavalaria, porque quase só metia tanques, e que nós eramos tropa de artilharia. Mentira e má vontade, porque toda a gente sabe que nenhum de nós sabia raspas de peças de artilharia (seriam o morteiro 60 ou a bazooka peças de artilharia? Agora fiquei um pouco baralhado , mas como eu era um generalista de operações especiais e com a ajuda da idade posso estar a fazer algumas confusões...).

Mas, e os jogos de ping-pong que invariavelmente terminavam por falta de bolas, pois ao longo do jogo iam voando borda fora... ?! E para os mais privilegiados, o grupo musical, a que o Mexia já se referiu (2), e cujo repertório de músicas românticas abalava mesmo os mais machões!

E só por pudor termino este evocar de recordações, em que o cinismo apenas serviu para atenuar toda a revolta que ainda hoje sinto por tamanha estupidez, que é mandar mais de 500 jovens para a guerra na véspera de Natal, quando nada justificava essa decisão, pois ainda havia para cumprir um mês de IAO.

Felizmente para todos nós, poderemos festejar este Natal com aqueles que para nós são importantes e recordar todos aqueles com quem, infelizmente, já não podemos partilhar esta alegria.

A todos desejo que passem um Santo Natal e um óptimo 2008!!!

João Lima Rodrigues

3. Comentário de L.G.:

João, cumpriste todas as formalidades para poderes entrar na Tabanca Grande... O privilégio é teu, mas a honra é toda nossa... Arranja p'ra aí um lugar confortável. Espero que te sintas bem por cá, muito melhor do que a outra vez, quando andaste pelo Xitole e por Bambadinca, nos já idos anos de 1972/74... Só te falta um endereço de e-mail... Presumo que o tenhas, mas o Álvaro não mo mandou...

De facto, foi um sacanice o que te fizeram, mandarem-te para a Guiné, ainda por cima em 1971, em tempo de guerra, e mais grave ainda na véspera de Natal... Mas, olha, gostei da tua prosa... Ao menos vingaste-te, este Natal, dos Filhos da Mãe que te tramaram da outa vez...contando a história da sua sacanice... Escrever faz bem, a ti, a todos nós... Obrigado também ao Álvaro por, delicadamente, te trazer até à porta da nossa Tabanca. É um camaradão, esse Álvaro. Até à próxima. Luís

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post anterior desta série: 21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - 2372: O meu Natal no mato (8): Bissorã, 1964 (João Parreira, CART 730)


(2) Vd. post de 12 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1271: O cruzeiro das nossas vidas (1): O meu Natal de 1971 a bordo do Niassa (Joaquim Mexia Alves)

1 comentário:

joaquim disse...

Uma emenda:
O Lima Rodrigues, camarada e amigo da Cart 3492 fez o percurso ao contrário do que está escrito.
primeiro pertenceu à CCS e depois, trocou com o Gonçalves Dias, que era originalmente da 3492 e veio para o Xitole, indo o Gonçalves Dias para a CCS.
esta troca foi feita entre ambos de "livre vontade".
O Lima Rodrigues é do meu curso de Operações Especiais e é um enorme camarada.
Daqui lhe mando um abraço.
Aproveito para desejar um Santo Natal a todos os companheiros da Tabanca e visitantes.
Abraço "camarigo"
Joaquim Mexia Alves