terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3734: Fauna & flora (8): O estudo do Papio hamadryas papio (Maria Joana Ferreira Silva)

Fig. 1: Fêmea sub-adulta encontrada presa em Bissau


Fauna & flora (8) > Os babuínos da Guiné na Guiné-Bissau (*)
por Maria Joana Ferreira Silva


Introdução

Os babuínos da Guiné (de nome científico Papio hamadryas papio, ver Fig. 1) são uma de cinco subspécies que constituem o género Papio. Este género tem sido um dos mais extensamente estudados dentro da Primatologia contemporânea, tanto em relação a características intrínsecas dos próprios babuínos (como a sua ecologia, estrutura social e sócio-ecologia, genética e filogenia), como em analogia com a evolução humana, já que ambos evoluíram durante o Pleistoceno (**) e sofrendo as mesmas pressões ecológicas (evoluíram em savana, um ambiente altamente imprevisível em termos de recursos alimentares).

O Babuíno da Guiné, no entanto, é das subespécies menos estudadas e menos compreendidas. Os mais recentes trabalhos publicados acerca de populações selvagens datam dos anos 80 (com excepção de um trabalho de 2006) e os trabalhos acerca de populações em cativeiro (como aquelas dos jardins zoológicos) apresentam inúmeras limitações metodológicas que impedem analogias com as populações selvagens.

Um dos constrangimentos dos estudos realizados com populações selvagens prende-se com o habitat (de baixa visibilidade, como todos os bloguistas puderam experimentar em situações bem mais difíceis que qualquer cientista...) e com a instável situação política dos países que constituem a sua pequena área de distribuição (ver Fig. 2).

Fig. 2: Área de distribuição dos babuínos da Guiné

Os babuínos da Guiné ocupam uma pequena área de distribuição (com apenas 250 000 Km2) na zona oeste do continente Africano, e porque se estende num eixo norte-sul, é caracterizado por uma elevada variação ambiental: o nível anual de pluviosidade varia entre os 200mm na Mauritânia até 1400mm no sul da Guiné-Conacri, e a temperatura máxima diária pode variar entre os 20ºC e os 50ºC. Ocorrem numa grande variedade de habitats e a sua dieta aparenta ser altamente variável, o que é também um indicador da elevada flexibilidade ecológica dos babuínos da Guiné.

Estudos recentes concluíram que os babuínos da Guiné possuem uma estrutura social multi-nível, em que 4 níveis podem ser distinguidos. Estes níveis fragmentam-se ou unem-se em ajustamento com determinada estação do ano e altura do dia, de forma a optimizar o número de indivíduos com as condições ecológicas encontradas. Assim, durante a procura de alimentos, ocorre a separação dos OMU (One male Unit, grupos com um macho adulto, 3 ou 4 fêmeas e respectivas crias) por forma a reduzir a competição alimentar dentro do grupo.

Em locais com um risco de predação acrescido, estas unidades reúnem-se para uma melhor defesa (e dão origem ao 2º, 3º e 4º nível de organização). Um exemplo desta união é os dormitórios (normalmente árvores de grande porte) onde se podem juntar centenas de indivíduos. As frequentes vocalizações emitidas durante o dia (os latidos que lhes deram o nome de macaco cão ouvidas pelos bloguistas) servem 2 propósitos: avisam as outras unidades fragmentadas de um qualquer perigo percepcionado e coordenam os movimentos das unidades (indicam onde está a unidade e onde se devem unir mais tarde) (***).

O meu trabalho:

Com a inovação das técnicas moleculares que aconteceu nos últimos 30 anos, é possível, neste momento, obter inúmeras informações acerca de animais selvagens sem requerer a sua observação. É possível, por exemplo, extrair quantidades razoáveis de ADN de excrementos, que depois de vários tipos de análises moleculares nos permite estimar:

i) o número de indivíduos em determinado local;

ii) distinguir entre “excrementos fêmea e macho”;

iii) estabelecer relações de parentesco entre indivíduos (quem é filho de quem, quem é primo de quem);

iv) determinar o grau de consanguinidade (que é inversamente relacionado com o estado de saúde de uma população);

v) determinar rotas de migração (quando são amostradas várias populações) ou se alguma população está isolada reprodutivamente de outra,

vi) determinar o sexo migrante;

vii) revelar os constituintes da dieta...

É costume dizer-se que o limite está na imaginação do investigador!

Estas potencialidades que são oferecidas pelos adeptos da “amostragem não-invasiva de ADN” têm, claro, um reverso: por norma, estas técnicas envolvem maior custo e maior investimento temporal, estando também mais sujeitas a maior taxa de erro. No entanto, em determinadas situações (como a que se apresenta no caso dos babuínos da Guiné) é a única forma de obtenção de informação relevante.

O meu projecto de doutoramento tem três principais objectivos:

1 – Determinar o estatuto de conservação dos babuínos da Guiné na Guiné-Bissau.

O actual estatuto de conservação dos babuínos da Guiné é de “Baixo risco, baixa preocupação” (IUCN 1994), pelo que não foram planeadas ou implementas medidas de conservação especificas. No entanto, existem indícios de que estas populações possam estar ameaçadas pela perda drástica de habitat que ocorreu nos últimos anos, pela elevada pressão de caça, pela captura de infantes como animais de estimação e ainda, pelo uso de peles ou partes de animais na medicina tradicional.

Os dados genéticos irão permitir a estimativa do número efectivo de indivíduos na Guiné-Bissau, que ao ser reduzido poderá levar a uma mudança no estatuto de conservação e à aplicação de medidas de conservação. Por outro lado, a existência de populações isoladas (e consequentemente mais consanguíneas) por causas antropogénicas (estabelecidas através dos dados genéticos) permitirão definir melhor essas medidas de conservação, criando por exemplo, corredores ecológicos entre populações isoladas.

2 – Investigação de aspectos socio-ecológicos:

Tendo em conta a sua enorme flexibilidade ecológica, gostaria ainda de testar a influência do habitat na estrutura social. Isto é, será que a fragmentação dos vários níveis se mantêm em habitats variáveis em termos de recursos alimentares ou risco de predação (por exemplo entre as florestas de Cantanhez e a savana do Boé)?
Isto será obtido com base nos dados de relações familiares entre grupos e na determinação do sex-ratio (número de machos para cada grupo de fêmeas). Por outro lado, os dados genéticos irão permitir determinar qual é o sexo migrante e como essa migração ocorre entre diferentes habitats, o que também terá implicações conservacionistas.

3 – Investigação da história demográfica passada

Esta parte do meu trabalho irá permitir responder às seguintes questões:

(i) Os babuínos da Guiné da Guiné-Bissau vieram de onde?

(ii) Há quanto tempo existem na Guiné-Bissau?

(iii) Sofreram algum evento demográfico no passado (como seja, uma diminuição drástica populacional, conhecido por bottleneck)?

(iv) Quando?

É nesta parte do trabalho que os depoimentos dos bloguistas se inserem. Imaginemos que é de opinião geral que, em Cantanhez, os babuínos existiam em grande número durante 1963-1974 e só diminuíram a partir dos anos 80 mas noutro local qualquer, a diminuição começou em 1963 ou nem existiam mas agora passaram a existir.

Todas essas pistas serão usadas para a interpretação dos dados moleculares que (espero...) terão resolução suficiente para determinar estas variações populacionais específicas. No caso de se sobreporem os dados moleculares e os depoimentos dos bloguistas, será um grande avanço científico, pois a causa mais provável da diminuição populacional terá sido determinada!

Texto e fotos: Maria João Ferreira Silva

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Fauna & flora > 13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)

(**) Vd. Wikipédia > Pleistoceno:

(...) "Na escala de tempo geológico, o Pleistoceno ou Plistocénico é a época do período Neogeno da era Cenozóica do éon Fanerozóico que está compreendida entre 1 milhão e 806 mil e 11 mil e 500 anos atrás, aproximadamente" (...)

(***) Para saber mais: vd. artigo em inglês sobre o Baboon, Wikipedia

1 comentário:

Anónimo disse...

Bonito exemplar. Lastimo a corrente.
No Leste haviam muitos - zona entre os rios Geba e Corubal-
Bom trabalho TM