sábado, 28 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4089: Bandos... A frase, no mínino infeliz, de um general (1): O nosso direito à indignação (Luís Graça / Mário Pinto / Jorge Canhão)

Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1973 > O Fur Mil da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72, junto a "restos de Gadamael": não é indicado o dia, o mês e o ano, mas presume-se que seja Junho de 1973, por ocasião da batalha de Gadamael, em que Jorge participou com os pára-quedistas do BCP 12 , as CCP 121 e 123, a que ele chama "excepcionais" (*).

Foto: © Jorge Canhão (2007). Direitos reservados.

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Canhão, a propósito do depoimento do Gen Almeida Bruno, no programa A Guerra, II Série, da autoria de Joaquim Furtado, que passou na RTP1, na passada na 4ª feira, da 25 de Março, e que está a causar indignação entre os membros da nossa Tabanca Grande e de outros camaradas que acompanham o nosso blogue:

Camarada Luís Graça:

Sou o Jorge Canhão, ex-Fur Mil da 3ª CCAÇ do BCAÇ 4612/72, sediada em Mansoa.
Em relação ao email (**) que nos enviaste sobre o último episódio da guerra colonial (12), informo-te que tenho todos os episódios gravados, e espero gravar tudo o que falta.

Sobre o depoimento do Gen Almeida Bruno, vou transcrever o que ele disse:

"Eu digo-lhe com toda a franqueza, sem qualquer crítica aos meus camaradas, mas esta é a verdade e a verdade tem de se dizer. A maioria esmagadora eram BANDOS, que estavam atrás do arame farpado, à espera que o inimigo atacasse para se defenderem. Havia muito pouca iniciativa, com excepção, como lhe disse, dos pára-quedistas e dos fuzileiros, isso de facto, esses nunca perderam, nunca perderam o rumo". (Transcrito, tal como está na gravação)

É, no meu entender, uma maneira muito vergonhosa de adjectivar os milhares de militares que, nas mais penosas condições, combatiam em nome de alguns poucos e do sistema que governava o País e as colónias. Muitos não tinham água, a comida era pouca, repetida e muitas vezes de péssima qualidade. As condições de habitabilidade, excepto nos quartéis das cidades e vilas, eram as que todos sabemos.

O treino militar a que fomos sujeitos era inadequado, as balas eram contadas, as granadas..., enfim tudo era contado pois não se podia gastar mais que o estipulado, e de maneira insuficiente.

No teatro de guerra, aí sim começava o verdadeiro treino, mas esse já era para valer, e aí verificávamos toda a nossa inferioridade de material de guerra em relação ao PAIGC.

Foi por isto que "os bandos" passaram, mas foram esses bandos que, à custa do seu sangue, mantiveram esta guerra por cerca de 11 anos, para que os militares do ar condicionado acumulassem comissões atrás de comissões.

Por agora fico-me por aqui, acho que me alonguei um pouco, mas enfim... saiu.
Abraços

Jorge Canhão

___________

Notas de L.G.:

(*) 18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1855: Tabanca Grande (13): Apresenta-se o ex-Fur Mil At Inf Jorge Canhão, da 3ª Companhia do BCAÇ 4612/72

(...) Chegámos à Guiné a 5/10/72, fizémos o IAO na zona do Cumeré e a 17/11/72 fomos para Mansoa.

A 18/6/73 deixámos o Batalhão e passámos a estar dependentes do COP 5 e do COT 9 como Companhia de Intervenção.

Fizémos operações nas zonas de Mansoa, Mansabá, Bissorã, Farim, Bula, Cacine e Gadamael, onde estivémos com as excepcionais Companhias de Paraquedistas 121 e 123.

A 12/5/74 deixámos de ser Companhia de Intervenção e regressámos ao Batalhão.

Em 26/8/74 embarcámos de avião para Portugal.

Em toda a comissão e após algumas centenas de operações, tivémos 2 mortos (um furriel e um soldado), 2 feridos graves (soldados) e uma dezena de ligeiros, entre oficiais, furriéis e praças. (...)


(**) Mails de Luís Graça, um copm data de 26 de Março e outro com data de 27, enviados a toda a Tabanca Grande:

Assunto - Direito à indignação:

Camaradas:

Quem viu ontem, do princípio ao fim, na RTP 1, o 'episódio' semanal de A Guerrra, do Joaquim Furtado, II Série ? Como estive em aulas até às 22h, só vi o fim, quando cheguei a casa...Estava-se a falar do desastre do Cheche, no Corubal, na sequência da retirada de Madina do Boé, em 6 de Fevereiro de 1969... (Temos no blogue um dossiê, bastante completo, sobre este trágico episódio da Guerra da Guiné).

Ainda reconheci o nosso camarada Paulo Raposo, mais novinho uns anos, em imagens de arquivo (presumo)... O Paulo pertencia à CCAÇ 2405, de Dulombi/Galomaro, que perdeu 17 homens (no total, foram 47 as vítimas)... Também ouvi de raspão o Cor Aparício (que comandava a outra companhia, que teve ainda mais baixas)... O Aparício repartiu culpas por toda a gente, à boa maneira de Pilatos...

Como perdi a maior parte do programa, não sei o que disse antes o Gen Almeida Bruno... E protanto não posso comentar.

Vejam, a seguir, o texto do nosso camarada Mário Pinto, que está indignado com as declarações do antigo ajudante de campo do Spínola... Alguém quer comentar, com vista uma eventual publicação no blogue ?

Um Alfa Bravo. Luís


Assunto - A Guerra, II Série - Programa de Joaquim Furtado > Último episódio (desastre do Corubal), que passou 4ª F, na RTP

Amigos e camaradas: Alguém gravou o episódio de 4ª feira ? Era importante, por causa das alegadamente polémicas e ofensivas palavras do Gen Bruno de Almeida (***) sobre a "tropa macaca"... Eu não vi, gostava de ver.


(**) A primeira mensagem, de protesto, foi-nos enviada , em 26 de Março, por Mário Pinto, ex-Fur Mil, CART 2519, Buba Mampatá, Aldeia Formosa (1969/71), e que não é formalmente membro da nossa Tabanca Grande:

Assunto - Direito à indignação

Ontem ao ver o programa Guerra do Ultramar na RTP1, fiquei indignado com a falta de respeito do Sr. General Almeida Bruno em relação aos nossos camaradas militares conhecidos por tropa macaca, como BANDO, que se limitavam a estar presentes dentro do arame farpado.

Sr. General, é preciso ter descaramento e ser insultuoso para criticar os nossos bravos militares que tão abnegadamente serviram a Pátria em condições de inferioridade táctica e material e desconhecendo o inimigo que defrontavam porque tiveram uma instrução deficiente, que é da sua responsabilidade e dos oficiais superiores que nos comandavam entre aspas. Porque estes, sim, é que estavam no arame farpado.

V. Exa. Sr. General, já se esqueceu que a guerra fora do arame farpado era comandada pelos milicianos e graças a eles lá fomos adiando o fim do Império Colonial.

Para terminar só posso acrescentar que fui ferido em combate e não dentro do arame farpado, louvado e premiado por actos de coragem e fui não foi dentro do arame farpado.

Cumprimentos, camarada Luis Graça

ex furriel Mário

9 comentários:

Antonio Graça de Abreu disse...

O general Almeida Bruno foi infeliz (ia a escrever mentiroso, mas não escrevo...)na afirmação que fez. Ele sabe perfeitamente, como ajudante de campo do General Spínola,que acompanhava SExa. por toda a Guiné, e também como comandante dos Comandos Africanos, sabe perfeitamente que a tropa "macaca" era tudo menos um Bando, sabe que saía dos aquartelamentos, sabe que fazia operações, sabe que morria em emboscadas, etc. etc.
Claro que havia diferenças, e muitas,mas a verdade tem de se dizer. O general Almeida Bruno, um excepcional militar, inventou. Ninguém gosta de ser ofendido.
Um abraço,
António Graça de Abreu

Hélder Valério disse...

Pois é!
O Sr. General Almeida Bruno foi infeliz, teve um deslize, equivocou-se!
Como se costuma dizer "acontece aos melhores"!
Mas, sendo ele sabedor de tudo aquilo que o António G. Abreu refere, então por que "carga de água" fala assim?
Tem de haver uma explicação, um motivo, uma intenção.
Tenho as minhas suspeitas de que os "bernardos" acham que chegou a hora de reescreverem a História, e isso pode ser uma explicação.
Vou aguardar para ver e reflectir melhor.
Um abraço a toda a Tabanca e lembrem-se que "não ofende quem quer mas sim quem nós deixamos"
Hélder S.

Unknown disse...

Hoje - ontem - tivemos um dia de convívio passado em casa de um dos nossos camaradas da Tabanca de Matosinhos. E claro que estas declarações do gen Almeida Bruno foram tema para alguma conversa. Para além da indignação que sentimos pela mentira das suas palavras, eu próprio pergunto se algumas vez este senhor soube o que esteve a fazer na Guiné e o que por lá se passava. Mas pior que tudo, o Povo Português que o ouviu e que teve a felicidade de não ter passado por situações identicas às que por lá vivemos, deverá ter ficado a pensar que afinal aquilo de África, neste caso da Guiné, não foi nada de especial, a não ser para Fuzileiros e Para-quedistas. O resto eram BANDOS que passaram o tempo a jogar à lerpa e à bola enquanto não chegavam umas coisitas pelo ar e mesmo atravez do arame farpado para ajudar à festa. Os mais de 10.000 mortos oficiais e os incontáveis feridos aconteceram pura e simplesmente por descuidos acidentais.
O cheiro que senti quando estive muito proximo dele em 1969 nunca me largou mas agora aprofundou-se ainda mais.
Haja decoro senhor general. Em vez de tanta asneira, melhor seria estar calado.
Para os camaradas que possam estar incrédulos com a transcrição das palavras do senhor general pelo Jorge Canhão, pode confirmar pelo video que está na Tabanca de Matosinhos. Se houver ainda interessados em ficarem enojados.

Santos Oliveira disse...

Caros Camaradas e ao Povo

O Gen Almeida Bruno. Quando se decidiu inscrever na Escola do Exército deveria ter sido por uma de três razões:

1 ) – Gostava de Fardas e do que elas representavam enquanto havia Paz, logo

2 ) – Pensaria estar preparado para a Guerra (coisa distante e improvável na época), se, teoricamente soubesse os conceitos elementares de tal Arte.

3 ) – Não sentia apetência para fazer um Trabalho Dependente (ou independente), onde teria que o executar.

Na verdade, a Corporação Castrense, sempre humilhou e espezinhou os pobres civis que por via da Lei se tornavam subordinados e “profissionais” para o Estado de Guerra que um dia, infelizmente, chegou.

Aí, a Corporação funcionava a dois níveis:

- o das Promoções a qualquer custo, mesmo que implicasse ultrapassar os próprios Camaradas de Armas;

- o da coesão absoluta sempre que o tema fossem os Milicianos;

- o de se “inventarem” todos os meios para a não participação nas Acções. Isto até ao grau de Capitão.

Para graduações superiores, sabe-se bem a luta pelas mordomias e quais os lugares mais ambicionados (carros com motorista ás ordens, “empregados domésticos”, casa, etc.)

Perante o exposto, como o Senhor General afirma, o Governo de então, ter-se-ia defrontado com uma questão grave: os Oficiais do QP não se recusando a ir para o Mato, mas argumentando e inventando esquemas, tudo para o não fazer, decidiram dar acesso e facilidades para que os lugares de Combate pudessem vir a ser preenchidos por GENTE com mais PRÁTICA e menos TEORIA. Gerou-se uma UNIÃO inesperada na Corporação Castrense. Que não podia ser, etc.

Ora, os BANDOS referidos pelo Senhor General, eram superiormente dirigidos por estes Teóricos que de Mato ou Bolanha, não sabiam nada, como se veio a verificar. A verdade é que eram eles (QP) quem decidia quando e quem saía ou ficava no arame farpado. Eles eram os VERDADEIROS RESPONSÁVEIS pelo planeamento das Acções.

Como as Bases de Fusos e Páras se situavam, sempre, nos lugares estrategicamente mais seguros, só faltava pedir, por favor, ao inimigo que fizesse qualquer coisinha. Mas aí, Senhor General, existia INICIATIVA com ou sem o consentimento das Instâncias em que o Exército se escudava.

Na verdade, só me resta citar e HONRAR as EXCEPÇÕES, (Infelizmente foram imensas) aqueles que trabalharam no, terreno, lado a lado com os Milicianos, NÃO LHES FOI PERMITIDO ACESSO NA CARREIRA, AOS POSTOS SUPERIORES: NÃO SUPERARAM A PATENTE DE CORONEL!...

Ao fim de tantos anos, Senhor General, entendo e fico-me com a certeza de que as Forças Armadas (QP) ainda não aprenderam com os erros. Perderam, de todo, o rumo.

Quando, há dias, um jornalista levantou uma pequena casca de ferimentos em Combate, começo a crer que tenha “visto” SANGUE APODRECIDO E PUS. O Senhor General, levantou o cascão e acaba por se verificar que já aparece gangrena. É que com “visões” desta envergadura e com esta autoridade, o homem não pode deixar de acreditar no que nem vê.



Santos Oliveira

Sarg.Mil.A.Pes./Rânger

do extinto P.Mort. 912

Anónimo disse...

Custa-me a acreditar.Esta é bem pior do que a do Jornalista Visãonário,que ao menos se semi-desculpou!

Esta Mentira é proferida por um general,deveria ser General,perante muitos milhares de Portugueses e de milhares de Combatentes que se sentiram OFENDIDOS,como eu.
O Sr general tem que repor a Verdade e deve um pedido de desculpa pelo "lapso" para que o possa voltar a considerar Sr.General

Luis Faria

Colaço disse...

(Com a devida vénia)O general Bruno merece esta rima de pé quebrado do meu camarada Silvino da C.C.557 1º cabo rádio telegrafista.

De avião fazem a guerra
Mas quem anda por Terra
O perigo nos espreita
Com o tempo terminado
É triste ser mandado
Por semelhante seita.

Já neste inicio de Guerra da Guiné os indícios de opinião da tropa macaca sobre os altos comandos.

paulo santiago disse...

Não vi o episódio em causa,vi e
ouvi a frase"assassina"num vídeo
publicado na Tabanca de Matosinhos.
Fiquei revoltado,ainda com mais
intensidade,porque acabara de
regressar do Porto,onde juntamente
com o Santos Oliveira(irei escrever
sobre isso)tínhamos acabado de ter
uma conversa com a viúva do 1ºCabo
Ferreira morto em combate no Quirafo.Felizmente que estas viúvas
de guerra não ouviram o Sr.Gen.Era
trágico.
As palavras do Bruno são muito
mais ofensivas,muito mais ultrajantes que as bacoradas do
jornalista L.Martins.

Anónimo disse...

Camaradas quando são os nossos a ofender-nos mais nos custa,se não aceito a forma indigna como fomos tratados pelo Sr.Jornalista ainda muito menos aceito ser ofendido,
pelo Sr.General Almeida Bruno,por quem nutria enorme respeito.e alguma admiração,melhor que ninguém VEx.sabia das condições miseráveis em que muitos dos nossos Camaradas estava,fome e demais condições precárias,e se
era aos altos comandos,que defeniam
a actuação das nossas forças.
Melhor seria vê-lo na praça pública a dizer de sua justiça da forma indigna como somos tratados,
Como militar serviu de exemplo ,mas esta sua atitude fere a todos aquelas que de si deram o melhor,e não eram marecedores de tal afronta.V.Exlª estava lá ao lado do Homem Grande,Ele nunca diria isso dos seus Homens.
José Nunes
Guiné 68/70

Julio Vilar pereira Pinto disse...

É com trizteza que aparecem alguem a fazer afirmações desta natureza, como as que fez o General Almeida Bruno, só é p+ene que na Guiné não estivessem só fuzileiros e Paraquedistas mas teriam de estar nos aquartelamentos opnde estavam os restantes militares, sem condições de qualquer espécie, tanto humanas como de higiene e alimentares´. Enquanto os militares da tropa normal viviam sem condições o senhor General estava em Bissau no ar condicionado, bem dormido, comido e bebido e entre duas festanças lá morriam nas bolanhas e nas matas, senhor General, FORA DO ARAME FARPADO, como o furriel milº meu amigo que pertencia à companhia do já falecido Capitão Carlos Fabião e morreu por outra desapareceu no decorrer de uma operação planeada pelo sr. Capitão, mas dias antes o senhor Capitão desapareceu e quem teve de fazer a operação foram os milicianos, este é um exemplo entre muitos. Tenha vergonha sr. General, será de homem o senhor apresentar publicamente desculpas a todos os ex- combatentes e em especial aos HEROIS DA GUINÉ dos quais o senhor não faz parte.
Júlio Pinto ex- combatente em Angola