segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3398: Pensar em voz alta (Torcato Mendonça) (16): O veterano e o Macaquinho

O Veterano e o Macaquinho

Meus Caros

Estava por aqui e, de um texto antigo apaguei, acrescentei, falei com o Macaquinho e anexei. Se o fulano (macaquinho) falasse diria estar o "dono" e amigo com problemas de "cuca".

Não sabe que existem pessoas que vão, em estupidez, muito para além do egoísmo. Curiosamente chocamos com eles no nosso quotidiano e já pensamos ser a normalidade. Devia dizer antes: eu e não nós.

Aconteceu-me, escrevi e aí vai o escrito.Desabafos numa noite Outonal...



Torcato Mendonça

ex-Alf Mil da CART 2339 (1968/69)

A tarde envelhece rápida, cada vez mais rápida, à medida que este Outono avança.
Ouvi-te atentamente.
Desligaste sem acabarmos a conversa.
Talvez por isso, ia sair mas parei. Sentei-me a pensar. Fico calado, nada digo? Mas, pensando melhor, porque não o faço?

Diz, na esquerda do blog sermos uma espécie em extinção. Não vou tão longe ou não quero ir. Penso é que há muita gente a "borrifar-se" nos antigos Combatentes. Depois a geração dos nossos filhos tem outros problemas e a que se instalou, entre nós e eles, quer é tratar da sua vidinha.
Por isso resolvi alinhar umas palavras e enviar-te. Preciso fazê-lo.

Também eu envelheço, neste Outono de vida, cada vez mais curta, mais enrugada em cada dia que passa. Por isso e não só, respondo-te, pois, escrevendo.

Perguntaste-me porque nunca mais escrevi no Blogue. Não és o primeiro a fazê-lo. Posso responder-te de várias formas. Depois juntas tudo, agitas e terás, possivelmente, a resposta. Assim:
- Tive um Julho quase parado. Idem em Agosto e um Setembro igual. Claro que andei por aqui e ali. Pouco, é certo, e, muito menos que o habitual. O Outubro voou ou quase nem o senti, tal a voragem dos dias.
- Posso acrescentar que me faltou a vontade, inspiração e preferi ler a escrever. Gosto de o fazer. Música em fundo e apago-me, ou, se preferires, vou caminhando conforme o tema da leitura.
- Mas se acrescentar os montes de leituras e trabalhos atrasados, muitos ainda assim permanecem, para pena minha, já estás mais perto.
- Posso ainda acrescentar algo que me levou muito tempo e deu um imenso prazer. Porventura prazeres de jovem ou de homens com rugas de mil sóis.

Bem aí tens quase tudo. Agitas então e zás sai a resposta…Acrescenta ainda o hábito quebrado ou interrompido. Mas África, a Guiné está sempre presente.

Isto sem falar de assuntos que me transcendem. O blog não é meu e os Editores são soberanos. Ponto final.

Olha, aí por fim de Agosto e Setembro estive quase um mês, menos, sem ler o blog. Fi-lo depois ao correr da “rodinha” do rato. Estive “fora” e sem Net.Gostei de uns escritos e nem tanto de outros. Fiz dois ou três comentários em “mata insónia”. Caminhar pela noite é a normalidade. Hábitos e gostos ou a necessidade do silêncio, da solidão, do encontro connosco.

Ao ler aqueles escritos todos, verifiquei um ponto comum: a saudade, o gosto pela Guiné e pelas suas gentes. Feitiço, não de mulher, mas daquela Terra.

Depois pensei:
– Então não é preferível ler tal diversidade de opiniões e de memórias, a escrever? Ou, se for escrevendo, vou arquivando. Claro que tenho aqui uma resma para teclar, uma série de escritos que já foram. Outros terão que ser cortados aqui e acolá – género trabalho de alfaiate do antigamente – e depois ver o que deles fazer.
Acrescento ainda que os ventos não sopram de feição. Outras vidas.

Falei de comentários. Fiz alguns. Um ou dois viraram post. Não queria comentar ou intrometer-me tanto. Um, há muito tempo, era sobre um dos mais conhecidos Pilotos da FAP. Conheci-o. O Capitão Neto, nascido no ex-Congo Belga, creio eu amigo do Jean… tratava o Piloto Honório por irmão. Aliás tratavam-se por irmãos. O Cap. Neto, antes ou quando regressamos à Metrópole no Uíge, contou-me o que se passou no desastre do Cheche. Não te vou contar agora, pois disso já muito se falou. Merecia um dossier.

Cherno Rachide

Comentei vários escritos ou posts. Poucos? Muitos? Nem sei que te diga. Um, que era mail virou post também. Era sobre a hipotética duplicidade da actuação de Cherno Rachide.

Claro que, forçosamente, a sua actuação tinha que estar de acordo com as duas forças beligerantes. Era um homem africano, profundamente conhecedor do seu Povo. Outros, não africanos, não fariam jogo duplo? Só que agente duplo pressupõe uma “arregimentação”. Ora se aplicada ao Cherno talvez seja forte demais. Se aplicada a outros nada tem de anormal ou pejorativo. Não se faz nenhuma guerra sem serviços de informação capazes. Perdem-se sempre sem eles…adiante!

Um comentário, talvez mais um cumprimento, um abraço, foi sobre o tratamento que o Estado continua a dar aos antigos combatentes, ao abandono dos militares africanos que connosco trabalharam, aos que por lá ficaram sepultados e aos que, após a “libertação” foram, cobardemente, fuzilados.


O meu macaquinho

Devo comentar menos. Quando leio e, caso não me agrade ou agradando, sinta vontade de dizer algo, por vezes não posso nem devo falar para não levantar polémicas, falo com o meu Macaquinho.

Não conheces o meu macaquinho? Bem, tenho vários e variados. Um é especial e acompanha-me há muitos anos. Senta-se sobre a secretária. Baixo, talvez dez ou doze centímetros, pelo negro e macio, cara marota de tom acastanhado. Tinha um apito. Com o tempo ou, se preferires, a idade, estragou-se. Antes, se abanado apitava. Agora só se ouve o barulho do rolar do apito.

É o meu confidente. Zango-me com ele, questiono-o sobre todos os temas. Como felizmente não fala, se o fizesse que problema tínhamos, ajuda a descarregar o bom ou mau humor, os problemas que um tipo tem e por aí fora. Ora falar mais com o macaquinho é menos problemático e ele logo me “diz” os caminhos a percorrer.

Aí tens um monte, uma mão cheia de motivos para nada de préstimo escrever. Repara que, caso tenhas lido o blogue, terás tido ocasião de sentir textos de forma e conteúdo diferente. Gente nova a arejar, a fazer pensar e sentir que, posso estar enganado, mas é bola de neve – rola e engrossa no tempo. Disse isso ao Luís Graça há muito tempo. Parece-me ter razão.


Para pensar

Mas não esqueçamos os “velhos”. Um colocou cinco questões que me têm feito pensar. Já escrevi e risquei. Voltei a pensar. Difíceis as questões. Tu que criticas sempre. Tu, que para lá da crítica, tenho que to dizer, nada ou pouco fazes a não ser em teu proveito ou que te traga algo… pensa nelas, medita e diz-me. Podes ficar aborrecido por te ter chamada egoísta, no mínimo. Pára, pensa e diz-me. Eu atrevo a repetir a questões:

(i) O heroísmo do soldado Português;
(ii) A confiança que os soldados depositavam em nós, os quadros;
(iii) A nossa passagem por África, que beneficio social e económico trouxe para Portugal;
(iv) A nossa religiosidade, de então e actual, e o porquê da diferença;
(v) As nossas famílias, que amarguras passaram por cá aquando da nossa ausência.

Então? Difíceis? Pois eu meditei, escrevi, risquei, voltei a reflectir e a escrever. Falta muito para chegar onde quero.
Serás tu capaz de, depois de pensar bem nelas, ou numa ou noutra somente, escreveres a dizeres-me o que pensas?

Já me mandaste “passear”. Fazes mal. Se reflectisses e escrevesses algo, fazia-te bem.

Olha, eu “falei” com o macaquinho, em troca de conversa de louco e peluche, mas isto é assunto sério demais. Pensa e diz algo, a mim claro. Eu continuo a reflectir e a escrever. Não mostro a ninguém. Se um dia o fizesse, enviaria primeiro a uma ou duas pessoas…

Até…

Torcato Mendonça

Um alentejano que vive hoje no Fundão
__________

Notas: artigos relacionados em

2 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3394: Blogoterapia (68): Amnésia, vergonha, denegação ou ocultação dos próprios nossos mortos (Luís Graça)

1 comentário:

Anónimo disse...

A escrita fluida que vai tomando forma ao correr da pena.

É o pensar do coração, mais que o reflectir da cabeça, (embora lá esteja a reflexão), e por isso mesmo toca, emociona e envolve.

Claro que sim camarigo Torcato, que deves continuar a comentar e que os comentários passem muitas vezes a textos publicados.

E claro que sim também que era bom que fossemos escrevendo sobre esses e outros assuntos.

Tenho-o feito, mas nem sempre o coração está disponivel e eu não gosto de escrever só com a cabeça.

Então recebe lá, mais uma vez e sempre, o abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves