sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3915: Cancioneiro do Cantanhez (1): De Cafal Balanta a Cafine, Cobumba, Chugué, Dugal, Fatim... (Manuel Maia)





Guiné > Região de Tombali > Cafal Balanta > 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610 (1972/74)> O Manuel Maia no seu hotel de muitas estrelas...

Fotos: © Manuel Maia (2009). Direitos reservados

Texto enviado por Manuel Maia, ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine (1972/74)


2ª PARTE DA HISTÓRIA DA 2ªCCAÇ BCAÇ 4610/72, EM SEXTILHAS (*)
por Manuel Maia (**)


34
O grupo, sem alferes, foi comandado
por Maia, o mais antigo graduado,
na zona onde actuavam fuzileiros.
Com Zé Maria,Moura e os rapazes
mostrámos ser também assaz capazes,
ao nível dos melhores entre os primeiros...


35
Um dia, Paiva, furriel Cafal,
tentado p´lo viçoso laranjal
avança resoluto p´ros citrinos...
Com dois soldados, sacos carregados,
a tiro logo ali são atacados,
salvando-lhes os fuzas seus destinos...

36
Corria a madrugada e um fogachal,
estremecendo arame de Cafal,
semeia o medo e o caos de repente.
Passado instante a malta então reage,
põe cobro ao grande arrojo, vil ultraje,
e expulsa do sector a turra gente...


37
P´ra registar estudos fluviais,
Marinha requereu que junto ao cais
Terríveis protegessem seu pessoal.
De noite,ao serviço da secção,
Barbosa levou tiro de raspão,
por ter cigarro aceso em breu total...


38
Cafine era o local, que foi criado,
por este grupo, mais sacrificado,
para alojar orquestra(i) p´ra chegar.
Começa ali a saga tabancal
com chapa/zinco, adobe tinto a cal,
reordenando as gentes do lugar...


(i) pessoal que não ia ao mato


39
Já fartos de gazela estilhaçada,
trouxemos p´ro quartel uma manada,
de vacas inimigas para abate.
Tão logo, via rádio uma mensagem,
obriga a soltar gado na pastagem
p´ra lá da tal bolanha, onde há combate...


40
Psícola foi termo conhecido
p´ra referir acções em que o sentido
visava dar aos afros importância...
Não raro, exageros se cometem
que as posições da tropa comprometem
esvaziando à ideia, a relevância...


41
Reconheceu Bissau o empenhamento
na luta feita guerra e sofrimento,
daí o prémio DUGAL, merecido.
Com grupo no CHUGUÉ, outro em FATIM,
´speramos comissão chegar ao fim,
felizes por saber dever cumprido...


42
Depois de nove meses/sacrifício,
vivendo ou vegetando(?) em tal suplício,
na terra onde a fartura era de balas.
As casas chapa/zinco construídas
p´ras gentes das aldeias destruídas,
seriam a razão p´ra fazer malas...


43
P´ra trás ficava tudo que era horrendo,
buraco, casa/campa, algo tremendo,
da sub-humana vida experimentada.
CAFAL, a sensação mais dolorosa
jogados para zona mais perigosa,
na frente da bolanha atribulada...


44
Saídos do inferno de CAFAL,
rumamos,p´ra CAFINE,em zona igual,
dois grupos p´ra COBUMBA, uma outra frente.
Chegados a FATIM vimos o céu,
que o CHUGUÉ, certamente também deu,
e o DUGAL emprestou, seguramente...


45
Na hora de partir, já eminente,
desgraça surgiria,em acidente,
p´ra todos nós da forma mais brutal...
buscando últimas prendas na cidade,
partiram, moderada velocidade,
uns quantos furriéis,para seu mal...


46
Foi junto a NHACRA, rádio emissora,
soltou-se o banco em tão maldita hora,
no asfalto AFONSO e LIMA caem sós.
Enquanto o transmontano se finou,
co´a morte açoreano ´inda lutou,
p´ra se apagar dois dias logo após...


47
Roubados de entre nós pela má sina,
de forma tão marcante,e repentina,
lembrá-los deixa os olhos rasos de água.
Um ar sereno e calmo AFONSO tinha,
enorme coração LIMA detinha,
tristeza, choros, raiva, a nossa mágoa...


48
Nem tudo correu bem, infelizmente,
morrendo quatro tão precocemente,
bem novos para estarem de partida.
A crise de asma um deles sucumbia,
enquanto alcoolizado outro fugia,
desastre aos outros dois roubou a vida...


49
Varreram-se, já, nomes da memória
p´ra deles ter registo nesta história
que foi a nossa, grada mas sofrida...
assim, requeiro a todos o favor
de fornecerem dados com rigor
lembrando uma ocorrência, bem vivida...


50
Foi PRATA a comandar grupo primeiro,
LINDORO no segundo a timoneiro,
ALMEIDA do seguinte a tomar norte.
No quarto é de OLIVEIRA a condução,
justiça leva ALMEIDA e chega então,
um pira p´ra africana,antes do FORTE...


51
BARRADAS, GINJA, são profissionais,
milicianos todos os demais
sargentos desta nossa companhia...
CASEIRO, VIOLANTE, AFONSO, ANTUNES,
dos p´rigos lá do mato estão imunes,
à banda dão fulgor, categoria...


52
CORTEZ ruma a Bissau, cunha é TRANSPORTE,
NAVEGA tem na escuta a mesma sorte,
na urbe encontra ALMEIDA o paradeiro.
Um curso de tabanca p´ro FRAGOSA,
a paz da secretária MARTINS goza,
dos negros,professor,foi o CORDEIRO.


53
RIBEIRO,pira calmo e recatado,
TEIXEIRA, um brincalhão endiabrado,
de paciência feito o ZÉ MARIA.
São LIMA e MOURA dois homens de mato,
tal como o BRITO, embora mais novato,
no MAIA, a irreverência contagia...


[Oitava decassilábica]

Olhando a vida à volta do passado,
imposição/catarse necessária,
revejo,a breve instante emocionado,
AFONSO (ii), mente sã e libertária
da guerra interventor mas desfasado...
ao lado em postura solidária,
ANTUNES enfermeiro brincalhão,
e LIMA (iii), um enorme coração.


(ii) Afonso, furriel miliciano de transmissões morto em acidente na semana da partida.

(iii) Lima, furriel miliciano de Op Esp, morto em acidente na semana da partida.

Antunes, furriel miliciano enfermeiro, morto em acidente pouco depois da chegada


_________

Notas de L.G.

(*) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3886: Tabanca Grande (118): Manuel Maia, ex-Fur Mil, o poeta épico da 2ª Companhia do BCAÇ 4610/72 , o Camões do Cantanhez

(**) 14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3890: Tabanca Grande (119): Apresentação de Manuel Maia ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610 (Guiné, 1972/74)

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