terça-feira, 3 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5197: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (12): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Ataque à Tabanca de Sinchã

1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, autorizou-nos a publicar as suas memórias, sendo esta a 12ª fragmento. A série foi iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Ataque à Tabanca de SINCHÃ SUTU
em 24 de Janeiro de 1967

Por volta das 22h00, ouviram-se algumas explosões para os lados de Sare Ganá.

Mobilizou-se o pessoal e arrancamos de imediato para aquelas bandas. Quando chegamos ao cruzamento de Sare Ganá, como tudo estava calmo, elementos locais disseram-nos que os estrondos provinham de Sinchá Sutu.

Seguimos então nessa direcção, por uma pequena subida, a que se seguida uma recta comprida. A nossa viatura rodava a alta velocidade e perto de Sinchá Sutu ouvimos rajadas de metralhadora.

Eu, como habitualmente fazia nestas situações, ia sentado na parte de trás da viatura, com as pernas penduradas, pois tinha-me habituado a saltar em andamento e, até aquele momento, nunca me tinha acontecido nada de mau.

Mas nesse dia avaliei mal a velocidade a que íamos e, a certa altura sem saber como, fui projectado, dei meia volta no ar e caí de cabeça no chão, ficando ali estatelado. A viatura parou e a minha secção correu em meu auxílio. Das palavras que trocamos, só me lembro de me dizerem que a velocidade a que seguíamos era muita!

Foi da maneira que ficamos logo ali todos apeados, e progredimos mato adentro em direcção à tabanca, que se situava perto. Eu seguia na frente, rapidamente, e quando chegamos à tabanca, ainda me lembro de ver uma granada de roquete na minha direcção. Felizmente que ela não detonou, mas caí desmaiado com o impacto.

Ao fim de algum tempo conseguiram reanimar-me e comunicaram com o nosso capitão para Geba, transmitindo-lhe que era preciso uma viatura, para me transportar, porque eu estava ferido. Eu nem me tinha apercebido do meu estado, porque fui atingido na nuca e, ainda quente, não me doía nada. Uns minutos depois é que foram elas (as dores claro) e acabei por reparar que estava todo ensanguentado.

Como a outra viatura foi logo para Bafatá, com um ferido grave da população, o capitão disse, pelo rádio, que ia mandar outra viatura e o 2º. Sargento Silva, para me substituir. Comuniquei que não era necessária efectuar a minha substituição, porque qualquer um dos três 1º. cabos era suficientemente competente para orientar e comandar a secção.

Chegou a viatura e transportaram-me para Geba, onde o furriel enfermeiro me prestou os primeiros socorros, mas foi-me logo dizendo que era necessário eu ir para Bafatá, ao médico, porque eu não aparentava estar bem. Disse-lhe que não ia e fui-me deitar na cama. As dores eram cada vez mais, Apareceu então o Capitão para ver se eu estava melhor, mas como as melhoras não surgiam, mandou chamar um condutor com a sua viatura e disse-me: - Chapouto salte para a viatura, já!

Eu continuava a dizer que não era necessário, mas ele frisou: - Eu quero que vá e… imediatamente!

Lá fui eu, porque as ordens cumprem-se e não se discutem. Cheguei a Bafatá por volta das 03h00, como o médico estava a tratar do ferido grave deitaram-me numa maca, e ali fiquei eu à espera da minha vez. Só que a minha vez nunca mais chegava. Ouvi o médico a dizer (relativamente ao ferido grave): «Tem que ir para BISSAU, têm que tomar as providências necessárias, para ao romper do dia, o enviar com a maior urgência».

Levaram o ferido, e nunca mais o vi. Depois, ninguém me aparecia, nem o médico, nem o enfermeiro…

O tempo nunca mais passava e eu estava ansioso que fossem 06h30. Mal o corneteiro tocou, levantei-me e desenfiei-me pela porta da enfermaria fora, que ficava junto à porta de armas. Não se via ninguém por ali. Saí em frente, para o outro lado da rua, onde estava a caserna dos soldados.

Ali, encontrei dois soldados condutores da minha terra, que já sabiam que eu estava ali ferido. Pedi-lhes logo que não enviassem notícias a meu respeito para casa, pois eu não queria que se soubesse nada por lá. Eles garantiram-me que nada diriam e que eu ficasse descansado.

Sai dali todo torcido, fui ter com o senhor Eduardo Teixeira que era o dono da drogaria ao lado do quartel (irmão do senhor António Teixeira antigo proprietário do restaurante “A Transmontana”), que eram naturais de uma localidade perto da minha terra natal.

Como ainda estava fechado, fui bater à porta da sua moradia e ele abriu-me a porta. Contei-lhe as minhas últimas "aventuras" e ele mandou servir o pequeno-almoço para mais um. O apetite não era muito, mas lá comi qualquer coisa e saímos para a rua, já que estava na hora de ele abrir a porta do seu negócio.

Em frente da casa dele, havia uma oficina mecânica de reparação das viaturas da minha companhia. Aí já sabiam o que me tinha acontecido e disseram-me que andavam a minha procura, alegando que eu tinha desaparecido. Perguntei se havia alguma viatura que fosse para Geba e disseram-me que estava, por ali, o José Rosa com a GMC, a carregar bidões de gasolina.

Passado algum tempo, ele chegou e parou a GMC. Eu saltei para cima dos bidões com um pouco de custo. O Rosa queria que eu fosse à frente, mas disse-lhe que não. O condutor era o mesmo que me tinha transportado de Geba e, por isso, sabia o que se passara comigo.

Arrancou e quando íamos a passar em frente a porta de armas, ouvi o pessoal a dizer: “Ele vai ali!”

Acenei-lhes um adeus...

Quando chegamos a Geba fui-me apresentar. Disseram-me que estava escalado para entrar de Sargento de Dia. O Primeiro-Sargento reparou que eu não estava em boas condições físicas para fazer esse serviço e, assim, fui embora descansando.

Durante o resto do dia as dores continuavam, principalmente no pescoço (sentia-o torcido) e no peito que parecia dilatado. Passou-se esse dia e a noite.

No dia seguinte quando estava a almoçar, o Primeiro-Sargento chega junto de mim e diz: “Chapouto você está de serviço!”

- “Quem eu? Não! Se ontem não estava em condições, hoje também não estou!”

Disse-lhe que ia falar com o capitão e ele ficou a olhar para mim. Fui ao gabinete do capitão e ele perguntou-me se estava melhor. Disse-lhe: “Isto não vai bem, preciso mesmo de ir ao médico!”

Ele mandou logo o estafeta chamar o seu condutor e dois soldados, para me levarem a Bafatá. Levaram-me directo à enfermaria e o médico perguntou-lhe porque é que eu me tinha ido embora.

Expliquei-lhe que me deixaram sozinho durante muito tempo, e se haviam esquecido de mim, ao que ele retorquiu que eu tinha razão.

- Então o que queres agora? – perguntou.

- Acha que posso estar operacional neste estado? – disse eu.

- Nem pensar, – disse o médico –, levas alguns medicamentos para as dores e ficas trinta dias de convalescença.

De regresso a Geba, entreguei o papel da convalescença na secretaria, ao Primeiro-Sargento, que me interrogou: - “Isto é vingança?”

Nem lhe respondi. Dirigi-me ao gabinete do capitão, dando-lhe conhecimento da minha situação e ele mandou-me descansar, que bem precisava.

O tempo foi passando, o descanso era óptimo, comer, beber e dormir. Como o aquartelamento era desviado uns quinhentos metros, só descia do quarto para as refeições e conversar um pouco no bar. Por sorte, neste tempo do meu repouso, não houve “trabalho” para ninguém, em especial, apenas umas patrulhas de rotina às tabancas das redondezas.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em:

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