quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4965: Os Nossos Enfermeiros (6): Os Nossos Anjos da Guarda (Joseph Belo)

1. Texto de José (Joseph) Belo (*), ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, enviado em mensagem com data de 11 de Setembro de 2009:

Os nossos Anjos da Guarda

Muitos louvores foram dados a operacionais, e ainda mais foram atribuídos a muitos que, em seguras Repartições de Comando movimentavam... papeis!

Estranhamente, os camaradas dos grupos de enfermagem foram sempre os grandes esquecidos de um mais que justo reconhecimento oficial. Colocados nos Pelotões, eram em verdade, atiradores operacionais... com uma sacola de enfermeiro a tiracolo. Muitas das vezes, os riscos assumidos eram ainda maiores que os dos restantes companheiros de Pelotão. Em reacção humana instintiva, corriam debaixo de fogo intenso tentando auxiliar os feridos bem expostos na picada.

Enquanto nós, empunhando a G3 fazíamos fogachadas intensas (algumas úteis), os enfermeiros tinham ambas as mãos ocupadas com ligaduras, pensos, morfinas e soros. A solidariedade para com os camaradas que sofriam, fazia esquecer tantas vezes a arma, colocada no solo ao lado dos feridos. Nas colunas de reabastecimentos, nas picagens das estradas, nas emboscadas, nos assaltos a acampamentos, nos destacamentos mais isolados da mata, não nos acompanhavam nem médicos, nem senhores oficiais superiores (os tais que tanto gostavam de receber louvores), nem mesmo sequer... capelões!
Tínhamos, sim, como único anjo da guarda o nosso enfermeiro, que muitas vezes se preocupava mais connosco, que nós próprios. Quantas pensagens de membros amputados por minas? Procuravam literalmente com mãos nuas, e recorde-se o material que dispunham, aguentar a vida de um camarada, e tantas vezes amigo.

Nos destacamentos isolados, à falta de psicólogos profissionais, eram os confidentes. Desde os dramas pessoais relacionados com problemas familiares graves, até conversas amigas em que os medos e receios se ventilavam junto do pastilhas que a todos atendia, e principalmente... ouvia!

Desde as diarreias aos paludismos, à pouca vontade de amanhã participar na picagem da estrada por causa de uma má fesada, tudo somado à assistência às populações com partos, pequenas cirurgias, etc, etc, etc.

José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada (1968/70), todo artilhado só para a fotografia, pois havia tomado a opção de não usar nunca a G3, já que as suas armas eram os apetrechos de saúde.

Tive a sorte de compartilhar o 2.º Pelotão da CCAÇ 2381 com o nosso camarada de blogue Zé Teixeira, o nosso inesquecível pastilhas.

Para todos os que têm lido as suas inúmeras contribuições para o blogue, bem pouco se poderá acrescentar. De profunda formação humana, em que a solidariedade, a camaradagem e a incrível qualidade Cristã de procurar sempre explicar o inexplicável, foi um exemplo perfeito dos referidos anjos da guarda.

Quarenta anos já passados, nem os camaradas da Companhia, nem a população de Mampatá o esquecem.

Haverá melhor louvor Oficial, meu querido Camarada Maioral?

Estocolmo 11/9/09
José Belo
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4709: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (7): O meu tecto mais não é que o soalho do vizinho

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4960: Os Nossos Enfermeiros (5): Os Enfermeiros dos Lassas, na lama e no duro (Mário Fitas)

4 comentários:

Zé Teixeira disse...

Meu caro comandante dos Colhões Negros de Mampatá. Tu que em Abrantes eras tão exigente, transformaste-te no irmão mais velho do grupo. Ainda recordo as palavras que me dirigiste quando aportamos em Mampatá. Para ti não havia pretos nem brancos, havia pessoas que deviam ser tratadas em igualdade. Eu por formação e vontade mais a tua ordem, procurei cumprir. Ainda me recordo que logo nos primeiros dias, um milicia tinha o velhinho pai muito doente. A merda não saía cá para fora há mais de oito dias. Pediste uma evacuação urgente para um civil, pois era Segunda Feira e a Dornier só vinha na Quinta.O Major Azeredo quis saber o porquê da urgência e tu respondeste-lhe " eu não sou médico e o meu "doutor" diz que o homem está muito mal. Não te esqueças que me chamavas "doutor" para me arreliares.
O certo é que o homem foi evacuado e voltou dois meses depois. O que não sabes é qual foi o prémio que o filho me deu.
"fermero minha pai fica bom. Cá tem patacão para paga a fermero. Fica kum minjer de mim".Adivinha o resto.
Houve outro sortudo. Apanhou o marido de serviço e . . . o desgraçado quando chegou teve de dormir aos pés. Na manhã seguinte ela veio buscar uma garrafa de azeite para compensar.
Zé Teixeira

Hélder Valério disse...

Caro José Belo
Trata-se de uma bela e justa homenagem aos enfermeiros que, na generalidade, foram inexcedíveis em trabalho abnegado e em dedicação.
De modo particular fazes o elogio do nosso Zé Teixeira. Esse elogio tem todo o mérito por partir dos seus camaradas e compensar a falta dos reconhecimentos oficiais.
No meu entender tem um valor e um significado muito mais profundo.
Um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Ainda bem que voltaste a aparecer porque j'a desesperei de tentar contactar-te por e-mail, pois o que aparece como teu contacto vem sempre devolvido.Manda-me por favor o contaco correctop para conversarmos um pouco e recordar a nossa noitada no teu abrigo em Mampatá antes de ser enfiado em Gandembel.O meu computador volta e meia prega-me partidas.Fica com um abraço do
Hugo Guerra

Anónimo disse...

Caríssimo Camarada e Amigo! Encontro-me em "comissao de servico",por uns tempos,na América do Sul,tendo entretanto mudado o e-mail da minha casa na suécia,e daí,talvez a tua dificuldade em me contactares.Já pedi aos Camaradas da Tabanca Grande o favor de me enviarem o teu e-mail que aguardo.Nao te o escrevo aqui para evitar receber montes de reclames,e....propostas de casamentos! Se quiseres dar-te ao trabalho de contactar o "fremêro"de Mampatá (o Nosso Zé Teixeira) ele te poderá dar moradas. Um grande abraco do José Belo.