terça-feira, 29 de setembro de 2009

Guiné 63/74 – P5027: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (6): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – A morte do Fur. Mil. Tomé!

1. Continuamos a publicar as memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Este é o 6º poste desta sua série, continuando os postes P4877, P4890, P4924, P4948 e P4995:


AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

A morte do Fur Mil Tomé!

Camamudo. Da esquerda para a direita: O Autor, o Furriel Tomé e o Amareleja (soldado da Secção do Furriel Tomé)

Em Março, entramos num programa de rotatividade entre Camamudo, Cantacunda, Banjara e Geba. Dois meses em cada lugar. Começamos por Camamaudo/Cantacunda, onde a vida era comer, dormir, caçar, jogar à bola e, de vez em quando, dar uma volta pelas Tabancas a fim de verificarmos se tudo estava normal e se era necessário alguma coisa da nossa parte.

Em princípios de Maio de 1966, seguimos para Banjara, mais umas operações, mais emboscadas do IN, sem quaisquer resultados práticos ou nefastos para as nossas tropas.

No perímetro exterior, em volta do destacamento, haviam inúmeras armadilhas colocadas pelo Furriel Tomé, para nossa segurança interna.

Por volta de meados deste mês a alimentação escasseou, pelo que, tivemos que recorrer à caça, chegando muitas vezes a irmos até Mansaina em busca de javalis da bolanha, mas, além de alguns rastos, nem vê-los.

Até que no dia 22JUN66 o pior aconteceu, por volta das 07h00/07h30 da manhã, o Furriel Tomé passou por mim, quando eu estava a escrever um “bate-estradas” para a família e me disse, para eu lhe guardar o pequeno-almoço (dado que era eu o responsável pela alimentação, além de estar sempre pronto para todo o serviço), dizendo-me que ia à caça.

Como era costume ele fazer essas saídas sozinho não me preocupei. Passados uns minutos largos, ouvi um forte rebentamento na direcção para o lado onde ele se tinha deslocado.

Eu saí cá fora e pensei: «O Tomé já se foi!».

Por volta das 10h00/10h30, ainda não havia qualquer sinal do Tomé. O Alferes disse-me: «O Tomé ainda não chegou, mas não há problemas pois já é hábito ele, só chegar tarde».

11h00 nada, 11h30 nada. Fui ter com o Alferes e disse-lhe: «Aquele rebentamento está-me a cheirar a esturro, temos que ir à procura dele.»

Nem uma resposta do Alferes. Ao meio-dia, ainda não havia qualquer sinal do Tomé.

Perante a passividade do Alferes, pedi-lhe autorização para ir à procura dele.


Com a sua anuência, chamei um elemento da secção que tinha andado com ele a armadilhar a periferia e, acompanhado da minha secção, da secção do Tomé e da do Furriel Catrola, que também se ofereceu para ir, fomos pela picada fora à sua procura.

A picada era pouco usada, encontrando-se coberta de mato alto e denso. Passados mais ou menos uns quinhentos metros, detectamos a primeira armadilha por ele montada e verifiquei que estava tudo em ordem. Continuamos a marcha em fila indiana, mais uns quinhentos metros em linha aproximadamente, a que se seguia uma curva. Eu ia na retaguarda e, a dado momento, vi todos os que seguiam à minha frente atirarem-se para o chão. Eu fiquei em pé sem saber o que se passava. Fui então ter com o pessoal mais avançado, que me disse que estava alguém deitado no chão, a uns duzentos e cinquenta metros.

Logo me apercebi que aquele vulto era o meu Camarada Tomé.

Combinei com o Catrola a estratégia a adoptar para nos acercarmos do corpo. Eu ia por um dos lados da picada, por dentro do mato, e ele ia pelo outro lado. A secção mais avançada ficou onde estava e só avançaria, se eu desse ordem nesse sentido, ou em caso de emergência, se fosse preciso, avançaria em nosso auxílio sem qualquer ordem.

Também ficou estabelecido que eu verificaria se o corpo estava armadilhado.

Iniciamos então a movimentação conforme o previsto e quando passei ao lado do corpo, pois fui mais até mais à frente um pouco bater a zona, verifiquei de imediato que o corpo era o do Furriel Tomé.

Como não detectei nada suspeito e depois de tomar todas as precauções necessárias à nossa segurança, desloquei-me até ao local onde estava o corpo prostrado e fiz uma pesquisa, em volta e por baixo do cadáver, a ver se encontrava alguma armadilha.

Não encontrei nada, pelo que passei à verificação se o corpo estava mal tratado e, para meu espanto, nem um arranhão se via, excepto um pequeníssimo orifício por baixo da orelha esquerda.

A bandoleira da G3 estava toda estilhaçada, mas a minha maior surpresa era a posição em que ele se encontrava, de joelhos com os braços em cima das pernas e a cabeça metida entre os joelhos.

Perguntei a mim mesmo como foi possível, cair numa armadilha colocada por ele próprio, o que só pode ser justificado pelo seu esquecimento do local da colocação.

Arranjaram-se uns voluntários para irem buscar uma maca e outros para transportarem o corpo.

Como a maca nunca mais chegava, carregamos o Tomé às costas até ao aquartelamento, ficando estendido na cave, em cima dumas tábuas o resto do dia e durante a noite, porque só no dia seguinte é que uma coluna o veio buscar.

Secção do Furriel Tomé (o quinto a contar da esquerda), na foto ajudando a construir o abrigo em Banjara, em DEZ1965, e que faleceu em 22JUN66, numa armadilha montada pelo próprio

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: © Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

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