quarta-feira, 15 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4690: Depois da guerra, o stresse... da paz (1): Em Binta, vivi uma experiência única (José Eduardo Oliveira)

Guiné > Região do Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1965/66) > Emblema da companhia, 1965. Lema: "Nunca ceder"... Autoria: Arquitecto José Pedro Roque Gameiro Martins Barata, irmão do médico da companhia, Alf Mil Médico Alfredo Roque Gameiro Martins Barata.

Louvor colectivo da CCaç 675. O.S. nº 60 do CTIG, de 23 Julho 1965:

De 29 Junho a 24 Dezembro 1964:

• 51 acções de fogo
• 418 casas de mato destruídas
• 80 inimigos abatidos
• 44 prisioneiros
• 107 abatises levantados

A partir de Março 1965 as populações começam a apresentar-se às nossas tropas.

Guiné > Região do Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1965/66) > Convívio com a população da tabanca de Binta. Ao fundo, à esquerda, em tronco nú, e empunhando a máquina fotográfica, o Alf Mil Médico Barata, muito estimado pela população. Foto do José Eduardo Oliveira, 1965.


Guiné > Região do Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1965/66) > A Tabanca Nova, 1965. Fotografia de Belmiro Tavares, ex-Alf Mil, editada por L.G.

A recuperação das populações levada a efeito na Guiné aconteceu
e quem teve a oportunidade de a viver não mais a esqueceu.
É que, efectivamente, depois das operações militares…
em que emboscados,
angustiados, famintos e sequiosos, enlameados…
fizemos a guerra,
também tivemos a paz.
Que construímos com as nossas mãos.
E não interessa a paz…sem população!
Palavras do Comandante da CCaç 675:
«O nosso orgulho de capitães
era termos populações e podermos apoiá-las:
não era termos mais mortos
ou menos mortos, mais tiros ou menos tiros.
E as populações começaram a regressar.
Fizémos um aldeamento,
cuja segurança era feita por eles próprios.
Quando começaram as sementeiras de arroz,
as mulheres vinham entoar aqueles cânticos ao pôr do sol,
que são coisas
que não podemos esquecer"...


Fotos (e legendas): © José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados

1. Texto do novo membro da nossa Tabanca Grande, José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil Enfermeiro, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim (1964/66). Nasceu em 1940, em Alcobaça. Tem 4 anos de serviço militar (1962/66). É jornalista, sub-director do quinzenário regionalista O Alcoa, e autor de Golpes de Mão's - Memórias da Guiné, 2009 (*)


2. Depois da Guerra... o stresse da Paz!
por José Eduardo Oliveira


A quarenta e tal anos da minha passagem pela guerra não consegui arrumar no meu arquivo morto todos os stresses que me acompanharam …depois da guerra. É a tal "guerra sem fim" de que muitos falam.

Mas - assim o penso sinceramente – acho que... nunca a trouxe para casa. Se não dormia... deixava que os outros dormissem!

Nunca passei pelo stress pós-traumático onde... não há tréguas nem acordos de paz!

Guerra dentro da minha cabeça tive algumas. Dentro de casa... tentei sempre não passar as minhas angústias aos outros.

Em momentos de crise fechei-me e aguentei. Com a ajuda de muitos anti-depressivos. E esses, eu sei que serão até ao fim da vida.E sei também dos seus efeitos secundários. É um preço a pagar... Já com muitas prestações liquidadas…

Apesar de tudo, de mal o menos!

Mas sei que muitos tiveram crises. Graves crises. É uma guerra ainda presente em muitas famílias portuguesas.

A sintomatologia é longa. Pesada. Violência física e psicológica. Para si próprios e para os familiares mais próximos.

É dos livros. A agressividade e a passividade. Duas das características mais vincadas nos ex-combatentes que sofrem de stresse pós-traumático. Alguns alternam as duas. Outros são tão absolutamente deprimidos e passivos que não chegam nunca a exaltar-se. A guerra psicológica é intensa. Diária. "O stress de guerra é contagioso e crónico", como afirmam especialistas.

A quarenta e tal anos da minha passagem pela guerra alguns dos meus stresses de paz sobrepõem-se aos de guerra…

Vou tentar explicar:

Vivi em tempo em guerra uma experiência comunitária tão intensa e tão próxima de uma sociedade perfeita que nunca mais encontrei... nada parecido.

Refiro-me, obviamente, à sociedade dita normal, em que tive de me integrar depois do regresso da guerra em 1966.

A minha experiência comunitária foi ainda muito marcado por um chefe. Também não voltei a encontrar ninguém do seu gabarito nos quarenta e tal anos seguintes…

No Norte da Guiné, em Binta e sua região, criámos uma comunidade «ancorada» numa unidade militar que (re)fez uma aldeia, onde chegaram a viver cerca de mil pessoas.

Nessa aldeia e nesse tempo fizemos quase tudo. E com as nossas mãos. Reparação de casas e armazéns, arruamentos, uma pista de aviação, uma capela, um posto de enfermagem. Abrimos poços, instalámos luz eléctrica. Fizemos escolas e creches. Fomos professores, engenheiros, arquitectos, operários especializados. Fizemos hortas. Tivemos um aviário. Demos nomes às ruas e fizemos as respectivas placas toponímicas. Reparámos o cais. Fizemos um campo de futebol, organizámos jogos e competições, fizemos um jornal. Tínhamos o nosso próprio 'totobola'. Capturámos uma manada de vacas. Fizemos uma ferra do gado e organizámos uma tourada. Tivemos uma biblioteca, vimos cinema (com ajuda da Marinha de Guerra), desfiles de Carnaval e marchas populares.


E…mais importante que tudo, ajudámos as populações. Assegurámos-lhes condições de vida que, talvez, nunca tivessem tido anteriormente. Ajudámos nas suas sementeiras e na assistência médica.

Conseguimos o respeito e a estima da população.

O Presidente da Câmara de Binta – leia-se Comandante da 675 - governava com segurança e justiça, e era receptivo a todas as ideias de quem queria fazer alguma coisa. Pode-se dizer que todos -uns mais que outros, obviamente –se empenharam no crescimento e valorização dessa comunidade. Até com obras de arte, como foi o caso da «estrela», desenhada com garrafas de cerveja na Avenida Capitão de Binta, que teve o traço do Campo de Ourique, cenógrafo na vida civil.

O Governo de então só terá falhado nas Secretarias de Estado ligados ao ramo alimentar, o que motivou algumas remodelações no que respeita a vago-mestres.

Quando saímos de Binta…tivemos direito a lágrimas de saudade… dos que ficaram.

Tínhamos sido importantes para eles e... para nós próprios .

O último ano em Binta aconteceu n’outro mundo! Quase que tínhamos esquecido o mundo para onde regressámos em Maio de 1966!

Quando regressámos à Metrópole e à vida civil chocámos com um mundo onde a nossa importância anterior rapidamente se esbateu.

Já estava tudo feito - éramos apenas um pequeno parafuso de uma máquina gigantesca que girava sem cessar – e à nossa volta já não tínhamos a malta da Companhia. Todos tinham partido para as suas vidas. Para longe.

Nos nossos novos empregos aparecem-nos novos chefes, de pequena estatura!

Onde estavam Chefes como o Capitão de Binta!

Os primeiros tempos do regresso foram terríveis. Foi (era)uma luta desigual ! Poucos nos entendiam. Poucos nos podiam ajudar!

Só a família mais próxima conseguia entender um pouco do nosso drama.

Nos primeiros meses corríamos sempre há chamada de cada camarada que se casava. Viajávamos de norte a sul do País para nos voltarmos a encontrar.

Naquelas horas que estávamos juntos voltávamos lá! E o nosso Capitão normalmente estava por perto!

Depois tínhamos que voltar ao mundo dito normal ,onde ninguém falava a nossa linguagem!

Que tempos amargos. Trabalho. Trabalho. E ... solidão.

Lembro-me de há noite, depois do trabalho, no meu quarto da Pensão, em Leiria (trabalhava então no Banco Pinto & Sotto Maior) passar minutos, horas a olhar para um mão, a mirar as unhas. O tempo corria lento e... as noites eram compridas na passagem para um novo dia. Chato, desinteressante... que os outros pensavam que era bestial! Empregado bancário, que bom! Às seis da tarde, fechavam-se os estores e ia-se trabalhar para o 1º. Andar. Às escondidas da fiscalização. À borla, pois claro. Colonialistas eram os da Casa Gouveia, da CUF, na Guiné. Pois!

Quando vinha ao fim de semana a casa, em Alcobaça, o sorriso da minha mãe (sempre a minha Mãe), animava-me um pouco. Os seus mimos, as comidas especiais, o seu amor incondicional, conseguiam encorajar-me a enfrentar mais uma semana da... outra guerra!

Foram longos meses de uma vida adiada, que me consumiu por dentro…

Sentia-me à deriva!

Tive em casa dos meus Pais alguns camaradas da Guiné: O Tenente Pedro Cruz (**), o ex-Alferes Santos, o Rato. Escrevia-me com outros. Chegou a data do 1º. Convívio. Em Lisboa. Pouca gente, por dificuldades de contacto. Mas um dia grande.

Tenho uma foto desse primeiro convívio em Maio de 1967. Já lá vão uns anitos!!!

De vez em quando sabíamos alguma coisa do nosso Capitão que…já era Major. Promovido por distinção. Para orgulho de todos nós.

E …depois o tempo passou… Casamento, nova vida profissional, família aumentada, realização pessoal e profissional, novos Chefes, com nível, casa nova, carro novo, e vitórias nas lutas…do dia a dia!

O retorno de alguma importância…na vida a que me tinha habituado em Binta …na tal vila de Binta…na pequena comunidade do Norte da Guiné onde «o céu era o limite»!

O tempo…o passar dos anos… atenuou as memórias daquele tempo excepcional.

Mais tarde, muito mais tarde…na idade do condor, maduros pela passagem dos anos e com netos por perto…percebemos que…afinal a guerra, a nossa guerra foi uma experiência única quando conseguimos construir a paz.

Se calhar fomos uns privilegiados. Nós conseguimos…com as mãos que fizemos a guerra …fazer também a paz!

Essa experiência única nas nossa vidas perdura ainda.

Não foi fácil ultrapassar o streess da paz…mas conseguimos.

Por alguma razão o emblema da Companhia referia que a 675 nunca cederá.

Não cedeu.

A acreditar em João Turé, natural de Binta, que ao tempo da passagem da 675 pela sua aldeia tinha 8 anos, e é actualmente presença habitual nos convívios da Companhia, ainda hoje os mais velhos falam do bem que a tropa do Capitão de Binta fez na sua região…

Acreditamos que sim… agora com direito às nossas lágrimas de saudade…

Em Binta….no Norte da Guiné…vivemos alguns dos melhores tempos da nossa vida. Lá longe…junto ao Cacheu… nos idos de 60!

José Eduardo Reis de Oliveira

_______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4686: Tabanca Grande (162): José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil, CCAÇ 675, Binta, 1965/66

(**) A CCAÇ 675 teve dois comandantes: Cap Inf Alípio Tomé Pinto (ferido em combate, hoje Ten Gen Ref), o Ten Inf José Pedro da Cruz.

11 comentários:

Anónimo disse...

O "repto" lançado pelo mail do Luis Graça aguçou-me o interesse na leitura deste Post.
Gostei do texto em geral.
A expressão "stress de paz" é muito feliz e criativa pela antinomia e arrasta um certo sarcasmo suave. Já em algum lado escrevi aqui qualquer coisa como isto:-Como era difícil falar com os outros quando regressámos!
Apreciável é a descrição (na primeira parte do texto marcada a vermelho)dos trabalhos e das acções desenvolvidas em Binta pela Companhia do José Eduardo Oliveira.
Mas, coloco TRÊS questões:
1 - Aproveitaram uns tempos de paz ou, pelo contrário, eram frequentemente atacados pelo PAIGC, destruindo-lhes instalações existentes?
2 - Qual era a frequência mensal de operações com duração superior a dois dias envolvendo a maior parte da Companhia?
3 - Há uma referência inicial aos sucessos bélicos, de onde consta o levantamento de 107 abatizes - e minas, não levantaram ou rebentaram minas?

Alberto Branquinho

Valentim Oliveira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
António Matos disse...

Vou deixar que as palavras brotem ao seu ritmo próprio sem me preocupar com a cronologia das referências nem com as dúvidas que suscitem a quem as ler.
São 8 da manhã.
Acordei,levantei-me, abri a janela, respirei fundo o agradável matinal, entreguei-me a uma saudável e demorada espreguiçadela, dei graças à vida e encarei o dia com o entusiasmo que estes preliminares me permitem ...
Tenho uma noção clara das armadilhas que encontrarei a cada esquina mas nem por isso deixarei de viver na esperança de que hoje será melhor do que ontem e que é possível lutar para que amanhã ainda o seja mais.
Ainda que esta filosofia de vida seja intervalada de quando em vez porque a mesma não é rectilínea e ter-se-ão que fazer desvios aqui ou ali por o obstáculo não permitir o confronto directo, é, contudo, um princípio consciente de que com ela ( filosofia de vida ) se evitarão alguns stresses demolidores.
E, tal como na Guiné, faço um esforço de entrega não pessimista nem derrotista para ganhar espaço de reacção ao "inimigo", seja ele o que fôr.
É por isso que tomo como um elixir esta curiosidade de actualizar a leitura do blog logo pela manhã ainda mesmo antes de folhear as páginas dos matutinos e descobrir que o filho esfaqueou os pais, violou a prima de 4 anos, lançou fogo à casa, foi preso mas logo a seguir foi em liberdade pois o juíz declarou que os direitos fundamentais do homem são intocáveis perante a falta da evidência do crime !!! Limitou-se ao celebérrimo termo de identidade e residência ...
Foi neste contexto que li e reli o post 4690 do José Eduardo Oliveira e à medida que o faço sugerem-se-me novos cenários sobre os quais reflicto e exponho.
Desde logo a referência a um Roque Gameiro que de Alfredo nos transpõe para a família do aguarelista mindelense, será ?
É um bom começo pois reporta-nos a uma referência cultural que é sempre bom saber.
Depois entra-se na embrenhada mistura das vidas pelas quais o José passou.
É-nos familiar este trajecto, ora estrondoso, doentio, bafiento, demasiado pré-mortal ou mortal-eminente, diria, mas de estudo sociológico interessante, ora tão estranhamente normal e pernicioso quanto aquele e que não se cansa de nos afrontar e confrontar com fantasmas do passado.
Se, como consequência, aquele originou um stress pós-traumático, então dá-nos largas para dissertarmos sobre o assunto como espectadores de plateia.
Não sei até que ponto essa doença ( é uma doença ? ) se comporta como o comportamento bipolar isto é, tem altos e baixos ? Se assim fôr, seria interessante ouvirmos, numa altura de maior lucidez, quem disso padeça para nos inteirarmos capazmente das marcas físicas que se não vêem mas que fazem parte do nosso espólio de guerra ...
O José fala duma experiência comunitária que, durante a guerra, o aproximou duma sociedade perfeita.
Julgo que é uma expressão literária bonita, repleta dum sentimento pessoal autêntico mas com um excesso de pendor naïf que as circunstâncias provocavam.
Em guerra há ocasiões singulares de um humanismo louvável que nos enche a alma mas, ao primeiro alarme soam as rajadas, caem os corpos, saltam pernas e braços, o sangue encharca o chão e a sociedade perfeita desmorona-se e voltamos à estaca zero.
José, a 2ª parte do teu texto ( sem desprimor para a 1ª ) é notável no entrosamento que fazes na tentativa de inserção na vida civil. Parabéns !
Eu percebo a tua expressão "stress de paz" mas acho-a perigosamente doentia, não sei ...

José Eduardo, recebe um grande abraço pela entrada cá na tertúlia dos ex-combatentes afoitos e destemidos, hoje avós babados e merdelosos perante os netos e as suas ditaduras do quero-posso-e-mando-senão-berro !
Esta sim, a verdadeira sociedade perfeita em que a Vida assume a sua perenidade em pleno !
António Matos
( este texto deveu-se à sugestão do Luís Graça no seu comentário )

Jose Martins disse...

Boa tarde

Estou a organizar a História da CCAÇ 675, dentro dos moldes habituais.

Estou curioso acerca do que o José Eduardo Oliveira tem para contar sobre p Pel.Mort. 980, que foi uma Pequena Unidade que, em 5 de Janeiro de 1965, sofreu oito baixas por afogamento, ou seja, cerca de 25% dos seus efectivos. Esta PU foi mobilizada em Leiria (RI 7) e esteve em Farim entre Maio/64 e Abril/66.

José Martins

Anónimo disse...

A propósito do stress pós-traumátco está aqui http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL1228031-5603,00.html uma noticia interessante.
Henrique Matos

Carlos Vinhal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Vinhal disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Vinhal disse...

José Brás pediu para publicar o seguinte comentário:

José Eduardo Oliveira
Li as duas peças tuas publicadas e muito bem acompanhadas pela palavra do Luís.

Li com especial interesse a segunda e os comentários que recebeu, sem qualquer dúvida, para mim absolutamente inseparáveis para melhor entender os “restos” da campanha dos que embarcaram fardados em Lisboa e regressaram de Bissau dois anos passados na década de sessenta/setenta.

E regressaram, se pelo próprio pé, para uma vidinha quase sempre cinzenta, de busca de emprego em balcão de banco, em carteira de repartição pública, em banca de desenhador da senhora câmara municipal, em deambulações de vendedor de qualquer coisa, se antecedendo o embarque havia já uma ponta de escola, comercial ou industrial, primeiro, segundo ou terceiro ciclo dos liceus…

Falar dos outros, dos companheiros soldados que aguentaram vida ainda mais dura nos porões das “Barcas Novas”, nos refeitórios escassos e muitas vezes roubados, nas imitações de cama em barracões/caserna, em serviços duros e diários, falar desses é falar da volta a esta agricultura piolhosa que o sistema queria “nacional-rural, bucólica, inculta e temente a deus”; é falar de emigração nas costas da polícia e da lei; é falar de fuga dura e aventurosa nos caminhos de Paris; é falar da volta a África, Angola que era a viagem mais barata e permitida a conta-gotas, se não havia ficha na pide.

E ler-te, mesmo que por enquanto apenas os “postes”, é um prazer grande porque confirma a outra parte, o outro lado da alma deste povo cruzado de mil povos, a coragem, o estoicismo, o mata-borrão do sofrimento, o heroísmo, o resto de humanismo que vai desaparecendo na voragem da ideologia global do “mercado” e que aqui perdura, ainda, na comunidade, na sociedade recreativa, no clube de rua, na banda de música, na capacidade de dar a mão.

Na capacidade de dar a vida. Pelo vizinho, pelo irmão, neste caso, branco ou preto.

E ler-te é confirmar o que poderia ter sido (e não foi) o “ganhar a guerra”. Construindo, ensinando, curando, desenvolvendo.

Bem hajam os que assim fizeram. E os outros também, porque a vida era o que era e não o que gostaríamos que fosse, vivemos neste fim de Europa onde a “cultura chegava a Coimbra de comboio”, a máquina a vapor quase um século depois de Londres, os ventos da história colonial se atrasaram mais de cinquenta anos e culpa é sempre dos outros.

Se falei dos comentários e disse da necessidade de os juntar ao teu relato é porque só assim se entende a rica e enriquecedora mistura de gente, gente boa, culta, virtuosa, despojada, heróica, sacrificada, doente da guerra e doente da paz, convivendo no mesmo caldo, saudosos uns, ainda e às vezes disfarçadamente, do tempo das armas, e os que muito lastimam os anos perdidos.

E não é que sejam melhores uns que outros. Aliás, muitas vezes as aluências aparudem.

Obrigado e um abraço
José Brás

Nota:
Quanto a mim, essa do colonialista é uma estória (e uma história) mal contada.

Centenas de portugueses recolhi nos aviões da TAP em Nova Lisboa, aterrando e descolando no meio das escaramuças Unita/MPLA e da perseguição a branco.

Falava com eles. Olhava-lhes os olhos assustados e perguntava-me se esses eram os colonialistas. A maioria analfabeta ou de “poucas luzes”, há duas, três dezenas de anos nas roças da região, jornaleiros como em Portugal, de mau passadio como em Portugal, com salários de miséria e mãos vazias como em Portugal.

A Casa Gouveia?
Não era da CUF, a casa Gouveia?
Provavelmente do banco onde trabalhavas.

A mancarra (sabes que no Alentejo, mancarra é ervilhana?), o arroz, as outras poucas coisas que deveriam ser daquela gente da Guiné, de quem eram…mesmo?

E as riquezas de Angola?
Minhas não, nem tuas, que não fomos capazes de virar as costas. Mem daqueles que deram o coiro, nas roças como brancos, pretos de primeira, ou pretos mesmo, de segunda.
JOSÉ BRÁS

Anónimo disse...

Mensagem do José Colaço, com data de 16 do corrente, enviada para a caixa de correio dos editores:

Luís, acabei de chegar de Queluz via cemitério alto de S. João onde eu e mais uns camaradas, entre eles o nosso comandante ex-capitão Ares, do QP, estivemos a prestar a última homenagem ao nosso camarada Victor Manuel de Salta Durão [ex-furriel], vitima de ataque cardíaco fulminante na noite de 15/07/09.

Luís, pedes um comentário ao P4690 (*): Que Guerra tão bela, tão diferente da que vivi no Cachil, Ilha do Como, em 1964, quase em simultâneo.

Guiné, país pequeno mas, pelo que constato, com guerras diferentes.
Por este motivo vou usar, para o blogue, o voto de abstenção.

Um abraço, Colaço.

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

ola
faleceu em combate,dia 06/12/2014,carlos jorge vitorino dos santos.
a luta,contra o equisema pulmunar não o fez ceder no medo ou receio.a corrente não cedeu,tal como o lema da 675.
morreu com saudades vossas e do capitão tomé pinto que sempre admirou.
sofreu de stress pós-traumático que me trouxe problemas e que um dia tive que lhe explicar.tivessem descuberto ou reconhecido antes e eu não tinha sofrido com a vossa estadia em binta e guindaje.nunca foi violento foi respeitador,mas tinha uns ataques de nervos estranhos que nunca me foram explicados.
um bem haja a toda a 675 guiné 1963/1966