quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5388: Os nossos camaradas guineenses (14): Demba Cham Seca, fuzilado 'por ter servido com entusiasmo o Exército Português' (sic) (Joaquim Mexia Alves)


O Joaquim Mexia Alves, ex-alferes miliciano de operações especiais, que de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973 passou por três unidades no TO da Guiné, duas delas formadas por pessoal do recrutamento local: pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), antes de ingressar no Pel Caç Nat 52 (Ponte do Rio Udunduma, Mato Cão) e depois na CCAÇ 15 (Mansoa). A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74).


1.Mensagem do Joaquim Mexia Alves:

Meus caros Camarigos

"Na certidão de óbito, conseguida apenas em 2000, consta: 'Faleceu de fuzilamento, por ter servido com entusiasmo o Exército Português'.»

Esta frase, que retirei do P5380 do Manuel Bernardo (*), agarra-se a mim como um vírus que me corrói por dentro.

Todos nós, ex-combatentes da Guiné, sobretudo aqueles que comandaram ou estiveram com as forças africanas, nos deveríamos sentir revoltados, indignados com estes factos!

Esta frase, por oposição, deveria servir desde já para as Forças Armadas Portuguesas, o Governo de Portugal, concederem condecorações a estes heróis, e pensões às suas famílias, pois que a sua dedicação e empenho como militares portugueses foi de tal ordem, que até o “antigo” inimigo o reconheceu e deixou escrito.

Já o disse várias vezes e já o escrevi várias vezes, que aquilo que mais me dói, a ferida que não quer sarar, da guerra da Guiné, se prende com o facto de Portugal ter abandonado à sua sorte aqueles que por Portugal combateram dando tudo de si e, que sendo guineenses por lá terem nascido, lhes foi afirmado que eram portugueses e, como tal, cidadãos de pleno direito como todos os outros.

Já o disse também outras vezes, e já talvez muitos o referiram também, estes episódios são a página mais negra da História da Nação mais antiga da Europa com fronteiras definidas, que construiu a sua nacionalidade na abnegação e entrega de tantos ao longo de tantos séculos, sem nunca desprezarem de tal modo aqueles que com eles combateram.

Já sei, dir-me-ão que estou a ser sonhador e demagógico, porque as histórias das nações têm sempre as suas traições e abandonos, mas nunca, julgo eu, Portugal chegou a tal vergonha, pelo menos para mim.

Não é uma culpa colectiva, e eu facilmente poderia colocar-me de lado e “afastar a água do meu capote”, (há autores objectivos e morais), mas não o faço porque me entristece e me enoja a minha alma portuguesa que tal tenha acontecido.

E continuamos a “cuspir para o vento”, com cerimónias espúrias e em que o sentido é apenas aquele que os actores presentes lhe querem dar e se reflecte apenas nos seus próprios interesses, mas um dia o “cuspo cai” e todos ficaremos envergonhados.

Julgava eu que podia ir esquecendo e que a mágoa se apagaria, mas a história não o deixa e encarrega-se de, volta e meia, nos dar a conhecer frases como esta para nos tirar do remanso da “paz podre” e nos chamar à indignação de homens bons.

Podeis julgar que é conversa, mas quem me conhece bem sabe que hoje, ao ler esta frase, o meu ser Português se tingiu de vergonha e tristeza.

Um abraço camarigo para todos e sobretudo para as famílias daqueles a quem abandonámos e ainda nem sequer foi feita justiça.

Joaquim Mexia Alves

[Revisão / fixação de texto / bold / título: L.G.]
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 1 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5380: Os nossos camaradas guineenses (13): Homenagem aos 53 comandos africanos fuzilados no pós-independência (Manuel Bernardo)

(…) O meu marido era o Alferes graduado 'Comando' Demba Cham Seca.

(…) À terceira vez foi novamente detido, no dia 21 de Março de 1975, pelas duas horas da tarde. Quando, à noite, fui levar-lhe comida à esquadra de polícia de Bafatá, disseram que ele já não precisava dos alimentos. Soube, depois, que, nessa noite foi mandado para Bambadinca, onde foi fuzilado juntamente com outros. Os Tenentes Armando Carolino Barbosa e o Tomás Camará foram dois deles (**).

(…) Na certidão de óbito, conseguida apenas em 2000, consta: 'Faleceu de fuzilamento, por ter servido com entusiasmo o Exército Português'.

Regina Mansata Djaló, in 'Guerra Paz e Fuzilamento dos Guerreiros' (...) (2007), p 358.


(**) 13 de Maio de 2008 > Guiné 73/74 - P2839: Ainda os Comandos fuzilados a seguir à independência (I): O Justo Nascimento e os outros (Carlos B. Silva / Virgínio Briote)

(...) Relação dos Comandos do BCA, fuzilados na Guiné (Provisória)

(...) Armando Carolino Barbosa, Tenente, 2ª CC, Bambadinca, 25 de Março de 1975


(...) Demba Cham Seca, Alferes, 1ª CC, Bambadinca, 25 de Março de 1975

(...) Tomás Camará, Tenente, 1ª CC, Cumeré, 1975

Informações recolhidas, por Virgínio Briote, do livro Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo, Ed. Prefácio, 2007.

Vd. também poste de I Série do Blogue: 23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

(...) Da 1ª Companhia de Comandos Africanos (para além Tenente Justo e do Tenente Jamanca):

Capitão Cmd Zacarias Sayegh;
Tenente Cmd Thomaz Camará - ex. 1º cabo cmd 60/E dos Fantasmas – em Cumeré;
Alferes Cmd Braima Baldé;
Alferes Cmd Demba Tcham [ou Cham] Seca;
Alferes Cmd João Uloma;
Alferes Cmd António Samba Juma Jaló;
1º Sarg Cmd Fodé Baió;
1º Sarg Cmd Fodé Embaló;
2º Sarg Cmd José Manuel Sedjali Embaló;
2º Sarg Cmd Quebá Dabó;

Da 2ª. Companhia de Comandos Africanos foram executados:

Capitão Cmd Adriano Sisseco;
Tenente Cmd Cicri Marques Vieira;
Tenente Cmd Armando Carolino Barbosa;
Alferes Cmd Mamadú Saliu Bari - ex-1º cabo 59/E dos Camaleões – em Cumeré;
Alferes Cmd Marcelino Pereira;
Alferes Cmd Carlos Bubacar Jau;
Alferes Cmd Bailó Jau;
Alferes Cmd Aliu Sada Candé;
1º Sarg Cmd Kool Quessangue;
1º Sarg Cmd Aruna Candé;
1º Sarg Cmd José Aliu Queta;
1º Sarg Cmd Mamadú Jaló – ex-soldado (AGR 16) dos Diabólicos - em Cumeré;
2º Sarg Cmd Quecumba Camará;
2º Sarg Cmd Augusto Filipe;
2º Sarg Cmd Carlos Daniel Fassene Samá;
Soldado Cmd Carlos Ussumane Baldé;
Soldado Cmd Alfa Candé;
Soldado Cmd Aliu Jamanca;
Soldado Cmd Per Sanhá

Da 3ª. Companhia de Comandos Africanos foram executados:

Tenente Cmd José Bacar Djassi;
Alferes Cmd Malam Baldé;
Alferes Cmd António Vasconcelos;
Soldado Cmd Silla;
Soldado Cmd Bubacar Trawalé.
(...)

3 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Abri e vou fechar já. Digo q não comento mas oh porra (escreve-se assim porra ?)então qual a admiração sobre os fuzilamentos e todas as indignidades cometidas? Depois os mandantes até tiveram asilo e eteceeras em Portugal. Há anos que se escreve isso aqui. Claro Camarigo Mexia Alves escrever mais uma vez não faz mal...é como a açorda alentejana...pois! Agora tomar posição firme, reunir dossier, discutir -serenamente- para tomar posição é, quanto a mim mais que urgente."Junto a minha á tua voz e a muitas vozes aqui do blogue".Um abraço do Torcato

Anónimo disse...

Caro Amigo e Camarada. Em total acordo com os sentimentos por ti expressos no teu poste. É uma página da nossa História demasiadamente séria para ser,oportunìsticamente utilizada por alguns como bandeira de frustracoes políticas. Os militares guinéus fuzilados acreditaram no que os responsáveis de entao lhes disseram,e,para eles esses responsáveis falavam em nome de Portugal.Seria de esperar que o Portugal Democrático de hoje assumisse responsabilidades perante as famílias(e para com as famílias)destes Camaradas que acreditaram em NÓS. Um abraco do José Belo.

Anónimo disse...

Que hei-de dizer eu que, em Setembro/Outubro de 1974, fui testemunha das palavras de Paz e Confiança, ardilosamente enviadas pelos cobardes assassinos do PAIGCs, aos nossos Camaradas assassinados.

Estenderam-lhes as mãos e prometeram-lhes o esquecimento e a serenidade, pedindo-lhes a sua colaboração para reconstrução de uma Guiné melhor e mais desenvolvida.

Nunca esquecerei as palavras trocadas e jamais perdoarei estes assassinatos.

Culpas houve-as do PAIGC, do poder político na altura e às grandes hierarquias militares, que adivinhando a tragédia NADA fizeram para a evitar.

Que os culpados se corroam de remorsos.

Magalhães Ribeiro