segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3275: Clarificar o conceito de novíssima literatura da Guerra Colonial (Beja Santos)

1. Mensagem do nosso amigo e camarada Beja Santos:

Camarada Leopoldo Amado e Queridos Amigos,
Li com muito prazer o ensaio do Leopoldo Amado em torno de alguma literatura emergente com a Guerra Colonial (*).
Sinto-me em sintonia com muitos dos pontos de vista expendidos, trago algum aditamento, na certeza certa de que o autor e todos os tertulianos anseiam para que esta problemática venha a ser desenvolvida em ulteriores investigações, seja de Leopoldo Amado ou de outros especialistas.

Primeiro, convirá distinguir a literatura publicada a “quente” ainda durante a guerra e a posteriori, daí que me parece útil clarificar o sentido de “novíssima literatura” usada pelo Leopoldo Amado.

Se é verdade que autores como Armor Pires da Mota ou Manuel Barão da Cunha escreveram durante a guerra textos ideológicos onde fazia sentido a referência à causa imperial, importa ter em conta o mais importante dos escritores desse tempo Álvaro Guerra (**) que nos seus romances e contos descreveu a guerra com outros olhos, procurando ir ao âmago da luta pela independência e dar-lhe uma interpretação. Basta ler Os Mastins e A Lebre. Álvaro Guerra foi indiscutivelmente um escritor muito apurado e com uma ideologia numa outra latitude daqueles que falavam em “turras” e “bandidos”.

Segundo, muitas das temáticas que Leopoldo Amado destaca e analisa na literatura antes do 25 de Abril vai encontrar, sem apelo nem agravo, na mais recente, escrita por combatentes que consideram que chegou a hora de pôr em cima da mesa as suas memórias, os seus relatos em detalhe ou em cinemascópio.

Há temas recorrentes como o ferido ás costas, a flagelação brutal, o camarada que nos morreu nos braços, as durezas da operação, a solidão, a emboscada sanguinolenta. Não deixa de ser altamente impressivo o quadro de sentimentos de todos os combatentes seja qual for o palco das suas lutas, em qualquer região da Guiné forçosamente os depoimentos convergem para os estados de choque, as situações delirantes, as descrições de abandono e exaustão e de profunda incerteza. Não é por acaso.

O que certamente constitui a grande diferença entre os relatos escritos na actualidade e aqueles que foram publicados durante os anos subsequentes à guerra é a distanciação. Na época era preciso contar ou para denunciar ou para exaltar: escrever era uma prática moral, não se podia esconder aos vindouros a gesta heróica ou o inferno demencial, como se estivesse a pedir uma intervenção para acabar com aquele caos. Agora, temos outro filtro do tempo, outro grau de sinceridade, outra densidade do olhar, podemos falar do nosso testemunho sem querer abrir brecha na memória dos outros, já não se procura a exemplaridade, o dado indiscutível é que vivemos e relatamos uma experiência, essa experiência é um átomo a juntar à dos outros. Um dia, o somatório possível dará ao quadro da mentalidade uma geração.

Terceiro, a vivência das tropas portuguesas e destes portugueses que escrevem como porta-vozes de múltiplos acontecimentos, carece do outro reverso da medalha: conhecer o estado de espírito dos combatentes de 1961 a 1974.

Penso que o Leopoldo Amado me dará razão, a guerra começou com Movimento de Libertação da Guiné (depois FLING), em 1961 nos ataques perpetrados no Norte (caso de S. Domingos e Susana), o PAIGC preparava-se no Sul e na região do Morés, foi uma realidade distinta, não conhecemos a literatura desses combatentes, não a podemos justapor, por ora, aos relatos dos portugueses.

Há, pois, um trabalho imenso a fazer de recuperação, de recolha de depoimentos, de um lado e de outro, é bem provável que o Leopoldo Amado esteja na primeira linha para poder investigar e prestar este relevante serviço ás nossas culturas e até mesmo ao nosso blogue.

Um abraço
Mário Beja Santos
 __________

Notas de vb:

(*) Leopoldo Amado, Doutor em História Contemporânea pela Universidade Clássica de Lisboa (Faculdade Letras): tese de doutoramento: "Guerra Colonial da Guiné 'versus' Luta de libertação Nacional (1961 – 1974)"; membro da nossa tertúlia; editor do blogue Lamparam II.

Vd. poste de 5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3272: A novíssima literatura da Guerra Colonial (Leopoldo Amado)

(**) vd. poste de 28 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1323: Bibliografia de uma guerra (15): Os Mastins e o Disfarce, de Alvaro Guerra (Beja Santos)

1 comentário:

Anónimo disse...

Sabes Mário e eu sei que sabes...para "teres" um livro a ser publicado antes do 25 a censura...ora certos termos turra ou outros, devem, se hoje queremos contextualizar, ter em conta isso. Mas não só. Temos que separar as três guerras; Angola, Guiné, Moçambique e, porque não analisar o resto do "Império"? Nós temos uma visão, o Leopoldo tem outra, deita fora o Historiador,com todo o respeito, interessa aqui o cidadão, se bem que é praticamente impossível dissociar a parte académica. É,para mim claro, nos últimos tempos dos Temas com mais interesse ( ou desde sempre)aqui "postados". Oxalá seja aprofundado e tenha o tratamento devido. Abraços Torcato