domingo, 19 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4216: (Ex)citações (23): Homenagem à memória do Capitão Pára-quedista João Costa Cordeiro (João Seabra)

1. Comentário de João Seabra (1), ex-Alf Mil da CCAV 8350, Piratas de Guileje (Guileje, 1972/73) deixou um comentário no P4184 (2) :

Caro Miguel Pessoa,
Deixa-me aproveitar a boleia, para homenagear a memória de um dos Comandantes da CCP 123 que conheci em Gadamael, o Capitão Pára João Costa Cordeiro, valoroso combatente e ser humano de eleição, estupidamente falecido num acidente.

Foi a ele que, pela primeira vez, ouvi o comentário "fez-se o que foi preciso" (que não me recordo de ver aqui mencionado, mas a que faço alusão num texto que, por ser muito pesado, talvez tenha circulado fora do blogue, entre os interessados).

Poderia multiplicar-me em adjectivos sobre o meu homenageado. Bastará, todavia, referir o seguinte:

- A minha Companhia (CCAV 8350) e a CCAÇ 4743, saíram de Gadamael em 25JUN73, sendo substituídos pela 3ª Companhia do BCAÇ 4612, pela CCAV 8452 e pela CART 6252;
- Com a situação em Gadamael já perfeitamente controlada, mas ainda perigosa, estas Companhias passaram a beneficiar de treino operacional que lhes foi ministrado pelas Unidades do BCP 12, proporcionando-lhes conhecimento da Zona e a confiança que se pode imaginar;
- A CCP 121 e a CCP 122 terão regressado a Bissau em 7JUL73;
- Ao que julgo saber, a CCP 123, por iniciativa do seu Comandante,voluntariou-se para ficar em Gadamael durante mais dez dias, para completar o trabalho de treino operacional das ditas Companhias.

Era assim o Capitão Cordeiro. Para ele, entre o que "era preciso fazer", porque entendia ser também esse o dever de uma unidade de elite da Força Aérea, incluía-se, se houvesse oportunidade, ministrar à chamada "tropa macaca", um aperfeiçoamento operacional que o Exército já não estava em condições de ministrar.
Sobre este exemplo de genuína camaradagem, o Jorge Canhão é das pessoas mais indicadas para falar.
Lastimei bastante, algumas generalizações depreciativas em que alguns dos nossos amigos, levados pela indignação, se deixaram cair, relativamente aos Quadros Permanentes das FA.
Bons e maus profissionais há em todas as carreiras. E a arrogância é muito comum na espécie humana.
Quando penso nos nossos camaradas "do Quadro", prefiro lembrar-me - em representação de muitos outros - do Capitão Cordeiro e do Tenente-Coronel Brito, que não conheci mas que não deixou de voar em nosso apoio, ameaçado por armas cujas características não eram conhecidas e sem que as necessárias contra-medidas tivessem sido estabelecidas.

Desculpa o abuso.
Abraço
João Seabra
__________

Notas de CV:

(1) Vd. poste de 1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3954: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (6): A posição, mais difícil do que a minha, do Cap Cmd Ferreira da Silva (João Seabra)

(2) Vd. poste de 9 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4164: Comentários que merecem ser postes (3): O Gen A. Bruno gostava de fardas e do elas representavam em tempo de paz(Santos Oliveira)

11 comentários:

Anónimo disse...

FEZ-SE O QUE FOI PRECISO.

Esta frase pode muito bem vir um dia a ter um um significado muito justo, para aquilo que a nossa geração passou.

A história dirá se fizemos o que foi preciso, se aquilo que foi possivel.

Antº Rosinha

Miguel disse...

No Poste 4184, após o comentário do João Seabra (que agora foi transformado no Poste 4216), tive a oportunidade de redigir um comentário que aqui volto a reproduzir:
"Caro João Seabra:
Vais desculpar-me a confusão que fiz ao referir as palavras "fez-se o que foi preciso" como tendo sido publicadas no blog. Revendo agora o texto que escreveste há uns tempos (e a que tive acesso) vejo que foi ali que eu as li. Mas, dados os contactos frequentes que tenho com pessoal paraquedista, já estou habituado a esse tipo de afirmações da sua parte, por modestamente não pretenderem valorizar aquilo que fizeram.
Quanto ao Cap. Cordeiro, também me incluo na lista dos que têm por ele grande consideração. Não me posso esquecer que foi o grupo de paraquedistas que ele comandava quem primeiro chegou ao pé de mim, conjuntamente com o grupo do Marcelino, quando me recuperaram do corredor do Guileje.
Podes aliás ver uma foto do Cap. Cordeiro no post 4051, durante a acção em que fui recuperado.
Senti muito a sua morte num estúpido (mas sempre possível) acidente num salto de treino, na Guiné.
Um abraço. Miguel Pessoa"

joão coelho disse...

O João Manuel Cordeiro foi um amigo de infância, na Rua do Saco, em Ponta Delgada, S.Miguel, Açores. Nas "lutas" de espadas feitas com pau de vassoura, ele era habitualmente o líder - punha e dispunha, organizava as tropas e chefiava as arremetidas contra os nossos rivais das ruas vizinhas. A vida afastou-nos mas a sua morte - já relatada aqui ou no blogue dos especialistas da BA 12 pelo sarg.ajudante pára Dâmaso,(que saltou com ele no dia do acidente) não recordo ao certo - foi um choque muito grande, até por se ter verificado na altura em que o conflito tinha terminado. Há um um irmão dele, Carlos Cordeiro ( o Carlinhos nos tempos de miúdo) que é professor na Universidade dos Açores, em S.Miguel, na área de História. Vou ver se consigo que ele saiba desta modesta mas bonita homenagem.
Já agora, lembro um outro micaelense, também páraquedista, não oficial, de seu nome António Melo, que creio ser o 3º morto numa emboscada, relatada algures neste blogue, em que as duas outras vitimas também eram páras. O Melo, tanto quanto percebi, não morreu imediatamente, ao contrário dos seus camaradas. Conheci-o por ser namorado de uma jovem minha vizinha, na rua do Saco já referida. A sua morte provocou polémica em S.Miguel: o pai era funcionário da PIDE, e soube que tinha havido problemas de evacuação que, eventualmente, terão estado na origem da morte do filho. Vai daí escreveu, julgo que duas cartas abertas,uma ao Gen. Spínola e a outra ao prof. Marcelo Caetano, em termos muito violentos e que foram publicadas na imprensa local.
Bem hajam, João Seabra e Miguel Pessoa, por esta recordatória.

João Coelho

ex-Cabo Esp.MMA 158/63

joão coelho disse...

PS - Não consigo ver o post de Miguel Pessoa onde está a foto do João M.Cordeiro. O Miguel pode precisar melhor, p.f.?
Obrigado

João Seabra disse...

É fácil: P4051 de 19 de Março, é o
unico branco da segunda fotografia.
Abraço
João Seabra

joão coelho disse...

Já encontrei, é ele, sem sombra de dúvidas. Obrigado João Seabra.
Abraço

João Coelho

João Seabra disse...

João,

Faz-me um favor: se conseguires fazer chegar o texto e a fotografia ao irmão, pede-lhe para os mostrar aos filhos.
Parece-me que o Capitão Cordeiro tinha três (ou quatro?) filhos, e que o último talvez não tenha chegado a conhecer o Pai.
Abraço
João Seabra

joão coelho disse...

Certo, vou falar nisso ao irmão, estou à espera de contacto dele.
Abraço

J.Coelho

joão coelho disse...

Já falei com Carlos Cordeiro, irmão do cap.pára João Manuel Cordeiro, que ficou muito sensibilizado com a tua atitude. Dei-lhe as coordenadas para visitar este blogue, não sei se já o fez. O João Manuel tem 3 filhos, o mais velho interessa-se pela história do pai e julgo que apreciará, também, o que escreves-te aqui.
Pela minha parte, gostaria de dizer como é gratificante ver uma atitude que considero das mais dignas que podemos tomar: a do reconhecimento do mérito de outros, numa situação em que, simultâneamente, se recupera, para os vivos, a sua memória.
Bem hajas, João Seabra.

João Coelho

Carlos Cordeiro disse...

Muito obrigado pela homenagem. Fiquei extremamente comovido. Fico muito reconhecido ao Dr. João Seabra e ao João (Coelho). Já enviei todas as indicações ao Pedro (são três filhos, e a mais nova nasceu já depois da morte do Pai). Espero resposta para, então, poder enviar um comentário mais apropriado. O que não podia era demorar mais a afirmação do meu profundo reconhecimento.
Um abraço,
Carlos Cordeiro

Pedro Cordeiro disse...

Caros Senhores

Desde já agradeço a gentileza de todos os que fizeram questão que eu tomasse conhecimento deste poste.

Eu, a minha Mãe e a minha irmã mais velha Patrícia acompanhámos sempre o meu Pai nas 2 comissões que fez, uma em Angola (onde nascemos os 2) e a segunda na Guiné, na qual veio, tal como referido, a falecer. Por altura do seu falecimento já faltava muito pouco tempo para terminar a sua comissão e, como a minha Mãe estava grávida da minha irmã mais nova e estava a passar muito mal, voltámos pouco tempo antes para a "Metrópole".

O seu falecimento foi, e ainda hoje é, um golpe brutal para a nossa família que se fez, aumentou e encurtou sempre em teatro de guerra. Sou pois, também, um filho dessa guerra que vocês vivenciaram de forma tão intensa, cada um à sua maneira.

Frequentei o Colégio Militar onde fui colega de tantos outros filhos de ex-combatentes: Bação Lemos, Brito, Santiago, Veiga, Quintans dos Santos, Alvarenga, só para nomear alguns do meu curso Colegial.
Da guerra maior parte de nós ouvimos histórias em segunda e terceira mão, raras vezes aos nossos Pais (os que ainda os tinham), desbotadas e incertas.
Sempre pensei seguir as pisadas do meu Pai e tornar-me Páraquedista de carreira. Quis o destino que no último ano do Colégio, um incidente com um oficial me tivesse mostrado tudo o que a tropa pode ter de mau... resolvi não dar mais um desgosto à minha Mãe e ainda hoje não sei se fiz bem.

O certo é que hoje, homem feito (quase 40 anos), sei muito pouco de meu Pai e menos ainda do Militar que foi. Se os ex-combatentes falam pouco da Guerra, menos falam ainda aos filhos de camaradas falecidos...

Este foi o primeiro testemunho não solicitado e, como tal, imparcial a que tive acesso. Por tal estou profundamente agradecido, afinal é parte da minha história, da história do Avô das minhas filhas!

Alguns de vocês acharão estranho, mas a verdade é que passa pouco tempo sem pensar no meu Pai, a sua ausência é, para mim, muito presente, assim seja com todos os nossos filhos quando nos formos, de preferência que fiquem um pouco mais conscientes dos nossos predicados, defeitos e humanidade. Tal foi-me negado, qualquer acrescento é um tesouro inestimável!

Peço desculpa se me alonguei demais mas para mim a guerra foi anteontem e vai estar presente na minha vida até eu morrer.

Um grande abraço e muito obrigado

Pedro Miguel Pereira Cordeiro
filho do Cap. Pára. João Costa Cordeiro