terça-feira, 30 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4612: Contraponto (Alberto Branquinho) (2): Não vale a pena chorar

1. Mensagem de Alberto Branquinho, (*), ex-Alf Mil da CArt 1689, Guiné 1967/69, com data de 24 de Maio de 2009:

Meu Editor Carlos Vinhal

Espero que o nosso Editor e os demais co-Editores não fiquem zangados comigo, pois dirijo este mail ao pai dos CONTRAPONTOS, pois sem o estímulo do camarada-Editor Carlos Vinhal, eles não teriam visto a luz do dia (ou da noite, que é quando escrevo).

Aí vai o CONTRAPONTO (2) - "Não vale a pena chorar".

Um abraço para todos
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (2)

NÃO VALE A PENA CHORAR


Teria eu doze ou treze anos e estava em Lamego. Deveria ser Primavera, porque o tempo estava soalheiro, embora instável.

Depois do almoço, o meu Tio disse-me: - Rapaz, se logo à noite estiver bom tempo, vamos ali à Avenida ver a tropa chegar das manobras.

Não chovia. Sob a luz difusa dos candeeiros formavam-se pequenos grupos de pessoas, que, repetidamente, olhavam para o lado de quem vem da Senhora dos Remédios. A ideia que tenho é que não foi uma espera muito longa.

Começou a ouvir-se um sussurro ao longe, lá para o fundo escuro da Avenida. Um barulho surdo e contínuo aproximava-se.

Surgiram os primeiros homens, em formatura, batendo pesada e ritmadamente com as botas no chão, com capacetes na cabeça, armas em bandoleira, vestidos com uns capotes castanhos cor-de-terra quase até aos pés, carregando alforges da mesma cor. E passavam, passavam, passavam, pareciam nunca mais acabar. A imagem que guardo de cada um deles é a mesma da estátua do “Soldado Desconhecido”.

Marchavam com aspecto cansado, como condenados à morte. Mas o espanto maior não foi esse aspecto da formação militar que passava, batendo com as botas no chão. Não! O espanto maior foi porque eles CANTAVAM ao ritmo das passadas. Ainda recordo duas quadras, que o meu Tio me repetiu mais tarde:

Oh Laurinda, oh Laurinda
Não vale a pena chorar
Tu já sabias, Laurinda
Que eu ia p’ra militar.

Que eu ia p’ra militar
Que eu ia p‘ró Regimento
Oh Laurinda, oh Laurinda
Não me sais do pensamento.


E passavam, passavam sempre. E cantavam, cantavam sempre.

Passaram os últimos. Acabou-se o espanto.

A guerra acabou. Voltou o silêncio à Avenida.


Recordei isto dias depois de me obrigarem a ficar no CIOE, em Lamego – para fazer o chamado “Curso de Operações Especiais” (não “Ranger”, porque é marca registada nos Estados Unidos da América).

Não imaginara em criança que um dia seria tropa em Lamego, mas que, no final das manobras, não cantaria à Laurinda para não chorar.


Ora, a finalidade do “Curso de Operações Especiais”, segundo nos transmitiram logo no primeiro dia, era atingir a “DUREZA 11” – portanto um grau acima do diamante! No final do curso era entregue aos instruendos (alferes e furriéis milicianos na mobilização) uma fita escura, levemente arqueada, com as palavras “Operações Especiais”. (Parêntesis: Como haveria só um alferes e um furriel por cada Companhia mobilizada, ver-se-iam, mais tarde, impossibilitados de – somente a dois – fazerem qualquer operação especial).

O uso dessa fita, cosida ao alto da manga (direita ou esquerda?) do uniforme garantia “urbi et orbi” a “Dureza 11” do utente.


Era o mês de Novembro ou Dezembro de 1966

Acabado o curso, houve formatura para entrega das referidas fitas. Foram chamados quatro ou cinco, com ordem para darem um passo em frente. E frente a toda a formatura foi comunicado que, a esses quatro ou cinco, não lhes era atribuída a referida fita. Eu estava entre eles, com fundamento em qualquer coisa como resistência passiva.

Apesar do comportamento que lhe era exigido em formatura, um dos excluídos desatou a chorar lágrima a lágrima e, depois, em choro abundante e notório.

Mais tarde soubemos que a decisão fora reconsiderada e, consequentemente, lhe tinha sido atribuída a almejada fita. Chorando, terá conseguido a “Dureza 11”?

Ao contrário da Laurinda, valeu a pena chorar.
(Se é que valeu a pena fazer uma fita por uma fita).

Alberto Branquinho
__________

Notas de CV:

(*) Alberto Branquinho é o autor do livro "Cambança - Guiné, morte e vida em maré baixa" e da série do nosso Blogue "Não venho falar de mim... nem do meu umbigo", que por sua vez deu lugar à série "Contraponto"

Vd. primeiro poste da série de 18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4371: Contraponto (Alberto Branquinho) (1): Mudam-se os tempos

6 comentários:

Anónimo disse...

Caríssimo Carlos Vinhal

Afinal, confirmando a nossa conversa no dia 20 na Ortigosa, o texto estava aí, não se tinha perdido na "estratosfera".
Obrigado pelo esforço na localização.
Outro abraço
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

E á noite, quando os relógios batem pouco e os galos ainda dormem, o da fitinha talvez devido ao pranto não fez chi-chi na cama.
Acordou cedo e...
(é trade mark?)
AB do Torcato

Hélder Valério disse...

Caro Alberto B.

Lembro-me de um velho ditado que será mais ou menos "quem não chora não mama", ou mais afirmativamente "quem chora sempre mama".
Este teu relato poderá vir a introduzir uma versão do tipo "quem chora pode ser Dureza 11"?
Quem sabe! Os tempos são outros, mas....
Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Alberto Branquinho,

Foi um prazer ter-te conhecido, dia 20, e comigo teres partilhado algumas conversas.

Aqui está a confirmação da tua recusa ao grito de "dureza 11". Percebo agora melhor o porquê, já vais no "dureza 12".

Um abraço
BSardinha

Luís Graça disse...

Alberto: o que se aprende contigo! E neste blogue! Não sabia que o diamante tinha uma dureza 10, e o OE português (tens razão, "ranger", tem "copyrigh") a nota 11...

Na minha CCAÇ 12, também havia dois OE: um Alf Mil (Francisco Moreira) e um Fur Mil (o Humberto Reis)...

Por que é que nunca se formaram subunidades exclusivamente compostas por OE ?

Mais importante do que isso, adorei a tua história...Mas sempre ouvi dizer que um homem, e para mais na tropa, não chora.

LG

Anónimo disse...

Camarada Branquinho,
Chegou a tua encomenda!!!
A D.O. ou seria um Nordatlas (?) em vez de aterrar na capitão Guerra, atravessou-se, pois foi parar ao mesmo número da travessa da dita.Só hoje, agorinha mesmo chegado de Coimbra, o meu vizinho mo entregou . Tem-no desde sexta feira passada,mas só hoje me encontrou.
Li o velho "defeituoso" que é delicioso como o é este teu texto dos "Operações Especiais". A minha C.Cav. 8351 teve um furriel O.E., era teso, como o foram todos os outros.
Ao teu dispor
Vasco A.R. da Gama