domingo, 18 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3756: RTP1, As Duas Faces da Guerra (2): A Guiné sempre e a Diana Andringa às vezes... (Rui A. Ferreira)


Cartaz do filme

1. Mensagem do Rui Alexandrino Ferreira:


Assunto - A Guiné sempre e Diana Andringa às vezes


Meu caro Luís:

Tal como me recomendaste, ouvi com atenção a mensagem que a jornalista nos quis transmitir no programa televisivo que a nossa TV pública passou em hora nobre (*). O PAIGC é que eram os bons e nós tropas Portuguesas os maus.

É uma opinião a que logicamente tem todo o direito. Não será muito abonatória para o soldado português, englobando nessa designação todos quanto no cumprimento do Serviço Militar Obrigatório passaram pelas fileiras do Exército na Guiné e não só.

Gerações que durante treze arrastados e sofridos anos de guerra que extenuou, sacrificou, estropiou, mutilou a juventude de Portugal. Tudo aguentaram para dar ao poder político tempo mais que suficiente para lhe arranjar uma solução e que acabou por nunca acontecer.

Que tendo suportado contrariedades sem conta desde o desprestígio acelarado que as Forças Armadas vinham sofrendo, o descrédito em que foram caindo os mais altos escalões da hierarquia, a erosão a que a rotina da guerra conduziu, a desmotivação do Quadro Permanente, a mobilização praticamente total do contingente anual possível com a evidente perca da qualidade humna, a queda acentuada dos níveis de instrução, a justiça e falta de ideal da própria guerra acabaram por erigir mais uma epopeia de Portugal em África.

Numa África inóspita e desconhecida para a maioria, traiçoeira e perigosa onde se multiplicavam adversidades que iam da falta de água potável à má alimentação, das doenças tropicais endémicas às sexualmente transmissíveis, dos excessos do clima à precaridade ou inexistência de instalações, da ausência de material de guerra e logístico moderno, aligeirado ou de fácil manuseamento, o que contrastava com a rápida evolução e modernização do material usado pela guerrilha e que se acabou por chegar a uma situação que reporto única nos tempos e no mundo de um Exeréito Regular se encontrar em inferioridade técnica de meios.

Quer se viram confrontados com uma guerra onde o antagonista moralisado, matreiro, adaptado ao terreno, valorisado por anos sucessivos de luta, explorando as nossas fraquezas e melhorando os procedimentos a que pramaticamente só tinham para opor a abnegação, a capacidade de sofimento, a camaradagem, o espírito de sacrifício, um inacreditável poder de adaptação, um providencial sentido de desenrascanso, um extremo desembaraço, demonstraram uma imensa grandesa de alma.

Que se viram defraudadas nos seus sacrificios, vãos os seus esforços, inúteis as suas canseiras e inglórias tantas mortes.

Que se vejam esquecidos pelos seus próprios, muito mais preocupados em bajular o inimigo de então do que a reconhecer as dificuldades da sua acção. Que ve tentar amenizar, fazer esquecer ou nem disso falar do genocídio das tropas africanas que conosco e por nós combateram, que comprometemos com o slogan dum Porftugal do Minho a Timor e que desarmámos com promessas de integração num futuro Exército da Guiné com acordos com o PAIGC que sabíamos muito bem que não iam cumprir.

Genocidio que se pretende justificar com a pretensa violência com que essas tropas africanas actuavam. Que sorrateira e deliberadamente se esquece que se durante a guerra ambos estavam armados depois disso só uns tinham as armas. E como é diferente a situação. Ambos armados: matar ou morrer ou simplesmente morrer para os desarmados.

Não me parece, pois, que tenha sido uma justa abordagem do que sa passou, não me parece isenta, nem a homenagem que mereciam os soldados de Portugal que na Guiné deram tudo até a própria vida por aquilo que então se acreditava ser a defesa da Pátria.

A minha sincera homenagem ao meu herói - o soldado de Portugal. Que ninguém tenha vergonha nem de o ter sido nem do muito que fizemos pelo povo da Guiné.

Um grande abraço do
Rui Alexandrino Ferreira



__________________

Notas de L.G.:

(*) As Duas Faces da Guerra, filme-documentário, transmitido na RTP1, em duas partes, nos dias 14 e 15 de Janeiro de 2009, às 21.30h.

Ficha técnica:

Argumento e Realização: Diana Andringa e Flora Gomes; Imagem: João Ribeiro: Som Armanda Carvalho Montagem Bruno Cabral Produtor Luís Correia Produção Lx Filmes

Portugal, 2007, 105’, P/B e Cor, Betacam Digital, som 2.0, formato 4:3, Português e Crioulo

© Lx Filmes 2007
(P) Midas Filmes 2007

Filme estreado no DocLisboa2007, Lisboa, Culturgest, 19 de Outubro de 2007

Sinopse:

"Luta de libertação para uns, guerra de África para outros: o conflito que, entre 1963 e 1974, opôs o PAIGC às tropas portuguesas é visto, desde logo, de perspectivas diferentes por guineenses e portugueses. Mas não são essas as únicas “duas faces” desta guerra: mais curioso é que, para lá do conflito, houve sempre cumplicidade: 'Não fazemos a guerra contra o povo português, mas contra o colonialismo', disse Amílcar Cabral, e a verdade é que muitos portugueses estavam do lado do PAIGC.

"Não por acaso, foi na Guiné que cresceu o Movimento dos Capitães que levaria ao 25 de Abril. De novo duas faces: a guerra termina com uma dupla vitória, a independência da Guiné, a democracia para Portugal. É esta 'aventura a dois' que é contada pelas vozes dos que a viveram".


Participantes:

Chico Bá, Paulo de Jesus, Filinto de Barros, Agnelo Lourenço Fernandes, Sulei Baldé, Carlos Sambú, Amílcar Domingues , António Iria Revez, Teresa Barbosa , António Lobato, Manecas Santos, Osvaldo Lopes da Silva, João Marques Dinis, Vasco Lourenço, Pedro Pires, Ansumane Sambú, António Marques Lopes, Lassana Njai, Alfredo Santi, Mário Pádua, Manuel Boal , Maria da Luz (Lilica) Boal, Fernando Baginha, Amélia Araújo, Leonel Martins, Pedro Gomes, José Mendes Sentieiro, Mbana Cabra, Manuel Monge, Agnelo Dantas, Dalme Embundé, Féfé Gomes Cofre, Assana Silá, Alexandre Coutinho e Lima, Mamadi Danso, Assana Silá, Dauda Cassamá, Aladje Salifo Camará, Isabel Coutinho e Lima Manuel Batoréo.

7 comentários:

Unknown disse...

Caros amigos
Uma das coisas que me irritam nos filmes, reportagens ou outras coisas que passam nas nossas tvs sobre os cenários da "nossa" passada guerra ou o que lhes queiram chamar, é exactamente a falta ou ausencia dos protagonistas. Passamos por África mais de um milhão e quantos são ouvidos nessas filmagens ? Onde estão os "artistas" que sofreram na pele e na alma os dois anos e mais que por lá andamos ? Que estórias são ouvidas ? Do Paigc e das suas lutas e assassínios, que ainda se mantêm, já todos sabemos. E de nós, quem sabe ou quer saber como fomos ou como estamos ?
Ainda há dias na Tabanca de Matosinhos discutiamos isso. E há quem escreva livros sobre a guerra, inventando factos e estórias, sem ter vivido um dia de mato. Estou com o Rui.
Um abraço para todos

Luígi disse...

Não sei se o facto de ter combatido por obrigação nos dá suporte legitimo para ver no filme esta "traição" que o Rui Ferreira, (certamente com uma longa lista de acompanhantes) denuncia.
Eu acho que cada um de nós o verá de maneira diferente, tal é o leque de de sentimentos que nos assalta, quando vemos aquelas imagens. Contudo, em todos estará presente uma tremenda frustração, pela inutilidade do sacrificio, pela nulidade da perda, pela constatação para mim desde sempre presente de que o intruso era eu.
Mas aceito a visão patriótica do autor.
Um abraço a todos.
Luis de Sousa

Anónimo disse...

Já em tempos escrevi sobre o assunto!O meu desagrado (e de mais alguns que lá estiveram), começou aquando da ante-estreia na CGD, para que fomos convidados a assistir.Escrevi algo posteriormente sobre o assunto (inclusivé sobre a "isenção" da Diana Andringa), que nos convidava a desertar -revista Visão-e a conotava com um partido político.
Concordo portanto com a análise de que somos todos maus...os outros bons,e de que muito se escreve e continua a escrever inventado.
Quanto aos intervenientes do filme, deixo à imaginação de cada um, e julgamento, pelas escolhas "criteriosas".
Termino que, dentro do espírito do desertor, a que nos convidava, está preenchido-há lá vários!
Estou com o Rui também.
Estamos muitos da ADFA com o Rui.

Anónimo disse...

Na Guiné, passei como militar e sofri na carne o que todos os bravos militares Portugueses sofreram.Fomos os maus?...
Em Angola, ainda criança, sofri os horrores da UPA.Fomos nos, os maus?..
Estou com o Rui e com todos aqueles que não desertaram e foram ajudar a defender os outros camaradas que necessitavam de protecção.
Um abraço.
JORGE FONTINHA.

Anónimo disse...

Meu caro Rui
Sabendo-se quem são os autores do documentário, de que é que estavas à espera?
Grande abraço Henrique Matos

Anónimo disse...

Henrique Matos:
Tens toda a minha compreeensão e amizade!
Conseguiste resumir em 2 linhas aquilo que eu não consegui em páginas (naõ publicadas).
Aquele abraço
Luis Nabais

Anónimo disse...

Caro Rui,

Recordas-te do nosso amigo Cor. Piçarra Mourão,da 1525 em Bissorã, e das palavras no seu livro "Guiné Sempre" em referência aos que de lá combateram a nosso lado?
Pois é! Falta essa parte.
E essa terceira face, está amordaçada, em valas comuns, ou como o Gibi Baldé com as mãos cortadas. Por esse motivo não podem aparecer.
Mas ainda falta ver o filme muitas vezes.

Estou contigo amigo (Soldado Português)!

Do tamanho do Cumbijã o velho abraço.

Mário Fitas