domingo, 6 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4905: Blogoterapia (123): Aos políticos, governantes, a quem pode decidir (Carlos Farinha)

1. Mensagem de Carlos Farinha (*), ex-Alf Mil da CART 6250/72, Mampatá e Aldeia Formosa, 1972/74, com data de 2 de Setembro de 2009:

Caro Luís e restante equipa editorial

Já há algum tempo que trago algo a incomodar-me e decidi partilhar esta minha inquietação com a Tabanca Grande. Escrevi o texto que anexo e não ficarei ofendido se não puder ser publicado.

Um abraço
C.Farinha


Aos políticos, governantes, a quem pode decidir

Hoje, é um regalo ver as despedidas ou a recepção feita no regresso, aos nossos militares quando partem ou regressam de missões, que nunca excedem alguns meses, no estrangeiro com a gente graúda, militares e políticos, a comparecerem em peso e a mediatização que tais acontecimentos têm sendo amplamente divulgados pelas televisões em horário nobre.

Os tempos são outros, e ainda bem que mudaram, mas não posso deixar de sentir um nó na garganta quando me lembro da minha partida para a Guiné, pela calada da noite, escondidos de toda a gente, como se de um bando de malfeitores se tratasse, com partida ainda de madrugada.

Hoje, os nossos militares têm cumprido missões de guerra em locais perigosos com reconhecida competência mas, segundo se diz, são voluntários e, acho que, bem remunerados, bem treinados e equipados.

Não foi o caso da maioria dos ex-combatentes que foram obrigados a ir, com uma deficiente preparação militar e colocados em locais perigosos militarmente e, muitas vezes, sem quaisquer condições.

Terminado o conflito colonial, parece que houve pressa em colocar uma pedra sobre esse passado incómodo e, nomeadamente, sobre treze anos de guerra e as desgraças que daí resultaram.

Daí que, acho dever fazer algumas perguntas, à laia de desabafo, à classe que nos tem governado, chamo-lhes uma classe porque pelas decisões que tomam ou não, parece que vivem num mundo diferente do meu, o mundo real:

Nunca mais ouvi falar nos ex-combatentes. Seja em programas de apoio psicológico, assistencial ou outro, seja qualquer outro tipo de ajuda que a eles se destinasse. Como todos sabemos, muitos de nós nunca mais atinaram com o rumo certo.
Nunca ouvi falar que tenha sido efectuado o levantamento rigoroso dos nossos mortos que ficaram sepultados em locais inóspitos ou cemitérios e se procedesse ao levantamento e repatriamento dos seus restos mortais. Um país que não respeita os seus mortos que deram o seu bem maior em sua defesa, depois de os obrigar a trilhar esse caminho, não merece o respeito dos seus filhos.
Nunca ouvi falar que aos africanos que acreditaram em nós, que combateram lado a lado connosco e aos quais muitos de nós devem a vida:

- Fossem pagas as pensões devidas.
- Tivessem apoio médico ou outro para fazer face às mazelas ocasionadas pela guerra.
- Fosse atribuída a nacionalidade portuguesa e trazidos para Portugal, se fosse esse o seu desejo.
- Que nas negociações de transição de soberania fosse garantido o respeito pela dignidade humana dos ex-combatentes autóctones.

Portugal tem que assumir o seu passado sem vergonhas, por inteiro. Os nossos políticos, alguns deles também são ex-combatentes, têm de assumir o país como ele é, e os ex-combatentes são uma parte, ainda significativa, desse país. Os nossos governantes andam preocupados com combatentes doutros países, vamos receber dois presos de Guantánamo por questões humanitárias, e não se preocupam com os do seu próprio país que até, provavelmente, lhe entregarão o seu voto. A falta de consideração dos políticos pelos milhares de ex-combatentes, ficou bem patente na novela da contagem do tempo, passado a arriscar a vida, para efeito de reforma. Qualquer funcionário colonial tinha esse direito nós, carne para canhão, não o tínhamos.

Para mim, o que acho mais grave e que mais dói, não é termos sido tratados da forma como o fomos pelo regime anterior, o que considero grave é hoje, nesta democracia que se quer pujante e participada, sermos ignorados e considerarem que já morremos!

Talvez eu esteja enganado em relação ao que escrevi, talvez não seja bem assim e esta opinião se deva à minha ignorância. Oxalá, eu esteja enganado, seria caso para dizer, bendita ignorância!
__________

Notas de CV:

(*) Vd. último poste de Carlos Farinha com data de 20 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4846: O nosso encontro com o PAIGC em Mampatá (Carlos Farinha)

Vd. últimpo poste da série de 3 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4773: Blogoterapia (122): Ainda choro e me revolto por todas as nossas mentiras... (Joaquim Mexia Alves, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15)

4 comentários:

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro Camarada
Carlos Farinha

Tens toda a razão em te manifestares indignado com os nossos mandantes. São pretinentes e actuais as tuas perguntas a que os mesmos fazem orelhas moucas.
Querem banir da História o dossie da Guerra do Ultramar, para as novas gerações não saberem a merda que fizeram com a Descolonização.
No conceito desta gente não podemos ser considerados pessoas gratas porque sabemos a realidade dos factos.
Fomos marginalizados mas a verdade é como o azeite ´vem sempre a cima.

Um abraço

Mário Pinto

Carvalho disse...

Toda a razão amigo Farinha. Os soldados não recebiam o suficiente para as despesas mais básicas e a alimentação era, nalguns casos, própria de um campo de concentração.Esta situação aliada à insalubridade foi causa da contracção de doenças que debilitaram, de forma irreversível, a saúde de muitos de nós ou encurtou a vida de muitos outros.Pergunto:Não pode (não deve) o estado, antecipar a reforma destes combatentes, muitos deles a trabalhar nas obras e noutros serviços pesados, até aos 65 anos, se lá chegarem?

António Carvalho (Mampatá 72/74)

Unknown disse...

Caro Carlos Farinha

Estou de acordo com tudo o que escreveu, menos com a contagem de tempo para a reforma. O tempo passado na Guiné é contado a cem por cento,
pois mesmo Bissau era considerado mato.O problema não é a contagem o
problema são os descontos para essa contagem.Veja-mos: Eu quando assentei praça já era funcionário público pois era dos quadros dos CTT com descontos para a CGA. Quando me quis reformar pedi a contagem de tempo e enviei-a para a CGA. Descontei 10.000$00 para a CGA
e mais 1.000$00 para o Montepio. Isto podia ser pago em duodécimos.
Os descontos foram feitos pelo ordenado que eu auferia na altura em que assentei praça.
Agora um qualquer que não fosse funcionário público quando assentou praça mas que depois da tropa ingressou no funcionalismo público,pede a contagem de tempo que esteve no Ultramar para efeitos de reforma e envia para a CGA. Eles aceitam só que esse tempo e-lhe descontado pelo ordenado actual que auferem e não pela miséria que ganhavam na altura em que foram incorporados, o que dá umas centenas de contos na moeda antiga.
Isso é que está mal. Na Segurança Social não sei como se processa esta contagem de tempo nem como realizam o acerto de contas.
Armandino Alves

MANUEL MAIA disse...

CARO FARINHA,
POR DIVERSAS OCASIÕES DEI COMIGO A ESCREVER SOBRE ESTE MESMO ASSUNTO QUE BEM EXPLANASTE AGORA.
OS NOSSOS POLÍTICOS,COMO TODOS BEM SABEMOS, NÃO SÃO PESSOAS DE BEM E TÊM-NO PROVADO À SACIEDADE...
ESTA ACHEGA QUE FIZESTE RELATIVAMENTE AOS TERRORISTAS(QUEM LHES CHAMOU ASSIM, E POR ISSO MESMO OS PRENDEU,FOI O TIO SAM...)O GOVERNO PORTUGUÊS,NUMA POSTURA DE "CUECA ARRIADA",UMA VEZ MAIS,SERVILMENTE, FOI O PRIMEIRO A RESPONDER "YES...

O GOVERNO,ESTE E OS QUE O ANTECEDERAM,DESDE A DISTANTE GOLPADA MILITAR,NUNCA FIZERAM RIGOROSAMENTE NADA PELOS EX-COMBATENTES,À EXCEPÇÃO DO POLÍTICO PAULO PORTAS,QUE,QUAL "MÃOS LARGAS"
PRESENTEOU AQUELES QUE JÁ ESTÃO APOSENTADOS COM O FABULOSO ÓBULO DE CERCA DE 30 MIL ESCUDOS/ANO...
QUE FAZER PERANTE UM QUADRO DESTE TIPO,QUE SE VAI PERPETUANDO,NA ESPERANÇA QUE VAMOS MORRENDO,PARA DESSA FORMA PASSAREM UMA CERTIDÃO DE ÓBITO COLECTIVA, OU UTIZANDO OS HISTORIADORES DE SERVIÇO,PAGOS PELO REGIME,(ALGUNS ATÉ NO PARLAMENTO...)PREPARAREM UM EMBUSTE TAL QUE NEGUE MESMO A EXISTÊNCIA DO CONFLITO?

JÁ SÓ TEMOS UMA CAMARADAS...
FUNDEMOS O PARTIDO POLÍTICO DOS EX-COMBATENTES,E COMBATAMOS O PROBLEMA POR DENTRO.
ELES TÊM MEDO DE NÓS.
MUITO RÁPIDAMENTE SEREMOS MAIS DE DOIS MILHÕES,ULTRAPASSANDO O ATÉ AGORA MAIOR AGRUPAMENTO POLÍTICO,

É TEMPO DE LHES DIZER CARA A CARA AQUILO QUE PENSAMOS E TEMOS GUARDADO CÁ DENTRO DESDE 74.

RESPONSABILIZEMOS QUEM TEM CULPAS NO CARTÓRIO...

É URGENTE QUE COMECEMOS POR ALGUM LADO.
PARA JÁ ,BOICOTEMOS AS ELEIÇÕES.

PRESSIONEMOS AS INSTITUIÇÕES DE EX-COMBATENTES E OBRIGUEMO-LOS A FAZER ALGUMA COISA PARA ALÉM DE RECEBEREM AS QUOTAS E PATROCINAREM ROMAGENS...

ISSO SERVE O SISTEMA IMPLANTADO QUE NÃO TENCIONA MUDAR NADA.

RESPONDAM A ESTE TRABALHO DO FARINHA E FAÇAM-NO EM GRANDE NÚMERO.
COMBATAMOS A INÉRCIA E O DEIXA ROLAR EM QUE TEMOS VIVIDO.

FAÇÁMO-LOS TREMER!
MANUEL MAIA