terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3808: Estórias cabralianas (44): O amoroso bando das quatro não deixou só saudades... (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral:

Caros Amigos, hesitei muito em mandar mais uma estória. Ainda por cima sobre esquentamentos... Mas que raio de ex-combatente sou eu, que não falo da guerra? Pergunto-me, às vezes, se lá estive? Parece que sim. Um ano em Fá, outro em Missirá (acreditem, o mesmo do Beja Santos...), doze dias em Bambadinca, e dezoito na Ponte do Rio Undunduma. Conheci muito pouco e sempre de passagem. Enxalé, Xime, Mansambo e Xitole, de partida para operações. De Bafatá, o Teófilo e as Libanesas, mais umas damas simpáticas que trabalhavam na horizontal... à entrada da cidade. Não transitei por Bolama. Nem tive I.A.O. De rendição individual passei em quinze dias dos cafés da Av. de Roma para a Ponte do Rio Undunduma...

Confesso que nunca percebi muito da guerra... Fui apenas um simples Alferes de Mato, que comandou Destacamentos e alinhou em todas as operações para as quais o Pel Caç Nat 63 foi escalado. Mas se não percebi então, hoje ainda percebo menos... Estou porém agora a tentar aprender no Blogue!

Abraço Grande. Jorge Cabral


2. Estórias cabralianas (44) > As Trombas do Lopes
por Jorge Cabral


O Amoroso Bando das Quatro deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse.

Só então o Alfero ficou preocupado. Ora se nos mandam agora numa operação!
Que vergonha! Avançaremos de pernas abertas como se fossemos da Cavalaria no tempo dos cavalos?

Mas como é que a moléstia teria chegado aos Africanos? Mesmo sem poder contar com o investigador Nanque que continuava preso em Bambadinca, o Alfero acabou por descobrir. Reconstituída a noite do Amor, constatou que as damas se tinham ausentado durante meia hora para comer. Fora, então.

E quem? Óbvio suspeito, Preto Turbado, soldado Bijagó, de quem se dizia, que às vezes aliviava os maridos fulas do débito conjugal. Chamado, confessou. Naquela noite oferecera às visitantes a bianda, e à sobremesa... acontecera. Depois contagiara algumas das mulheres dos militares, as quais por sua vez, contaminaram os fidelíssimos maridos...

O assunto era grave. Que fazer perante aquela verdadeira pandemia? Como tratar as mulheres e ao mesmo tempo dissipar as dúvidas sobre o seu comportamento sexual?
Naquele tempo e para aquele Alfero, tudo era possível. Resolveu reunir todos os africanos, soldados, milícias e respectivas mulheres, proibindo os brancos de assistirem, com uma única excepção – o enfermeiro Alpiarça.

E a todos, pregou o mais absurdo discurso da sua vida. Ainda hoje se lembra dos olhos esbugalhados do Alpiarça... Falou de gonococos trazidos pelo vento, das infecções do útero e das trompas de Falópio... Tratamento imediato, frisou, e nada de mezinhas. Claro que perceberam muito pouco, mas ficou com a certeza que no futuro se protegeriam do vento Blenorrágico...

Na semana seguinte, encontrava-se no bar de oficiais em Bambadinca. Conversava e bebia o seu quarto uísque, quando o foram chamar para ir ao Posto de Socorros. Lá foi. Médico, Furriel e Cabo rodeavam um casal de Missirá, o Milícia Suma Jau e a mulher. Não os percebiam. Eles queixavam-se das... “Trombas do Lopes”.

O Alfero ouviu e muito sério informou:
- É fula, quer dizer, esquentamento.

Parece que o Furriel apontou no seu caderno de sinónimos...

Jorge Cabral

__________

Notas de vb:

1. Jorge Cabral foi, como Alferes Mil., comandante do Pel Caç Nat 63 em Fá Mandinga e Missirá, Bambadinca, entre 1969/71. É actualmente especialista em direito criminal.

2. Último artigo da série em

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3572: Estórias cabralianas (43): O super-periquito e as vacas sagradas (Jorge Cabral)


Vd. também o poste de 24 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1696: Estórias cabralianas (21): O Amoroso Bando das Quatro em Missirá (Jorge Cabral)

Nos Destacamentos em que vivi, todos eram bem recebidos, à boa maneira da gente da Guiné, cuja cativante hospitalidade foi muitas vezes confundida com subserviência ou portuguesismo. Djilas, batoteiros profissionais, artesãos, doentes, feiticeiros, alcoviteiros, parentes dos soldados, visitavam o aquartelamento e às vezes ali permaneciam, fazendo negócios, combinando casamentos, tratando-se ou tratando, ou simplesmente descansando. Desconfio mesmo que alguns guerrilheiros terão passado férias em Missirá (...)

12 comentários:

Anónimo disse...

Eh! Eh! Eh! Eh! (sigifica uma boa gargalhada).
E fiquei a imaginar as "Trombas do Alpiarça".
Um abraço do
Alberto Branquinho

Luís Graça disse...

Jorge, grande Cabral... Só tu me fazes rir em plena crise que a gente não sabe onde vai parar... Estou a rir há meia hora, o que é uma coisa altamente salutogénica!... Sozinho!

Em contrapartida, corro de risco de, cá em casa, acharem que estou apanhado de todo, definitivamente apanhado, chamarem o 112, vestirem-me o colete de forças e despejarem-me no Júlio de Matos...

As Trompas de Falópio! As Trombas do Lopes!... Que trocadilho, que achado... Genial, simplesmente genial... Só tu, Cabral, o único que eu conheci na Guiné...O outro nunca o vi... nem sei se existiu.

Luís

Anónimo disse...

Caro Jorge
Mais uma de "enciclopédia"...valha-nos isto!
Já deves estar perto das 50?
Abraço grande
Henrique Matos

Anónimo disse...

Grande Jorge Cabral, deliciosa a tua estória!
No meio de tanta desgraça, temos de saber sorrir, rir e gargalhar.
Obrigado, Jorge! Tens de publicar o teu excelente mundo guinéo-cabriliano em livro.
Agradecemos todos e vamos sorrir,rir e gargalhar. Bem precisamos!
Um forte abraço do
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Por estas e por outras é que eu te perguntava no último comentário quando passarias pelas bandas de Leiria, para ver se me ria um bocado e punha a conversa em dia.

Ó Jorge essa não lembrava ao Camões, (coitado do homem que não tinha nada a ver com isto).

Olha estava aqui preocupado com coisas cá da vida e laguei-me a rir e "desanoviou-me" o espírito, por isso mesmo obrigado.

Claro que se houvesse chão em mosaico nos duches poderia ter sido de porem os pés quentes no chão frio, que como sabes provocava muitas dessas doenças antigamente!!!!

Abraço forte, saudoso de te ouvir e camarigo, claro

Anónimo disse...

Excelente, oportuno, este arranjo final (foto e legenda)da autoria do LG no artº por mim publicado das histórias Cabralianas. Esta é também uma capacidade que o LG tem e que, confesso, me falta na chamada pós-produção (não sei se é assim que se diz).
O Jorge surpeeende-nos em cada história. A forma como as descreve é igual aos que os meus olhos viram. É tempo de vermos estas Cabralianas publicadas. A Guerra vista por Jorge Cabral.
vb

Anónimo disse...

Um fulano passa um dia de estoira cavalos...pára...olha para os jornais, olha para a tv e...deixa...chateado, abre o computas e vai ao mail...fecha e abre o Blogue LG & Camaradas vê o Cabral, sorri e vai lendo, vai lendo e a ficar "embuchado"...e, de repente leva com "As Trombas do Lopes". Renasce...pára...está como novo. Como é possível???
Obrigado Amigo eum Abraço do Torcato

Anónimo disse...

Não li os comentários. Fi-lo agora. Não sabia que o Lopes tinha trombas assim. Como é possível tratar "aquilo" assim? Sublime!

Abraços a todos Torcato

Anónimo disse...

Claro que o abraço camarigo mais acima é meu, que me esqueci de assinar.

Coisas da idade....

Joaquim Mexia Alves

Luís Graça disse...

Se a gente ainda acha piada ao Cabral (ao Jorge...), se a gente ainda consegue dar um gargalhada na caserna por causa do Cabral (do Jorge, claro), então é bom sinal... Era como, ao acordarmos na Guiné, darmos conta de que o dedo grande do pé ainda mexia...

Pois, é, amigos e camaradas, isso quer dizer que ainda estamos vivos, que estamos vivos para... as curvas (mesmo que estas já não sejam propriamente as das matas, lalas, bolanhas, rios, picadas... e bajudas da Guiné).

L.G.

Anónimo disse...

Mais uma estória brilhante do Jorge Cabral, que esteve em Fá, Bambadinca, Missirá, Mansambo e outros lugares, por onde eu também
passei. Inaugurei o "DESTACAMENTO" da ponte do rio Udunduma e algumas vezes passei por Missirá (antes do Beja Santos).

É um orgulho pertencer a esta tertúlia.

Mas estórias são estórias e eu não as sei contar.

Exige-se uma publicação com conferência de imprensa das "Estórias Cabralianas".

Força companheiro e camaradas. Vamos levar o Jorge em ombros até lá.

Maravilhoso.

Um ABRAÇO ao Jorge Cabral.
CMarquesSantos
Fá Mandinga e Mansambo (68-69)

Anónimo disse...

Porra Amigos, Tanto Elogio!...

Até parece que já morri... Estou vivíssimo e para todas as curvas(às vezes em piloto automático...)
Prometo continuar...

Abrações Fraternos

Jorge Cabral