quinta-feira, 19 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2966: A guerra estava militarmente perdida? (22): Comentário de um Quadro Guineense no Exterior (Anónimo)

A Guerra estava militarmente perdida?
Revisão e fixação de texto: vb


Um Guineense no exterior

Comentário ao Guiné 63/74 - P2962: A guerra estava militarmente perdida? (20):Um Fraco Rei Faz Fraca a Forte Gente (António Graça de Abreu)


Meu caro, nesse vosso debate estéril, a da definição do sexo dos anjos, se a guerra estava ou não militarmente ganha, se quem falhou foram os políticos ou os militares, na vã gloria de se preservar um dito império (que ideia megalómana)... como guineense que ganhou direito a uma pátria lusófona na sua expressão oficial, não podia de forma alguma concordar consigo.

Se o propósito da presença colonial, decorrente do dito Descobrimento era perpetuar o domínio de um povo e de uma cultura sobre uma outra em detrimento da equidade, cultura essa tida por inconsistente e primitiva, neste caso a do meu povo, tarefa para a qual a tropa colonial estava talhada, contando com a dedicação inicial do missionarismo católico, então, como guineense... e desse debate resta-me concluir que os nacionalistas guineenses ganharam a guerra, já que guineense que sou de uma nova geração, dela acabei por ter direito a uma pátria, uma bandeira, um hino e quiçá outra dignidade, até que soberana, que permite sem mágoas, eleger Portugal de hoje como nação um amigo fraterno, conquistas com as quais me orgulho.

E já agora porque não concordar com o argentino Jorge Luís Borges: "O passado é argila que o presente molda à vontade”.

Se esteve em África como militar, ainda que se tente refugiar nesse cumprimento de um dever, Pela Pátria, eu que ingenuamente pensava que as fronteiras de Portugal se estendiam do norte ao Algarve, então foi enganado, pois a sua missão na Guiné, como militar e não escamoteemos aqui a verdade cristalina, foi igualmente a de opressão e tentativa de submissão de um povo, neste caso o meu, a toda uma super-estrutura ideológica e cultural que, tendo também os seus atributos, nos era entretanto estranho.

Portanto, como deve calcular, a verdade por vezes é também acutilante. Vamos pois salvaguardar o que de mais positivo resistiu à colonização ou seja a fraternidade entre os nossos dois povos e deixar a catarse falar pelo futuro dessa nossa convivência...

Quadro guineense no exterior, orgulhosamente guineense!

(Não assinado)

2. Caro Guineense Anónimo no exterior:

Registamos o seu artigo, escrito sem complexos, e é sem complexos que o publicamos. E aceitamos o seu desafio: preservar a fraternidade entre os dois Povos. Escreva sempre. Mas, de preferência, dê a cara e identifique-se. Presumo que não esteve registado no Google, razão por que o neu nome não aparece no comentário. Vejo, por outro lado, que é mais jovem do que os homens e as mulheres que outrora lutaram, uns contra os outros, e que hoje se respeitam e são capazes até de abraçar.

Por norma, não publicamos postes anónimos. Recuperámos o seu comentário, na esperança de que mais guineenses, da terra ou da diáspora, da sua geração e da geração dos seus pais, participem, com serenidade e fraternidade, neste desejável e necessário diálogo sobre o passado, o presente e o futuro dos nossos povos.

Caro amigo guineense da diáspora: Não sei onde vive. Há muito que enterrámos as lanças de combate. Não vamos agora abrir feridas cicatrizadas. Respeitemos a memória daqueles de nós, de um lado e de outro, que morreram na guerra do ultramar/guerra colonial/luta de libertação. Mesmo entre, portugueses, há ainda questões que nos fracturam e dividem. Não é fácil nem confortável fazer o balanço das nossas relações históricas. Por nós, como sabe, recusamos o princípio (monstruoso) da responsabilidade colectiva dos povos... Aplicado à Guiné-Bissau isso iria novamente lançar povos contra outros povos: os mandingas contra os fulas, os fulas contra os balantas, os guineenses que colaboram com o esclavagismo e o colonialismo contra as suas vítimas, e por aí fora... Aprendamos a ler a história, aprendamos com a história, não cometamos os mesmos erros das nossas elites do passado...

Mantenhas. O editor Virgínio Briote.
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Nota do co-editor vb:

1. Artigos relacionados em:

19 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2964: A guerra estava militarmente perdida? (21): A Guerra estava militarmente perdida. Por mim, final da polémica. Mário Beja Santos.

19 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2962: A guerra estava militarmente perdida? (20):Um Fraco Rei Faz Fraca a Forte Gente (António Graça de Abreu)

18 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2959: A guerra estava militarmente perdida? (19): MIGS e Aliados. Juvenal Amado. M. Beja Santos.

17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo.

14 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2941: A guerra estava militarmente perdida? (17): E. Magalhães Ribeiro.

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2932: A guerra estava militarmente perdida? (15): Uma polémica que, por mim, se aproxima do fim (Beja Santos)

12 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2929: A guerra estava militarmente perdida? (14): Estávamos fartos da guerra e a moral nã era muito elevada. A. Graça de Abreu.

3 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2913: A guerra estava militarmente perdida? (13): Henrique Cerqueira.

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2907: A guerra estava militarmente perdida? (12): Vítor Junqueira.

29 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2899: A guerra estava militarmente perdida? (11): Correspondência entre Mexia Alves e Beja Santos.

28 de Maio de 2008 >Guiné 63/74 - P2893: A guerra estava militarmente perdida? (10): Que arma era aquela? Órgãos de Estaline? (Paulo Santiago)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2890: A guerra estava militarmente perdida? (9): Esclarecimentos sobre estradas e pistas asfaltadas (Antero Santos, 1972/74)

25 de Maio > Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

[Por lapso, houve um salto na numeração, não existindo os postes nº 7 e 6 desta série ]

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

15 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2845: A guerra estava militarmente perdida ? (4): Faço jus ao esforço extraordinário dos combatentes portugueses (Joaquim Mexia Alves)

13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2838: A guerra estava militarmente perdida ? (3): Sabia-se em Lisboa o que representaria a entrada em cena dos MiG (Beja Santos)

30 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)

2 comentários:

Anónimo disse...

Será que é sina dos Guineenses, que, para escreverem em português tão correcto, e tão erudito, etc., como o que acabamos de ler, teem que se ausentar da Guiné?

É que a percentagem de Guineenses dentro da Guiné, com capacidade de se exprimirem nesta lingua oficial, é muito reduzida.

Gostava de ouvir uma explicação para esta minha afirmação, vinda de um guineense, mesmo anónimo.

Cumprimentos,
Antonio Rosinha.

António Duarte disse...

Subscrevo quase na integra as palavras do "Guineense no exterior", apesar de eu ter sido combatente por Portugal.

Percebo que as suas palavras estejam a incomodar alguns dos nossos camaradas, mas quando esta história recente for estudada daqui a 200 ou 300 anos, provavelmente a interpretação da nossa participação não andará longe da do autor.

Peca pelo anonimato, mas poderá ter bons e fortes motivos por o ter feito.

Recordo uma vez mais que seria útil dar lugar aos desertores no nosso espaço, a fim de se confrontarem ideias "out of the box".

Na minha modesta opinião a esmagadora maioria das deserções aconteceram para safar a pele, mas a esmagadora dos combatentes também não eram apoiantes da política do Minho a Timor.

António Duarte