domingo, 6 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2725: O nosso Livro de Visitas (10): Albano M. Matos, o último Militar Português a abandonar a Guiné.

Albano Mendes de Matos, 2º Sargento Artª em Angola (1961/63 e 1965/68)

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Mensagem de Albano Mendes de Matos:

Camaradas,


Vi o vosso blogue. É interessante a ideia. Sou Ten Coronel reformado. Tenho estado em alguns encontros de combatentes na Guiné.

Estive só em Bissau, de Dezembro de 1972 a 14 de Outubro de 1974... Fui o último a sair da antiga colónia. Além do serviço próprio, dediquei-me a actividades culturais.

Criei, há dias, o blogue
cenasdeguerra.blogspot.com, em que vou publicar coisas de Angola e da Guiné. Já tem dois escritos de Angola.

Seguem duas poesias da Guiné.
Um abraço

Albano Mendes de Matos
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PARTE UM PESO

Parte um peso,
Patrão!

Peso ou delírio
dinheiro e vida!
Mágoa sentida
da menina negra
a sorrir magia!

Ela se deu toda
na pureza sublime
da inocência!

Peso carícia
dívida esmola
no tempo dinheiro!

Esmorece o luar
na tabanca
e a menina negra
soluça!

Parte um peso,
patrão!

A moeda sorriu
na palma branca
da menina negra!
Nos olhos submissos
uma lágrima correu!

PÁSSARO TECELÃO

O sol rompe na atmosfera estufa e cintila

no espaço sagrado do poilão

- os pássaros amarelos
desfiam as palmas
em fios apressados

Os pássaros amarelos tecem a liberdade
os pássaros amarelos rasgam as folhas das palmeiras
e tecem de ternura os ninhos no instinto perene dos filhos

- o sol incendeia o tecto africano
e queima o vigor das horas mortas

São de amor os bicos dos pássaros amarelos
que modelam os ninhos ao poilão sagrado:
os fios roubados nas franjas das palmeiras
as penas surripiadas nas ondas do vento

Depois
as brisas murmuram e embalam os passarinhos
na ternura dos ninhos urdidos de palmas e de penas

- e os pássaros amarelos
cantam alegrias no poilão sagrado!

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Nota do co-editor vb:

Albano Mendes de Matos:

Comissões de Serviço:

ANGOLA: Grupo Art 157/BArt 147 - Ucua, Pedra Verde, Quicabo, Quibaxe, Pango Aluquém, Piri, Luanda Luso, Portugália, Tentativa, Caxito, etc., 1961/63

ANGOLA: BArt 1469/CArt 1469 - Piri, Quelo, Santo António do Zaire, 1965/68

GUINÉ: GA 7 e QG/CTIG - Secção de Milicias e Chefe de Contabilidade, 1972/74 albanomatos83@sapo.pt

Pequeno resumo do trajecto profissional:

Cabo Miliciano em 1953, obrigado a prestar mais um ano de serviço, devido aos acontecimentos em Goa, Damão e Diu, então sob administração portuguesa. Não foi mobilizado, por ser o mais classificado da especialidade.
Nesse período suplementar de serviço, concorreu ao Q. P..
Disponibilidade em 1954. Furriel em 1955.

Nas comissões militares em Angola, 1961/63 e 1965/68, dedicou-se ao estudo dos povos de Angola, especialmente os Quiocos, com publicação de contos, poesias e ligeiros artigos, em jornais e revistas.

Na comissão militar na Guiné-Bissau, foi colocado no Grupo de Artilharia 7, em diligência no Quartel-General e no Conselho Administrativo do CTIG.

Na Guiné, a par das tarefas militares, tomou arte na organização de festivais de poesia e representações teatrais, junto da UDIB, Banco Ultramarino e Associação Comercial.

Organizou os Cadernos de Poesias POILÃO, com autores guineenses e portugueses, do qual só saiu o primeiro número, nas proximidades do 25 de Abril de 1974, referido na História das Literaturas Africanas e no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses.

Publicou, em 1973, em Angola, o caderno de contos africanos Jangadeiro, dos quais foram apreendidos 300 exemplares pela Direcção Geral de Segurança (PIDE), na alfândega da Guiné, tendo sido um elemento do PAIGC que o avisou da apreensão.

No dia 12 de Outubro de 1974, alguns elementos do PAIGC/UDIB (União Desportiva Internacional de Bissau) homenagearam-no com um jantar de despedida, no Hotel SOLMAR.

Regressou a Portugal, em 14 de Outubro de 1974, no último avião militar vindo da Guiné.

Já perto da reforma, licenciou-se em Antropologia Cultural e Social e fez o Mestrado em Ciências Antropológicas.

Foi professor na Universidade Moderna. Aqui fica uma poema, referente à noite de Natal de 1973, na Guiné:

NATAL

O teu filho anda na guerra, Mãe!
E Cristo vai nascer à Meia-Noite,
para o cravarem ironicamente na cruz!

Cristo, hoje, vai nascer!
E o teu filho anda na guerra,
mascarado de soldado
e sonha em cada delírio uma rajada de versos!

Esta noite é longa, Mãe,
e Cristo vai nascer na memória dos homens.
As armas são círios de Presépios,
nos segredos das matas e no inferno das bolanhas!

Há cânticos
de dor e de esperança nos gritos dos soldados,
no sono dos mártires a caminho da eternidade,
na alma dos mutilados embebidas de raiva!

O som da metralha é melodia infernal!
E Cristo vai nascer nesta noite sem luz,
talvez vestido de soldado ou de vagabundo,
para estar vivo, mais perto dos homens!

Faz uma prece, Mãe!
Cristo vai nascer entre cânticos celestiais
e o teu filho rasteja nos lodos febris da guerra!
Na guerra real, onde as picadas são trágicas e letais,
e a vida parece irreal, num delirante e último sonho, Mãe!

1 comentário:

Mário disse...

Vamos ver se desta vai. Nem militar, nem narrador de acontecimentos. Simplesmente POETA!
Algo que entra dentro de nós, sentindo a alma do Poeta, deixando o nosso coração a latejar. Parabéns! Com Homens destes Portugal pequenino será sempre inorme.

Mário Fitas