domingo, 6 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4904: Notas de leitura (21): Grandes Batalhas Navais Portuguesas, de José António Rodrigues Pereira (Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos, (*), ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, com data de 1 de Setembro de 2009:

Caríssimo Carlos Vinhal,
Junto uma recensão de uma obra que certamente agradará os tertulianos.
Aqui temos a versão mais recente sobre a Operação Mar Verde, tão ilustrada no nosso blogue.
Recebe um abraço do
Mário



Grandes batalhas navais portuguesas:
A Operação Mar Verde (1970)


Beja Santos

O capitão-de-mar-e-guerra José António Rodrigues Pereira, professor da Escola Naval e do Instituto de Estudos Superiores Militares, director do Museu da Marinha, é autor da obra “Grandes Batalhas Navais Portuguesas, Os combates que marcaram a História de Portugal”, (A Esfera dos Livros, 2009). É um repositório feliz e útil sobre episódios e batalhas navais, entre 1180 e 1970. Na introdução, o autor refere-se à importância do mar logo na conquista de Lisboa aos mouros, na contenção dos piratas mouros, nas expedições luso-genovesas às Ilhas Canárias, depois no quadro de toda a expansão portuguesa do séc. XV em diante. No tocante à participação da Armada das lutas da Guiné, Rodrigues Pereira escreve que “A Guiné foi o teatro de operações onde a Armada desempenhou, em termos tácticos e estratégicos, uma acção vital; tal ficou a dever-se às características geoidrográficas daquele território, com grandes vias fluviais e marítimas que permitiam a rápida movimentação do pessoal e material”. E descreve como e quando: “Logo a seguir às primeiras acções armadas do Movimento para a Libertação da Guiné foram enviadas para a Guiné duas lanchas de fiscalização pequenas (LFP) e, seguidamente, uma lancha de fiscalização grande (LFG) e duas lanchas de desembarque pequenas (LDP); seguiram-se em Janeiro de 1962, um Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE) que iniciou prontamente a sua actividade operacional e a recolha de informações. Em 1963, a Armada enviou mais dois DFE, uma Companhia de Fuzileiros (CF), três lanchas de desembarque grandes (LDG) e duas LFP”.

O autor introduz a Operação Mar Verde a partir do objectivo do enfraquecimento do PAIGC e dos seus abastecimentos transportados por via marítima e fluvial. Sabia-se, em 1969, que o PAIGC dispunha de três pequenos navios e três lanchas rápidas, tipo P-6 de fabrico soviético. Estas P-6 eram lanchas-torpedeiras de 75 toneladas com 25,7 metros de comprimento e 43 nós de velocidade (duas vezes e meia superior aos navios portugueses mais rápidos), armadas com dois tubos lança-torpedos e quatro peças de 25 milímetros; a sua tripulação era de 25 homens. Acresce que a República da Guiné dispunha de quatro lanchas do tipo Komar, ligeiramente maiores que as P-6, e que dispunham de dois mísseis SSN-2 Styx, que eram uma verdadeira ameaça à superioridade naval portuguesa, não existindo meios para lhes fazer frente.

É nesse contexto que surgiu a ideia de neutralizar estas lanchas através da colocação de minas nos cascos por mergulhadores. O general Spínola e o almirante Reboredo e Silva (chefe do Estado-maior da Armada) aprovaram a operação e o capitão-tenente Alpoim Calvão foi encarregado de procurar este tipo de material, que veio a ser fornecido pelos serviços secretos sul-africanos. Fizeram-se pesquisas para reconhecer os planos do porto de Conacri. Em Bissau o general Spínola e o capitão-tenente Alpoim Calvão, propondo que nesta incursão a Conacri se devia também tentar trazer os 26 prisioneiros portugueses em posse de PAIGC. Os objectivos foram reavaliados, medida em que a Força Aérea não podia pôr em competição os seus Fiat com os MIG-15 e MIG-17: destruir os MIG era tão importante como destruir as lanchas.

Aos poucos, o objectivo da operação ofensiva dilatou-se a uma escala muito ambiciosa: realizar um golpe de Estado em Conacri, por essa via enfraquecer o PAIGC, destruir os MIG, trazer os prisioneiros portugueses, entre outros. De um simples golpe de mão passou-se para uma opulenta operação anfíbia. A PIDE/DGS deu informações preciosas sobre o principal movimento de oposição a Sékou Touré. Entendeu-se que se devia apoiar um golpe de Estado desse movimento de oposição, cobertura para ocultar a operação portuguesa. Observa o autor que “As altas hierarquias portuguesas não eram favoráveis a este tipo de operações, vistas como um risco demasiado elevado nas suas consequências políticas. Temia-se que servissem de pretexto para um intervenção internacional contra Portugal, um dos piores cenários que poderiam apresentar-se aos governantes portugueses”.

Marcelo Caetano mostrou-se favorável à operação contra Conacri, com a condição de que ela fosse realizada de modo a que ninguém se apercebesse que Portugal estava envolvido no golpe dos opositores de Sékou Touré.

Nasceu assim a Operação Mar Verde: preparação dos militares oposicionista a Sékou Touré, cuja recrutamento se transformou numa operação delicada; recolha de informações sobre a República da Guiné; e laboração dos planos de ataque, cabendo aos militares portugueses algumas das missões cruciais para o sucesso do golpe de Estado, cujo ponto alto era a eliminação física de Sékou Touré. A Operação Mar Verde foi gizada com uma operação anfíbia durante a qual seria realizado em simultâneo um elevado número de golpes de mão, comissões bem demarcadas para cada equipa.

Não cabe aqui desenvolver como se preparou e como decorreu a Operação Mar Verde, aliás bem documentada por Rodrigues Pereira. Sabe-se que uma boa parte dos objectivos foram alcançados, com a excepção do essencial: não se encontrou Sékou Touré, falhou o golpe de Estado, a rendição de um grupo de comandos africanos denunciou para o mundo inteiro a paternidade da operação, não se destruiu um só MIG. As forças navais de Conacri e do PAIGC desapareceram e foram libertados os prisioneiros portugueses. Se houve um balanço militar positivo, as consequências políticas revelaram-se calamitosas, prosseguiu e aprofundou-se o isolamento de Portugal.

A todos os títulos, para quem quer conhecer com o detalhe necessário os combates navais que marcaram a nossa História, o livro de Rodrigues Pereira é muitíssimo interessante, uma verdadeira surpresa.
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Nota de CV:

(*) Vd. último poste de Beja Santos com data de 6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4902: Controvérsias (27): Haverá alguma relação entre Porto Gole/Guiné-Bissau e Port Cole/Carolina do Sul? (Nelson Herbert/Beja Santos)

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 – P4903: Notas de leitura (20): Histórias do pessoal da CCAÇ 2382, por Manuel Traquina (Parte I) (Luís Graça)

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