segunda-feira, 2 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3965: Nuvens negras sobre Bissau (7): Ao combatente Nino Veira, um poema de Joaquim Mexia Alves

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp, CART 3942 (Xitole), Pel Caç Nat 52 (Mato Cão / Rio Udunduma) e CCAÇ 15 (Mansoa):

Meus caros Luís, Virginio e Carlos e todos os Atabancados, meus camarigos:

Envio texto que num repente escrevi quando vi hoje as noticias sobre a Guiné.

Fazei dele o que quiseres.

Abraço camarigo, mas triste, muito triste do
Joaquim Mexia Alves


Leio as notícias desta manhã sobre a Guiné e fico profundamente triste. Aquele povo, generoso, acolhedor, alegre, não merecia nada do que se tem passado desde a sua “independência”.

E sinto-me também revoltado e ao mesmo tempo em parte responsável, porque sou português.

Responsável, porque quando foi o tempo talvez mais certo, o meu país não foi capaz de entender os ventos da história e ter proporcionado uma independência bem fundada e pacífica.

Responsável, porque quando a política do meu país se alterou, também não fomos capazes de controlar e liderar uma transição para a independência, segura e no interesse daquele povo.

Custa muito, a serem verdade as notícias, ver um comandante da liberdade, um homem que lutou pela independência do seu povo, acabar assim, desta forma trágica e sem glória.

Nino Vieira pode ter cometido diversos erros, talvez até alguns bem graves em relação à confiança que o povo da Guiné nele depositava, mas nunca poderá deixar de ser lembrado como o maior comandante que o PAIGC na sua luta pela independência teve nas suas fileiras.

Confesso que não sei quem era o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, assassinado também num ataque, e não sei se foi alguma vez combatente nas matas da Guiné, mas sei que nunca a situação política de um país se resolverá pelos assassinatos dos seus intervenientes, pois a violência gera sempre mais violência.

No segundo parágrafo coloco a palavra independência entre aspas, porque me pergunto sinceramente se aquele povo é independente, se aquele povo tem a liberdade para escolher o destino do seu país, se aquele povo não chora amargamente a ilusão de uma independência que nunca o foi até agora.

Não quero dizer com isto que não devia ter sido dada a independência à Guiné, pois aquele povo tinha todo o direito de decidir o seu destino, mas quero dizer que a independência sem paz, sem uma direcção segura e estável, representa apenas uma miragem que em nada serve o próprio povo.

E uma independência de fome, de doença, de crime, de corrupção, de total instabilidade, não é uma independência verdadeira.

É mais que tempo de Portugal assumir as suas responsabilidades e ajudar verdadeiramente o povo da Guiné a encontrar o seu rumo, o seu destino.

Pela minha parte colaborarei naquilo que me for possível fazer, e sei que todos, ou pelo menos a maioria esmagadora dos meus camarigos, o farão também.

Um abraço forte e camarigo a todos, sobretudo aos guineenses meus irmãos
Joaquim Mexia Alves
__________

A Nino Vieira
 

Quedo-me assim,
Mudo de espanto!
Aquele que tanto procurámos,
Porque nosso inimigo,
Para o eliminar,
Morre agora,
Ingloriamente
Às mãos daqueles
Que ele mesmo quis libertar.
Se tem culpas,
No que lhe aconteceu,
Não sei,
Não me compete a mim julgar.
Tê-las-á com certeza,
Mas não foi só por causa dos seus erros
Que ele acabou por morrer.
A luta pelo poder,
Ou mais verdadeiramente,
A luta pelo ter,
Pelo ter a qualquer custo,
Por cima de todos os outros
Tem agora mais uma vitima,
Que tendo lutado pelo ser
Se deixou corromper pelo ter.
Deixo aos ventos da história,
O julgamento deste homem,
À frente da Nação,
Que lhe foi dado governar.
Porque neste momento,
De triste espanto real,
Quero tão só recordar
A estatura do combatente,
Do homem que quis lutar
Para cumprir um ideal.


2 de Março de 2006
Joaquim Mexia Alves

10 comentários:

Anónimo disse...

Camarada Mexia Alves
Igualmente comungando da tristeza que todos sentimos pelos sofrimentos do pobre Povo Guineense,vou assistindo com mágua aos continuos ajustes de contas entre as figuras de topo, que assim vão contribuindo para o falhanço daquele Estado.
Felicito-te pela tua magnifica expressão com que transmites em palavras o teu sentir por toda esta situação.
Acompanho-te.
Jorge Picado

António Matos disse...

Vim-me habituando ao longo de alguns ( poucos ) meses de "atambacado" a respeitar as opiniões de todos aqueles que por aqui passam e se manifestam.
Não que concorde, obviamente, com todas essas opiniões e disso fi-lo sentir em comentários vários.
Os nossos despojos memoriais daqueles tempos foram vividos com as sensibilidades de cada um o que justifica por si só, as diferenças com que vemos a realidade.
A realidade guineense actual, se bem que não me inflija qualquer sentimento de culpa ou responsabilidade, não me passa insensivelmente ao lado tal como todas as outras realidades bestiais que pululam por esse mundo fora e dessas, as africanas
teimam em ser manchete consistente.
Os países são o resultado dos seus Homens, principalmente os protagonistas das diásporas ou das guerras de libertação, dos Ilustres e dos seus Sábios; dos estrategas, militares e culturais,e dos leaders que consubstanciaram esses desígnios.
Em nenhum destes adjectivos consigo encaixar a figura do Nino Vieira, francamente.
Fisicamente atlético, afigurou-se-me como homem temível quando nas matas de Ponta Matar por mim passou ladeado por uma centena de homens armados até aos dentes ostentando uma T-Shirt branca com o nome "NINO".
Extra essa aparição, nunca mais o vi até à altura em que, de combatente, passa a presidente.
A partir daí foi um regabofe de violências !
Deve-se a ele toda essa instabilidade ?
Não me compete fazer esse tipo de juízos mas que só me admirou o tempo que conseguiu sobreviver, isso é verdade !
Respeitando o encantamento que esta figura provocou a alguns ex-inimigos, não concordo que agora, por via de bons sentimentos dos mesmos, se corra o risco de branquear aquilo que até agora era dito por todos mas que, porque morreu, afinal era um gajo porreiro !
Lembrando-me dum depoimento exibido ontem na TV por um militar guineense que tinha sido capturado pelas forças do Nino e que tinha sido torturado com choques eléctricos nos testículos ( tradução do vocábulo pronunciado "colhões" )não evitei que me viessem à memória outras acções semelhantes perpetradas pela PIDE ou outros e temi que qualquer dia alguém se lembre de elogiar estes carrascos que, afinal, só estavam a lutar pela "segurança" e "estabilidade" do seu país !
Já houve quem negasse o holocausto !
Ora bolas !
Desgraçados povos que, quanto mais materialmente miseráveis, mais sujeitos estão ao despudor e livre arbítrio dos seus governantes.
Desgraçado povo que empobrece na razão directa do enriquecimento das suas "elites".
Desgraçado povo que tem como "elites" homens corruptos, luzidios, e que não conseguem interpretar o testemunho que lhes puseram nas mãos.
Faço sinceros votos que esta situação de alvoroço possa ser controlada sem mais derrame de sangue e daqui segue um abraço ao conjunto de camaradas que, em missão humanitária, por lá andam a espalhar a solidariedade portuguesa.
Bem hajam !
António Matos

Anónimo disse...

Caro António Matos

Obrigado pelo teu comentário.

Não me passa pela cabeça "branquear" as acções de Nino Vieira como "politico", ou melhor, "homem do poder".

Se reparares digo isso mesmo naquilo que escrevi, e afirmo como tu que não me compete a mim julgar.

No entanto não posso deixar de exprimir o meu espanto, por um homem que tendo passado uma grande parte da sua vida a lutar pelo seu povo, acabou por ser morto pelos seus, certamente porque não os soube liderar num caminho de justiça e desenvolvimento.

Faço uma homenagem ao combatente, não ao "politico".

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves

António Matos disse...

Caro Joaquim Mexia,
Lamentavelmente, o meu comentário ao teu, eclipsou-se mas vou tentar repeti-lo.
Mais não foi a minha ideia do que dar uma pedrada no charco e esperar que alguma das ondas batesse forte de encontro àqueles que pudessem estar mais desatentos ...
Quero, ou melhor, exijo, que continues com as tuas reflexões superiormente acompanhadas dos textos de subtil acüidade e frontalidade com que nos habituaste !
Só uma observação : a mim não me espanta nada que o Nino fosse abatido por aqueles com quem lutou na mata.
Como bem dizes, era apenas um homem do poder ....
Só que havia outros poderes ....
António

Anónimo disse...

Meu caro António Matos

Obrigado pela tua resposta e pelas tuas palavras.

Utilizei o termo espanto, não por estar espantado, admirado, porque tal como tu, não me admirou o desfecho, mas digamos assim, como forma "poética", como maneira de demonstrar que é triste constatar que um homem que lutou pela independência do seu povo, acabou por morrer pelas mãos dos seus companheiros, porque não soube ou/e não quis conduzir o seu povo nos ideais porque lutou.

Abraço forte, camarigo do
Joaquim Mexia Alves

Anónimo disse...

Camarigo Joaquim,

Dá-me a honra de subscrever tanto as tuas palavras como o teu poema.
A condição humana é imprevisível!
Sou dos que nos primeiros anos, se envolveram na guerrilha onde ele com 25 anos era um grande Comandante.
Respeito o adversário Comandante Guerrilheiro.
Também tive informações da sua dureza no Cantanhez. Mas... a tua análise está correcta.
Pasmo! E fico paralizado como ninguém entendeu Amilcar Cabral.
É difícil!
Estou a ler: "História das Colónias Portuguesas" por Rocha Martins da Academia das Ciencias de Lisboa 1933.
Não foi um sonho, eu estive lá e procurei compreender alguma coisa!
Mas lendo o teu escrito, vê-se a verdade nua e crua de muitos erros.
Por isso a referida condição humana.
Acabei de falar com uma Guineense nascida em Cufar, dois anos antes de eu lá chegar. Está triste! E desabafou:
A minha mãe queria regressar porque ama a nossa terra. Mas regressar como...e para quê!?
Tens razão camarigo!
Independentemente de tudo...hoje estou triste por aquela Terra.

Do tamanho do Cumbijã e solidário com os nossos irmãos guineenses o abraço de sempre,

Mário Fitas

Luís Graça disse...

Mensagem enviada por mail aos editores, em 5 de Março de 2009:

Luís,Briote,Vinhal

Só há pouco vi um comentário escrito pelo António Matos no P3965 do Mexia Alves. Tentei meter um comentário, não o tendo conseguido,segui as regras,mas falhou.

Mando esta msg com a qual fareis o que vos aprouver.

O António Matos,no comentário em causa,diz a determinada altura que viu uma reportagem na TV,onde aparece um militar guineense, capturado pelos homens do Nino, contando como foi torturado, tortura essa que consistiu em choques eléctricos nos testículos (colhões).

Também vi a entrevista,feita em 2004,se não estou em erro, aliás, mesmo sem ver a entrevista,tomei conhecimento do caso em Bissau,em 2005.
Estou a escrever esta msg porque falta, digamos, substância naquele comentário. É que,o militar guineense, que também diz ter ficado infértil, diz também que nunca os tugas fizeram tal coisa,é o Tagme Na Wai CEMG assassinado Domingo com uma bomba...com cheiro da Colômbia.

Abraço

Paulo Santiago

António Matos disse...

Caro Paulo Santiago, ainda que eu não esteja a ser interpelado àcerca do meu comentário em referência, dizes que ao mesmo falta substância, o que me pôs perplexo pois não entendi a conclusão que tiras ao dizeres que o torturado foi quem foi.
Podes explicitar melhor o teu pensamento ?
Um abraço e obrigado
António

Anónimo disse...

oh António,não achas que dizer,apenas,"um militar guineense"
não será extremamente redutor?Há
ou havia muitas pessoas que não
tinham conhecimento daquelas
sevícias feitas ao Tagme por ordem
do Nino,do teu comentário depreendo
que também não sabias do caso,se
soubesses,terias,possivelmente,
escrito-ontem na TV vi o Tagme
contar como foi torturado,às
ordens do Nino,com choques eléctricos nos testículos.A
"substância"é o Tagme,diferente de
um "militar guineense"indeterminado
Sou comentei porque este episódio
da tortura,passado quando da guerra
de 98/99,explica algum do ódio
existente entre os dois assassinados.
Abraço
P.Santiago

António Matos disse...

Oh Paulo Santiago, é por demais evidente que eu não sabia quem era o homem e nunca viria a saber caso não tivesse havido este conjunto de acontecimentos recentes ! No entanto, as sevícias e as torturas, não podem ser analisadas à luz dos curriculuns dos visados ! Pelo menos não é isso que consta sobre a Amnistia Internacional !
Mas, enfim, para que conste, e para não deixar a pairar más interpretações ( cuja ideia não foi ser redutor ! ) o que eu disse tinha a ver com a oposição a um certo clima de branqueamento possível de ser interpretado ao longo de vários comentários em que a figura do Nino Vieira estava a ser adjectivada pelas suas qualidades quando as suas não-qualidades as superavam de longe !
Venham daí esses ossos !
António