terça-feira, 4 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4779: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (5): “O Campo de Ourique” da CCAÇ 675, Binta - 1964/66

1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 5ª estória, com data de 03 de Agosto de 2009, a que deu o seguinte título:

O «Campo de Ourique»

Carlos Dias Rodrigues de seu nome era um alfacinha de gema. Cenógrafo na vida civil foi na “675” 1º Cabo – Auto.



Opinioso e de palavra fácil percebia-se que se sentia melhor junto de Sargentos e Oficiais de que junto dos seus «pares».


Era metódico e cuidadoso na sua especialidade e, sempre que podia, questionava as ordens e... não deixava de "dar troco" ao seu furriel das «viaturas»...


O «Campo de Ourique» não tinha complexos de inferioridade...


Durante a fase mais complicada da vida da Companhia em termos operacionais «apanhou» com um mini-estilhaço de granada que o fez cliente assíduo do Posto de Socorros.


Queixava-se da cabeça e tantas queixas fez que a sua «crónica» dor de cabeça nem sempre foi levada muito a sério.


Pelo menos com a «seriedade» que o «Campo de Ourique» julgava que merecia. Julgamos que o «mini-estilhaçado» nunca foi localizado!


Depois na 2ª. Fase da Companhia – regresso das populações e melhorias do aquartelamento – foi sempre colaborante embora com pecadilho de anunciar «super-produções» que...demoraram o seu tempo a realizar.


Mas finalmente fez obra e foi o grande responsável pelo embelezamento da “Avenida Capitão de Binta”, com uma gigantesca “estrela” feita com garrafas de cerveja... Garrafas vazias, está claro...

Depois... no regresso foi presença assídua nos convívios da Companhia – referindo sempre que estava por perto alguém ligado ao S. Saúde o célebre estilhaço da cabeça.
Com estilhaço ou sem ele... esteve ligado a um dos momentos mais conseguidos de uma das festas realizadas em Lisboa.

Ligado ao teatro – recordamos que era cenógrafo – conseguiu bilhetes para a malta da “675” que, nesse ano, depois do almoço, foi assistir a uma peça que era protagonizada por Jacinto Ramos e Irene Cruz.

Durante a representação o actor principal – um “grande senhor” do teatro e do cinema – interrompeu a cena para dedicar algumas simpáticas palavras aos ex-combatentes da “675”, que se encontravam na plateia.

Foi um momento muito bonito que ficámos a dever ao...Campo de Ourique.

Depois os anos passaram e... o «Campo de Ourique» foi sempre aparecendo mas percebia-se que já não era o mesmo.

Num dos últimos convívios ficámos ao pé dele. Conversámos muito e ouvimos da sua boca um testemunho impressionante.

Tinha um filho apanhado pela droga. Estava a fazer uma «autêntica Via Sacra» pelos locais onde se vendia e consumia droga para tentar perceber o que tinha levado o seu filho para aquela «zona da vida»... tão perto da morte.

Confessou-me que já tinha ido vezes sem conta ao Casal Ventoso e não conseguia perceber a opção de vida... dos drogados.

Era um homem amargurado. Muito amargurado.

Desconhecemos como acabou o drama que o atormentava.

Julgamos que... não acabou bem.

Um homem da cidade, da grande cidade, refugiou-se nos últimos anos da sua vida na Madeira. Na Ilha de Porto Santo...

Onde veio a falecer em 18 de Outubro de 2005.

Recordamos com respeito o «Campo de Ourique».

Carregou penas bem pesadas. Que a terra lhe seja leve.

Em tempo:

Telefonou-me ontem o Tavares. O ex-Alferes Belmiro Tavares, da CCaç. 675. Havia boas notícias do filho do “Campo de Ourique”.

O rapaz estava curado. Tinha casado e era um homem novo.

Caro Carlos estejas onde estiveres aqui fica a boa nova e, por favor, descansa em paz.

Os teus amigos( ainda por cá…) podem agora ,de novo, recordar-te com um sorriso .

Algures no tempo… a tua gigantesca “estrela” da Avenida Capitão de Binta brilha agora de novo na noite do Norte da Guiné “Estrela” feita com garrafas de cerveja... Garrafas vazias, está claro...mas com a tua marca de cenógrafo, de homem das artes, de artista, de sonhador!.

Boa noite, Carlos.

Um abraço Amigo,
JERO
Fur Mil da CCAÇ 675
Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro José E. Oliveira
Tenho lido com bastante interesse as diversas histórias que já enviaste mas relativamente a esta, até pela envolvência que se reveste com problemas actuais, não podia deixar de intervir, lamentando "as guerras perdidas" de boa parte desta juventude , mas congratulando-me por esta vitória conseguida.
É verdadeiramente notável o que relatas sobre o esforço de pesquisa desse pai no sentido de tentar perceber o processo de desenvolvimento de degradação de quem se enreda nos meios da droga.
Um abraço
Hélder S.