quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2563: Inquérito online: Uma guerra violenta mas humana? (1): Nem santa nem suja (Francisco Palma / Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

Guiné > Região de Tombali > PAIGC > Região libertada de Balana/Quitafine > s/d > Dois guerrilheiros descansando das agruras da luta...

Foto: United Nations / Yutaka Nagata. In Return to the Source, Selected Speeches, by Amilcar Cabral . New York, Monthly Review Press, 1974. Fonte: A Brief History of the PAIGC (com a devida vénia...)

1. Amigos e camaradas:

Qual o sentido da frase do nosso camarada Manuel Rebocho, Uma guerra violenta mas humana ?

Guerra é guerra, e quem vai à guerra dá e leva...? Ou: a guerra que fizemos foi dura, cruel, violenta - não discutimos se foi justa ou injusta... Procurámos, no entanto, tratar (pelo menos entre 1972 e 1974) com a dignidade e a humanidade possíveis os prisioneiros que fizemos...

Não estamos sequer a falar da III Convenção de Genebra sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra, que data de 1949 e de que nós nunca ouvimos sequer falar, na instrução militar...

A questão é: Todos ou quase todos lidámos com prisioneiros: foram executados, foram torturados ? Foram tratados, quando feridos ?

Sabemos que não foi uma guerra "nem santa nem suja", até porque tanto as NT como o PAIGC estávamos empenhados (sobretudo a partir de Spínola...) em ganhar o apoio das populações...

Sei que este questão é dita fracturante (na nossa Tabanca Grande), mas todos podemos dar - com a serenidade possível, o que não quer dizer sem pinga de emoção... - o nosso ponto de vista particular (como testemunhas, como actores)...

Publicar-se-ão, no final da sondagem (que termina daqui a seis dias) as "declarações de voto", como esta, a primeira, que nos chega... Um Oscar Bravo para o Francisco Palma. Um Alfa Bravo para todos os camaradas e amigos da Tabanca Grande (os amigos também têm opinião...)

Luís

PS - E já agora, se aceitarem uma sugestão minha, vejam o filme que foi estreado há dias nos nossos cinemas, "No vale de Elah", de Paul Haggis:


Depois de regressar do Iraque, Mike Deerfield (Jonathan Tucker) desaparece e é considerado desertor. Quando Hank (Tommy Lee Jones, num surpreendente desempenho), um veterano, e a sua mulher Joan (Susan Sarandon) recebem o telefonema com a trágica notícia do desaparecimento do filho, o pai resolve procurá-lo. A detective Emily Sanders (Charlize Theron) ajuda-o na investigação, mas à medida que o mistério se revela e Hank descobre pormenores sobre a missão do filho no Iraque, tudo aquilo em que acreditava é posto em causa. "No Vale de Elah" é realizado por Paul Haggis, o realizador do premiado "Crash" e argumentista de "Million Dollar Baby", "As Bandeiras dos Nossos Pais" e "Cartas de Iwo Jima", de Clint Eastwood.

Fonte: http://cinecartaz.publico.pt/


2. Declaração de voto do Franscisco Palma (Residente em São João do Estoril, ex-condutor auto, hoje DFA, com mais de 30% de deficiência, em consequência de uma mina A/C, accionada em Abril de 1970) (1):

Voto DISCORDO porque , para mim, nenhuma guerra será humana, mas sim sempre cruel e injusta, quer para os combatentes e muito menos para os inocentes sem opinião formada.

Eu que o diga que nunca pedi para ir para a Guiné e sofri 15 ataques e a terminar a missão ( ? ) accionei uma mina anticarro ficando deficiente para o resto da vida, mas sortudo por não ter morrido, nem eu nem nenhum dos camaradas que seguiam na viatura.

Francisco Palma
CCAV 2748
Canquelifá
1970/72

3. Mensagem do Virgínio Briote (ex-Alf Mil Cmd, Brá, 1965/66, co-editor do nosso blogue):


A guerra não foi nem santa nem tão digna como por vezes ouvimos contar. Aconteceu de tudo. Prisioneiros entregues aos responsáveis pelas informações (2ª Rep, Comandos de Batalhão), Prisioneiros devolvidos às NT para servirem de guias (e não foram assim tão raros os casos em que foram abatidos em plena acção, em especial os que nunca davam com os caminhos por mais voltas e voltas que nos fizessem dar), Prisioneiros recuperados e integrados em estruturas locais (milícias, grupos especiais, cmds...), de tudo aconteceu.

E não podemos deixar de falar das populações, sempre esquecidas pelos intervenientes de qualquer dos lados. De uma maneira ou de outra acabavam por levar. Vítimas dos ataques da guerrilha a povoações e aquartelamentos e certamente vítimas das NT. Quantas vezes terá acontecido fazermos Prisioneiros (com as consequências respectivas) entre a população, apenas por indicações de elementos da própria tabanca e que, posteriormente, se revelaram sem crédito?

E finalmente (?) ainda, não podemos esquecer atitudes de grande nobreza moral, que ocorreram de um e outro lado. E que, na altura, não deixavam de ser notadas com sinais contrários, com gestos de enobrecimento por uns e de desprezo por outros também (O IN é assim que deve ser tratado ou o IN tem apenas o direito de ser tratado a tiro).

De tudo aconteceu e tudo aconteceu, passe a expressão.
Um abraço,
vb

4. Opinião do Carlos Vinhal (Ex-Fur Mil Art MA/CART 2732, Mansabá , 1970/72

Camaradas:

Votei Discordo totalmente, porque falar em guerra humana dentro do possível é demagogia.

Primeiro, porque quando me puseram na Guiné, foi com a intenção de que eu matasse para não morrer, aproveitando o instinto de sobrevivência natural em qualquer ser vivo, animal (irracional também) ou vegetal.

Segundo, porque quando a minha Companhia embarcou, passámos a ser números. Uns quantos foram destinados a fazer parte da percentagem X que iria morrer em combate, outros, da percentagem Y que iria ficar estropiada, etc., etc.

A nossa guerra não tem sido aproveitada, em Portugal, pela 7.ª Arte, mas os anglo-saxónicos, especialmente os americanos, não se coibem de fazer ficções sobre a 2.ª Grande Guerra, Guerra da Coreia , Vietname e até já do Iraque, onde assistimos a planeamentos de Batalhas e Operações, onde se apresentam cálculos das baixas prováveis, sem se importarem, se quem vai morrer é o António, o José ou o Manuel. Isto é ou foi humano?

Não morri porque não calhou, não matei porque não se proporcionou. Montei minas, não me importando se elas iriam ser accionadas por alguém que eventualmente até poderia ser civil. Não fui humano, nem deixei de ser.

Não devemos confundir a árvore com a floresta e, as acções individuais humanitárias praticadas por muitos dos combatentes de um lado e do outro, não dignificaram a guerra, dignificaram e muito quem praticou essas acções.

Um abraço

Carlos Vinhal

1 comentário:

Anónimo disse...

A guerra em si e desumana mas examinando com um pouco d mais detalhe e falando de forma geral, a nossa presenca militar nas colonias foi mais humana que outras principalmente se compararmos com o que se fez no Vietnam na argelia no Congo e outros lugares. Muita desta humanidade e devida a historia e conviccoes do nosso povo mas tambem devido a missao que nos foi confiada.

A nossa missao era de conviver com as populacoes e aliciar estas mesmas para viver do nosso lado. Para isso construimos tabancas, fornecemos generes alimentares davamos-lhe cuidados medicos e escolares. Arriscava-mos a nossa vida para proteger-mos as vidas daqueles ao nosso cuidado. Tudo isto era feito de uma forma muito paternalista mas era assim o estado novo. Nao quero de maneira nenhuma fazer testamentos politicos porque eu como a maioria nao suportavamos esta guerra e talvez por isso fossemos mais humanos. simplesmente tentavamos cumprir a missao que nos foi entregue como bons militares e cristaos.

Havia no entanto duas guerras dentro da Guine Angola e Mocambique. A guerra da tropa de quadricula e a guerra das tropas especiais. A primeira tinha uma missao de proteccao educacao (a tal Psico) enquanto a segunda se dedicava em busca e destruicao do inimigo.

E de compreender que tenha havido actos menos humanos principalmente das tropas especiais (e julgo que de um lado e outro que muitas estorias ouvi contar) principalmente devido as missoes que tinham que executar mas no curto tempo de guerra que tive (Jan a Maio de 1974) acho que fomos muito humanos ate com o inimigo. A humanidade da tropa de quadricula tambem deve ter diversos niveis de humanidade principalmente baseado na humanidade dos seus oficiais, mas a missao que nos confiaram era injusta mas tinha certos indicios de humanidade se a executamos assim ou nao isso depende de cada um de nos. Pelo meu lado tenho a consciencia tranquila.

O mesmo nao posso afirmar o que se passava nas delegacoes da DGS ou nos interrogatorios em Bissau. O que posso afirmar e que a tropa de quadricula onde eu cumpri o meu servico militar foi humana porque isso lhes foi incutido na sua instrucao. Nao era facil incutir nos nossos soldados esta mentalidade e talvez ate fosse impossivel se tivesse ficado 2 anos no mato com toda a stress que se vivia (O "cacimbo" e os "roncos" tinha muito a ver com o comportamento das nossa tropas).

Uma outra realidade que ainda nao foi muito abordada neste blog foi a qualidade e a formacao dos soldados e oficiais que faziam a guerra. Muitos dos soldados que pertenciam a minha companhia tinham problemas psiquicos e pouco treino tanto militar como psicologico. Se combinarmos a este problema o problema de uma fraca instrucao e dedicacao dos oficiais e sargentos milicianos acho que a humanidade demonstrada e de exaltar. A minha experiencia foi que o soldado portugues era muito valente e obediente mas pouco instruido e psiquicamente preparado.

O que foi feito pelo PAIGC depois do 25 de Abril como acto de vinganca aqueles que lutaram pelo lado portugues nao pode ser considerado muito humano principalmente quando ja nao se vivia um periodo de guerra e foi totalmente executado devido a vinganca.

Muito mais se pode falar sobre isto mas a descolonizacao que fizemos foi a descolonizacao possivel dentro das circunstancias (tanto em Portugal como nas colonias) e nao uma descolonizacao pleneada como devia ter sido feita. Aguas passadas nao moem moinhos e a humanidade que tivemos na guerra esta na consciencia de cada um de nos e trazer esta polemica para discucao talvez ate nao seja muito boa ideia principalmente para aqueles que tem a sua consciencia pesada. Falemos do bom e do positivo e como podemos ajudar estes povos que tanto tem sofrido e nao das maguas e dores que vao na consciencia de cada um de nos. Esta e a minha opiniao.