sexta-feira, 12 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4513: (Ex)citações (30): Encontros imprevistos... na latrina (António G. Matos)

1. Antonio Matos, (*), ex-Alf Mil MA da CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, no dia 8 de Junho de 2009, deixou este comentário no Poste: Guiné 63/74 - P4477: FAP (29): Encontros imprevist...":

Sempre disse mal da minha vida no que ao ex-ultramar português dizia respeito, muito concretamente à Guiné.

E isto porque desde logo me passaram o atestado de óbito aquando da mobilização (eh pá vais para a Guiné? Tiveste azar!); depois porque passei 2 anos enfiado num sítio onde, nas horas de serviço, estava rodeado de capim, de bolanhas, de mosquitos ou à pancada; fora das horas de serviço ou me metia debaixo dum mosqueteiro a dizimá-los um a um ou lá ia lendo uns livros; finalmente, mas não menos importante, porque até a cidade onde me deslocava por vezes, a coberto de uma consulta externa, não tinha qualquer laivo de interesse capaz de me despreocupar durante as horas que lá passasse.

O tempo era gasto na 5.ª repartição entre dois dedos de conversa pontual ou na apreciação sempre gulosa de verdadeiras misses, fossem pretas, mulatas, cabritas ou brancas!

Eram, de facto, todas dignas de se lhes tirar o chapéu! Porque seria?

Mas voltando à desgraça de ter ido cair à Guiné, lembro-me que, porque estava em África, teria imaginado fortuitos encontros com elefantes, pacaças, serpentes, leões, etc.

Mas qual quê, o pior, o mais sanguinário, o mais ordinário, a mais temível fera que me foi dado encontrar, foi o mosquito!

Perante as confissões de ignorância do Luís e do Miguel, junto a minha, não sem que não refira uma luta que travei com uma cobrita algures quando me encontrava encavalitado no passadiço suspenso a uns 2 metros de altura de uma construção moderníssima no meu destacamento de Augusto Barros e pomposamente chamada de latrina.

Recordo que a posição que se assumia naquela assoalhada permitia uma visão em grande angular do recinto lá em baixo todo ele repleto de flores de cheiro, e outros despojos.

Pois numa dessas ocasiões, e absorto de qualquer pensamento bélico, começo a reparar num movimento lento mas decidido, que restolhava por entre toda aquela javardice. Mantive-me atento do meu ponto de observação e reparei que era uma cobra.
Sentindo-se, talvez, alvo de atenção, parou.

Foi a altura própria para a tentar atingir entre os olhos com um bombardeamento digno desse nome.

Qual avião que se preparasse para lançar umas cargas de Napalm, também aquela desgraçada cobra foi trucidada por um verdadeiro e repugnante bombardeamento de precisão milimétrica.

Nunca mais fui para a latrina sem G3 e até cheguei a pensar em levar uma HK21 e uma fita de munições, mas o tripé não deixava espaço para outras manobras e desisti.

António Matos
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4471: Encerrar um capítulo de não-vida da nossa vida? (António G. Matos)

(**) Vd. poste de 7 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4477: FAP (29): Encontros imprevistos (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

Vd. último poste da série de 9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4309: Comentários que merecem ser postes (6): Manuel Moreira Barbosa, um Comando da 38.ª (Magalhães Ribeiro)

4 comentários:

Anónimo disse...

Este António Matos é sempre fabuloso nas suas intervenções.
Mais uma vez os meus parabéns pelas
brilhantes qualidades reveladas agora de "apontador de bombardeamento aéreo".
Abraço do fóbico das cobras, que desta vez até se riu.
Jorge Picado

Hélder Valério disse...

Caro António Matos
Não páras de me surpreender!
São as tuas histórias, normalmente com um humor fino e corrosivo, digno dum verdadeiro apreciador da "Pantera cor-de-rosa", mesmo aquelas em que a força do drama está presente de forma declarada ou subjacente; são os teus comentários sempre tão a-propósito; são os teus apelos à reflexão serena mas aprofundada, como por exemplo no "Dou por mim a pensar..." ou ainda no "Não façam deste Blogue um muro de lamentações" que, aqui para nós, cabem muito bem numa antologia que se vier a fazer de textos deste Blogue.
Pois já sabia que eras um homem das Minas e Armadilhas (aliás acho que se entende bem o que essas experiências tiveram de marcante na tua personalidade), o que eu não sabia era dessa tua vocação, ou tendência, para a "artilharia"! E ainda por cima parece que com jeito para a pontaria.....
Oh homem, francamente, achas bonito isso que fizeste à "bichinha"? Não lhe bastava andar a chafurdar lá em baixo, onde e como descreveste, como ainda teve que levar em cima com toda aquelas descargas?
Um abraço
Hélder S.

manuel maia disse...

Caro antónio Matos.

Espantosa a tua versatilidade.

A forma como passas de um assunto sério para uma situação hilariante,contada de uma forma que só tu sabes fazer,mostra uma apetência clarissima para as letras.

Não sei o que fizeste da tua vida,em que área estuivesta inserido, mas que tens altissima
qualidade para ter sido e ser um enorme homem de letras, disso não há sequer resquícios de dúvidas.
Parabéns por esse bombardeamento,
que se presume tenha posto o "in" em fuga desenfreada...

MANUEL MAIA disse...

É CLARO QUE QUIS DIZER ESTIVESTE E NÃO AQUELE EMARANHADO DE LETRAS QUE REDUNDARIA EM ESTUIVESTA.