terça-feira, 21 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4719: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (17): Segundo ataque ao Olossato

1. Mensagem de Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70, com data de 20 de Julho de 2009:

Caros editores,

Não sei quem está de serviço, mas sei que de certeza merecia estar de férias. Aqui vai mais um episódio da história da CCaç 2402, para ser lida por aqueles que não estão na praia a tomar banho.

Um abraço a todos,
Raul Albino



CCaç 2402 - Segundo Ataque ao Olossato

Edifício da administração da companhia destacada no Olossato (nesta altura a CCaç 2402)

Relato sintético do ataque:

A 18 de Janeiro de 1970, pelas 17,00 horas, deu-se o segundo ataque ao aquartelamento do Olossato, efectuado por um numeroso grupo inimigo.

Mais uma vez o nosso Capitão Vargas Cardoso não estava presente, encontrando-se em Bissau, possivelmente a tratar de assuntos da Companhia ou em consulta externa. Estas coincidências não podiam ser acidentais. Era mais que certo que o inimigo tinha informadores bem colocados que transmitiam essas ausências do Comandante da Companhia, procurando o inimigo desencadear os seus ataques nesses períodos, esperando encontrar a guarnição enfraquecida ou pelo menos descoordenada. Nas ausências do nosso Capitão, ficava no comando o alferes mais antigo, nesse dia estava o Alferes Brito a assumir essa função.

O inimigo flagelou o quartel e povoação durante cerca de 50 minutos, utilizando fogo de Canhão S/R, Morteiros 82 e 60, Metralhadora Pesada, Lança Granadas Foguete e armas ligeiras automáticas, das direcções de Mabar, Cansambo e Maca.

As nossas tropas reagiram prontamente pelo fogo de Morteiro 81 e 60, Lança Granadas Foguete e Metralhadora Breda, bem como pela manobra de um grupo de milícias que saiu na perseguição do inimigo. Face a esta reacção o inimigo não conseguiu obter grandes êxitos, embora devido à surpresa ainda tivesse incendiado duas moranças da povoação, ferindo 7 nativos, ficando um deles em estado grave. O inimigo conseguiu ainda raptar 3 homens da população que se encontravam em trabalhos agrícolas.

O aquartelamento sofreu pequenos danos materiais.

O que este ataque teve de original, digno de referência:

Neste ataque ao Olossato deu-se um episódio interessante que vale a pena contar.

Já depois do ataque ter passado, entra-me espavorido no quarto o Alf Brito. Gritava-me ele:

- Anda depressa que está na sala do soldado uma granada de morteiro 82 que não rebentou. Como tu és especialista em minas e armadilhas, vai lá tu resolver o assunto!

Bom, lá fui com ele ver o que se passava e fiquei pasmado quando me deparei com uma granada de morteiro 82, em cima da mesa de ping-pong, com o focinho – parte da frente da granada que contem o detonador – partido, podendo rebentar a qualquer momento.

A espoleta poderia reagir ao mais pequeno toque, rebentando, ou pelo contrário, ter ficado irremediavelmente danificada. Esta granada partiu o focinho porque atingiu o telhado da sala do soldado, que era feito em telha de Marselha. A telha não teve resistência suficiente para provocar a detonação, pelo que a granada fez um buraco no tecto, partiu a parte dianteira e caiu desamparada em cima da mesa de ping-pong.

Mesa de ping-pong onde caiu a granada que não explodiu, danificando ligeiramente o tampo

Vendo aquilo virei-me para o meu colega Brito, que estava um pouco nervoso pela responsabilidade de estar na situação de comandante do quartel, e disse-lhe:

- Olha, eu como especialista de explosivos, fui instruído para em situações de material instável – como era o caso desta granada – esse material deva ser destruído no próprio local, não devendo ser removido por se desconhecer em que estado ficou a munição. Isso, de facto, é uma incumbência minha ou de qualquer outro especialista desta área, mas como não é isso que com certeza tu queres, pois a sala do soldado ia pelos ares, o que tu pretendes é que a granada vá lá para fora para ser então neutralizada, não é?

Tinha-se reunido à nossa volta um conjunto de mirones, militares e nativos, a observarem a situação, cheios de curiosidade temerária. Então continuei:

- Levar a granada para a rua, é uma coisa que não requer especialização e tu próprio o podias fazer. Basta pegar nela ao colo, fazer votos para que não nos rebente nos braços e levá-la lá para fora para a rua, para o especialista tratar do assunto.

O nervosismo dele aumentou, especialmente devido à plateia que ali se reuniu a escutar o nosso diálogo. Aí eu acrescentei:

- OK! Eu levo a granada, mas afasta-te com toda essa gente, porque se a granada explodir que provoque o mínimo de baixas.

Cada vez mais nervoso, ia-me dizendo a tudo que sim. Afastou o pessoal que nos rodeava e qual não foi o meu espanto quando eu, já com a granada no colo, me apercebi que o meu colega Brito não se descolava de mim um segundo, acompanhando-me sempre até ao local onde depositei a granada, alheio aos meus conselhos para se afastar.

Em suma, se a granada explodisse morríamos os dois inutilmente, porque ele, possivelmente depois do que eu lhe disse, não estava bem com a consciência se me deixasse correr aquele risco sozinho.

Devo confessar que eu, no lugar dele, tinha-me afastado mesmo.

2. Comentário de CV

Raul, tenho a certeza absoluta que farias exactamente o mesmo que fez o teu camarada Brito. A solidariedade em tempo de guerra não se compadece com as regras de segurança.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4345: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (16): Emboscada nocturna no Olossato

5 comentários:

Anónimo disse...

Raul Albino

Sei bem o que o que deves ter sentido por causa dessa "menina",tu e o Brito. Por mais anos que vivas,com certeza que esses momentos, não mais esquecerás.
Um abraço
Luis Faria

Mário Viães Lemos disse...

Também estive no Olossato, em 1968 e principio de 1969. Tomei a liberdade de colorir a foto do interior do aquartelamento e gostava de saber o seu email, para a enviar.

O meu email é mario-lemos@sapo.pt

Mário Lemos, ex furriel miliciano, Armas Pesadas

Anónimo disse...

Obrigado Luis Faria e Carlos Vinhal. De facto, em certos momentos, não temos alternativa, temos de fazer aquilo que esperam que nós façamos, independente da justeza da acção, e isso nunca esqueceremos ao longo da vida.
Mário Lemos, devemos tratar-nos por tu e eu espero de ti, como meu antecessor no Olossato, que me digas se durante a tua estadia notaste a tendencia de os ataques ao quartel acontecerem na ausencia do comandante da companhia, ou isto só aconteceu connosco?
Meu email: ralbino@sapo.pt

MANUEL MAIA disse...

CARO RAUL ALBINO,

FOI PRECISA MUITA CORAGEM PARA ANDAR A PASSEAR DE GRANADA DE MORTEIRO 82 AO COLO ANTES DE A FAZER DETONAR.

ERA NESSA ALTURA QUE OS AB FAZIAM FALTA PARA JUSTIFICAREM AS MEDALHAS...

UM ABRAÇO
MANUEL MAIA

António Matos disse...

Caro Raul Albino, estou em crer que qualquer pessoa que leia o teu post tenderá a ficar impressionado com a situação que tão bem descreves mas permite-me que, na qualidade de "mineiro" que também fui, sinta calafrios com a tua atitude e coragem perante tão periclitante situação.
A esta distância e não tendo vivido o drama, sou levado a pensar que o mal menor seria mandar a sala do soldado para as horas do c... !
Optaste pela hipótese menos barulhenta, é certo, mas correste riscos mal calculados e desnecessários.
A verdade é que aquela bomba não explodiu e hoje estamos aqui a recordá-lo, felizmente.
Parafraseando o Manuel Maia, foi pena o AB não estar presente nessa altura para nos mostrar como se comportavam alguns heróis ultra-medalhados ( desculpa lá a colherada mas não resisti ... )
Um abração,
António Matos