domingo, 29 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4102: Os nossos camaradas guineenses (6): Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)

Operação Ametista Real


Tropas de Comandos Africanos assaltaram, por volta das 8h00 do dia 19Mai73, a base de Cumbamory, no Senegal, logo após uma parelha de Fiats G-91 ter procedido ao bombardeamento da área de acção.

Colhidas de surpresa, forças do PAIGC e militares do Exército Senegalês tentaram rechaçar o ataque e empurrar os comandos para a fronteira. Fardas, equipamentos, armas, combatentes (todos negros, excepto os 4 oficiais brancos que enquadravam os cmds africanos), quase tudo igual.

Os comandos para se orientarem e não se perderem uns dos outros, no meio da confusão, gritavam "Comandos", "Comandos"... Ouviam-se apitos e o capim ardia.

Os cmds portugueses tinham recolhido e juntado os foguetões apanhados na base. Quando o fogo os aqueceu, seguiram como torpedos pela bolanha…

Estas não são histórias para contar, a não ser através da escrita do Amadu. A verdade é a confusão que ele descreve, muito longe da ideia de combate organizado com forças de um lado e de outro. Não, aqui tudo é um inferno, como ele diz, em que às tantas não se distinguem amigos de inimigos.

(...) Havia que sair rapidamente de Guidaje. Com os efectivos do BCmds, o nº de militares ultrapassava os 300 homens, dentro do aquartelamento. O que seria um desastre para as NT, se a povoação fosse atacada, e as retaliações eram esperadas. Não havia tempo para recuperar.

O Major Almeida Bruno decidiu seguir na direcção de Binta. Ainda pensaram seguir directamente ao Cufeu, para desencadearem um ataque a uma possível localização da base de lançamento de Strela, segundo a informação da FAP. De facto, parece ter sido a primeira ideia que veio à cabeça do major A. Bruno e terá chegado mesmo a apontar a Cufeu. Mas a tropa já não andava, arrastava-se.

Um dos agrupamentos, o Bombox ainda chegou às proximidades do local, mas os comandos não estavam em condições para desencadearem o assalto. Finalmente, foi decidido seguir para Binta, até à estrada Farim - Binta – Barro. E foi aí, que foram recolhidos em viaturas e transportados para a LDG, comandada pelo 1º Tenente Bilreiro.


Do diário de Amadu Bailo Djaló, Sargento e comandante de um dos grupos da CCmds Africanos, chefiada pelo Tenente Abdulai Queta Djamanca, transcrevo a passagem abaixo:



Amadu Djaló e Adriano Sisseco, em Brá, em 20 de Junho de 1966, na cerimónia da extinção da CCmds do CTIG. Foto de vb.

Chegada a hora, partimos, decididos, não me lembro de olhar para trás, na direcção da estrada Farim-Binta. O objectivo desta etapa era Binta. O calor começou a apertar e ainda era de manhã. As baixas começaram a surgir, sem ataques armados. Alguns afrouxaram a marcha, um ou outro caiu.

Era para aí meio-dia quando o major Bruno mandou fazer um alto para o pessoal descansar um pouco. Trinta minutos, mais ou menos depois, recomeçámos a marcha. Escrever sobre o calor que fazia, não adianta. Toda a gente da Guiné sabe como é.

A marcha forçada estava a ser difícil para alguns colegas, até o guia se foi abaixo. A partir de certa altura, o comandante Bruno e eu fomos para a frente, eu a abrir a coluna, o nosso major em segundo, o segundo guia era o terceiro homem, sempre a andar sem parar, com a estrada Farim-Binta ainda longe.

Ao pôr do sol, chegámos ao local. O comandante Bruno pediu pelo rádio “cavalos” para nos virem buscar. Quando chegou a 1ª viatura, pensei que íamos embarcar. O nosso comandante, disse 'Amadu, vamos andando'. Chegou a 2ª e disse o mesmo.

Nessa altura, eu disse para mim, 'se eu sabia, ficava para trás'. Cada viatura que chegava, o nosso comandante mandava passar para trás de nós, sempre a dizer 'Amadu, vamos andando'.

Eu estava muito cansado, mesmo muito. Continuámos assim até que voltou uma viatura sem ninguém e, então, ele disse 'já não há ninguém para trás, agora é a vossa vez'.

Entrámos em Binta em últimos, com cerca de 40 homens para trás, entre Guidaje e Binta.(...)



Amadu Bailo Djaló:

(i) Nasceu em Bafatá, oficialmente em 1940.

(ii) Aos 14 anos, o irmão mais velho levou-o para Boké, para casa de um tio, de onde era natural a mãe. O pai era de Fulamori, também da República da Guiné-Conackry.

(iii) Um ano depois, com a morte do tio, regressou a Bafatá.

(iv) Aos 16 anos conheceu, pela primeira vez, Bissau e aos 17 Bolama.

(v) Desde muito jovem deu sinais de querer ganhar dinheiro e ser independente. Começou por organizar bailes e festas, juntamente com um primo, para a juventude de Bafatá, a quem cobrava as entradas. As meninas de então chamavam ao Amadu "Mari Velo".

(vi) Enquanto não foi incorporado, foi trabalhando na construção civil, primeiro no Gabu, como capataz, um pouco mais tarde em Bafatá. Estávamos em 1958.

(vii) Nos princípios de Janeiro do ano seguinte, regressou a Bafatá. Como sabia ler e escrever, foi para a campanha da mancarra. Aos 20 anos quis dar um salto, tornar-se verdadeiramente independente. Conseguiu abrir uma banca para negociar no Mercado de Bafatá.

(viii) Mas a incorporação estava à porta. Depois da recruta em Bolama, seguiu-se o CICA/BAC, em Bissau, depois Bedanda na 4ª CCaç, a 1ª CCaç em Farim.

(ix) Regressou à CCS/QG, os Comandos de 1964 a 1966, a CCS/QG, outra vez.

(x) Depois, Bafatá, no BCav (705?) conhecido pelo “Sete de Espadas”, a 1ªCCmds Africanos, o BCmds, a CCaç 21, com base em Bambadinca, o 25 de Abril.

(xi) Depois entregou a arma e começou outra história.

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Nota de vb:
1. Na operação a Kumbamory, o BCmds foi dividido em 3 Agrupamentos: "Bombox", comandado pelo cap Matos Gomes; "Centauro", comandado pelo cap Folques e o "Romeu", comandado pelo cap pára António Ramos , onde seguia o comandante da operação, o major Almeida Bruno.

2. artigo da série em

27 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4086: Os nossos camaradas guineenses (5): O making of do livro do Amadu Djaló, as memórias de um comando africano (Virginio Briote)

1 comentário:

Luís Graça disse...

É impressionante a história deste homem... Ele atravessou, quase incólume, o inferno de ponta a ponta... É lenda viva, uma memória preciosa... Espero que, quando sair o livro, ninguém se aproprie do Amadu Djaló, transformando-o em bandeira de cruzada... Ele tem direito a contar a sua história e merece o nosso respeito e apoio, nesta fase (mais uma) difícil da sua vida, sem amigos, sem dinheiro, sem saúde, desenraizado na terra dos tugas que o usaram e o abandonaram...

Vejo que acabou a sua 'carreira militar' na CCAÇ 21, onde havia graduados que nasceram na minha companhia, a CCAÇ 2590/ CCAÇ 12... Entre eles o malogrado Abibo Jau, que foi fuzilado com o Jamanca, perto do Xime, em Madina Colhido, depois da independência...

Gostava de saber se Amadu Djaló teve muito tempo na CCAÇ 21 e se tem recordações desse tempo... Seria bom alguém da CCAÇ 12 (o Humberto Reis, o Marques...) levar o Amadu Djaló ao próximo convívio da malta de Bambadinca 1968/71... Eu não sei se vou poder ir... Mas daqi vai um abraço para este camarada fula que ousou escrever as suas memórias...

LG