domingo, 6 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4901: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (16): Soldado anónimo


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, que foi Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos mais um texto do seu baú de memórias:

Camaradas,

Continuando as minhas memórias retirei do meu velho baú este texto, a quem prestei uma pequena actualização.

Por acho o assunto sempre actual e de grande interesse colectivo.

Chamei-lhe:

"SOLDADO ANÓNIMO"


O "Soldado Anónimo" é uma figura de personalidade sensível mas muito forte, criada por mim e que eu muito estimo e admiro.

Ser “Soldado anónimo” não é o mesmo que ser clandestino, exilado ou objector de consciência.

“Soldados anónimo” foi todo aquele Homem, de várias raças e credos, a quem, atribuíram um simples número mecanográfico, serviu o melhor que pode e sabia, muito para além daquilo que o cumprimento do dever lhes exigia, nas Forças Armadas desta Nação, e que depressa foi passado ao esquecimento, pelos seus irresponsáveis e incompetentes políticos e instituições da Tutela.

Muitos Homens que passaram despercebidos num problemático conflito armado, apesar de se terem entregados de corpo e alma, em nome de valores que lhe eram incutidos. Valores uns patrióticos e outros moldados à causa de um regime político, que os chamava para bem longe das suas terras, famílias, escolas, amigos, etc.

Depois eram embarcados para uma guerra, em inúmeros casos via limites extremos, para a execução prática de missões perigosas e mortíferas, para as quais muitos estavam mal preparados, fracamente formados e, deficiente e obsoletamente armados.

Foi a grande massa de uma geração jovem, de uma Pátria, a quem deram o seu melhor como podiam e sabiam, sem nada pedir em troca, onde pouco ou nada podiam questionar e apenas… cumprir. Quem ousasse questionar, lembram-se, tinha logo a PIDE à perna, os calabouços e, certamente, o degredo político. Foram enviados para a guerra “evangelizados contra o turra” até á raiz dos seus seres e intencionalmente despolitizados.

Sofreram na pele todas as amarguras do conflito; sofrimento, fome, miséria, dor e morte mas, mesmo assim, foram magnânimos nas suas acções e espontâneos e correctos, sabe bem Deus como, na execução das suas comissões.

Foi uma geração inteira - a mocidade do meu país de então -, que ninguém conhecia em terras distantes de Além-mar, de quem nos últimos 35 anos se evita falar, a quem o poder tutelar não reconhece os méritos dos seus Feitos Históricos, como foram o defender a nossa Bandeira, da nossa Cultura, da nossa Religião e dos nossos Compatriotas que lá viviam, procriavam, construíam, negociavam, etc.

Embarcaram para África como “Soldados anónimos”, regressaram como proscritos, e como desconhecidos permanecem.

No regresso, perderam-se na plenitude duma Metrópole alheia aos problemas e conflitos africanos, na sua lufa-lufa de sobrevivência diária, do mesmo modo quase completamente despolitizada. Mesmo os Camaradas bem colocados na política ”esqueceram” os seus restantes Camaradas, em nome de interesses político-partidários.

Dividimo-nos todos, cerca de 1 milhão de ex-Combatentes, pelos motivos mais diversos e mesquinhos, a que não é alheio, fundamentalmente, o egoísmo e o egocentrismo pessoal, em maiores ou menores doses, de cada um.

Tornamo-nos assim incómodos, insignificantes e minúsculos para que nos vejam?

Quantas vezes não fomos envergonhados pelos nossos próprios amigos e familiares, por diversos motivos, e ostracizados e desprezados pelos sucessivos governos deste país?

Sujeitamo-nos a leis pseudo-progressistas, rotulagens, perseguições e paranóias pós-abrilistas, que nos marginalizaram e quase nos destruíram, e continuamos a perguntar a Deus, que mal fizemos para merecer tal sorte?

Concluamos que o que muitos nos desejam, consciente e criminosamente, é a morte!

Talvez depois de mortos ressurjamos das cinzas e nos prestem então (para quê?), a devida justiça e algumas tardias e bacocas homenagens e honrarias.

Esta é a saga de muitos milhares de anónimos, soldados como eu, que combateram por este País numa terra longínqua e então traiçoeira chamada… Guiné.

Terra esta, com um povo adorável, que nós estranha e enigmaticamente continuamos a sonhar!

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Imagem: Casimiro Carvalho (2009). Direitos reservados.
___________

Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

1 comentário:

MANUEL MAIA disse...

CARO MÁRIO PINTO,

SOLDADOS ANÓNIMOS FOMOS TODOS OS QUE DEMOS O CORPO AO MANIFESTO NA QUALIDADE DE "AMADORES"...

NÃO PORQUE AMÁSSEMOS O QUE QUER QUE FOSSE QUE OS PROFISSIONAIS NOS IMPINGIRAM(E A QUEM CABIA A OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ESSES SERVIÇOS...).

O AMOR PELO SERVIÇO ERA DELES,MAS QUEM APANHOU A BATATA QUENTE FOMOS NÓS...

ELES,OS "ONZES", ABÊS E TANTOS OUTROS,USAVAM OS ANÓNIMOS PARA SE GUINDAREM AO GALARIM DA FAMA.

FOI BOM EVOCARES OS ANÓNIMOS.
UM ABRAÇO

MANUEL MAIA