sábado, 14 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5272: Efemérides (37): Regressaram os restos mortais de mais três heróis de Guidaje, Maio de 1973 (José Martins)

Lisboa > Belém > Monumentos aos Mortos do Ultramar > 91.º Aniversário do Armistício, 86.º Aniversário da Liga dos Combatentes e do 35.º Aniversário do fim da Guerra do Ultramar > 14 de Novembro de 2009 > O regresso dos restos mortais de mais três camaradas, mortos na defesa de Guidaje, Região do Cacheu, Guiné, em Maio de 1973.

Foto: © José Martins (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem do José Martins, nosso regular colaborador, ex-Fur Mil Trms, CCAÇ 5, Zona Leste, Região e Gabu, Canjadude, 1968/70:


A propósito das cerimónias de hoje, junto ao Monumento aos Mortos do Ultramar, acabamos de receber, às 18h44, o seguinte mail do nosso camarada José Martins:


Boa tarde,

Estou a chegar a casa depois de ter estado presente nas cerimónias marcadas para hoje!

Primeiros comentários:

Afinal chegaram três urnas! Ainda bem, mas não podemos baixar os braços.

Foi colocada a lápide com os comandos [africanos] mortos após a independência.

Os discursos foram politicamento correctos, mas demasiadamente longos.

Falta passar das palavras aos actos.

Foram tiradas fotos, alem de mim estavam o Virgínio Briote (*) e o José Colaço, que irão chegar ao blogue.

Um abraço

José Martins


2. Mensagem posterior do Zé Martins, enviada em 19h46:


Afinal regressaram todos!

Já estão a caminho de casa, depois de uma ausência prolongada.


(i) Soldado MANUEL MARIA RODRIGUES GERALDES, mobilizado no Regimento de Infantaria nº 15, em Tomar, integrando a 2ª Companhia do Batalhão de Caçadores nº 4512/72, solteiro, filho de António Emílio Geraldes e Ascenção dos Santos Rodrigues, natural da freguesia de Vale de Algoso, concelho de Vimioso:

Morreu em Guidage em 10 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate rebentamento de uma mina anti pessoal. Foi sepultado no cemitério de Guidaje.

(ii) 1º Cabo GABRIEL FERREIRA TELO, mobilizado no Batalhão Independente de Infantaria nº 19, no Funchal, integrando a Companhia de Caçadores nº 3518, solteiro, filho de João de Jesus Telo e Maria Flora Ferreira Telo, natural da freguesia de Paul do Mar, concelho de Calheta - Madeira:

Morreu em Guidage em 25 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate durante um ataque inimigo ao aquartelamento. Foi sepultado no cemitério de Guidaje.

(iii) Furriel miliciano JOSÉ CARLOS MOREIRA MACHADO, mobilizado no Batalhão Independente de Infantaria nº 19, no Funchal, integrando a Companhia de Caçadores nº 3518, solteiro, filho de Manuel achado e Delta de Jesus Moreira, natural de freguesia de Ervões, concelho de Valpaços:

Morreu em Guidage em 25 de Maio de 1973, vítima de ferimentos em combate durante um ataque inimigo ao aquartelamento. Foi sepultado no cemitério de Guidaje.

Agora é necessário alterar o local de repouso “destes guerreiros” no volume 8º da RHMCA

___________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5271: Efemérides (30): 86º aniversário da Liga dos Combatentes & 91º aniversário da I Grande Guerra (V. Briote)

Guiné 63/74 - P5271: Efemérides (36): 86º aniversário da Liga dos Combatentes & 91º aniversário da I Grande Guerra (V. Briote)

Algumas imagens da cerimónia




Momentos antes do início das cerimónias oficiais.



Antigos Combatentes e familiares.



Três pelotões, um de cada ramo das Forças Armadas.



A Banda da Força Aérea tocou os Hinos Nacional e o da Maria da Fonte.





Pouco mais de quatro centenas de Veteranos estiveram presentes.

O José Martins no meio da assistência. Do nosso blogue esteve presente também o Colaço do Cachil.







Guiões de várias Unidades Militares alinharam-se junto ao Monumento.









Saída do Forte do Bom Sucesso das três urnas contendo os restos dos restos do Soldado Manuel Maria Rodrigues Geraldes, do 1º Cabo Gabriel Ferreira Telo e do Furriel Miliciano José Carlos Moreira Machado, mortos em Maio de 1973 em Guidaje.




O José Martins fotografa a saída dos pequenos caixões.



A caminho dos últimos destinos.









Coroas de flores, algumas oferecidas por adidos militares estrangeiros.


Desfile militar.


No monumento com a chama eterna ficaram inscritos mais nomes de Camaradas mortos depois da Independência da Guiné-Bissau.

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Nota de vb: artigos relacionados em

12 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5261: Efemérides (29): Às custas dos seus familiares (Magalhães Ribeiro) e

9 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5240: Efemérides (28): 86º aniversário da Liga dos Combatentes & 91º aniversário da I Grande Guerra (José Martins)

Guiné 63/74 - P5270: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (18): O Jorge Narciso e o Humberto Reis reencontram-se, 40 anos depois...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > O Fur Mil At Inf Op Esp Humberto Reis, à civil, no aquartelamento de Bambadinca

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > O Fur Mil At Inf Op Esp Humberto Reis, em cima do mais famoso bagabaga de Bambadinca.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Destacamento do Rio Undunduma, na estrada Bambadinca-Xime > O Humberto Reis pescando à linha, enquanto os soldados fulas, do 2º GR Comb, se refrescam...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Destacamento do Rio Undundama > O Humberto Reis na ponte do Rio Undunduma.

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

1. Comentário do Jorge Narciso, Ex-1º Cabo Especialista MMA, Bissalanca, BA 12 , 1968/69, ao poste P5255 (*):

Caro Luís

Agradeço as palavras que me dirigiste nos comentários ao P 5255, onde aliás acabei de postar um novo comentário. Como podes verificar, ali procuro responder, até onde a memória o permite, às diversas questões colocadas.

Em relação ao [Jorge] Félix vou-lhe proximamente enviar um mail.

Também lá deixei o meu endereço electrónico, nomedamente para que fique disponível para o Humberto Reis (a quem te peço chames a atenção para o facto), com o qual, e fruto duma enormíssima coincidência, parece estar a acontecer um reencontro, de cuja génese não tenho pistas.

Já agora e que falamos de coincidências, por circunstíncias várias, apesar da minha raíz ser mais à volta de Lisboa (Sintra, em mais de 2/3 da minha vida), estou neste momento a viver mais de 50% do meu tempo no Cadaval, onde trabalhei e tenho uma casa há 12 anos, a minha mulher passa lá já praticamente todo o tempo porque já se aposentou.

Para mais proximidade geográfica com as tuas origens: a namorada/companheira do meu filho é da Lourinhã (o irmão é o comandante dos Bombeiros) e estive praticamente com comissão coincidente com o [Manuel do] Rosário (Electricista dos Helis), com que jamais me encontrei e que já constactei, conheces bem.

A Guiné era pequena, mas cá o burgo, como bem sabemos também o é, nalguns aspectos aliás e infelizmente até infimo.

Recebe um abraço

Jorge Narciso


2. Resposta de L.G.:

Meu caro Jorge:

Não eram precisas tantas coincidências, bastava-me o teres feito a Guiné, a guerra da Guiné (de resto num período que coincidiu com a minha comissão de serviço, minha e do Humberto - éramos furriéis, operacionais, de uma companhia de nharros, a CCAÇ 12, e companheiros de quarto - para te convidar a integrar a nossa Tabanca Grande...

As nossas regras do jogo (ou de convívio...) constam da coluna do lado esquerdo do blogue; e a jóia de ingresso são apenas duas fotos (uma antiga e outra actual) + 1 história... A história já está contada e publicada. Manda as fotos (e mais histórias...). Será uma honra acolher mais um camarada da FAP que bateu a zona leste...O Humberto vai ficar radiante... (Foi ele que nos forneceu todos os mapas da Guiné)...

Espero um dia destes encontrar-te na Lourinhã... Tenho uma sobrinha, Cristina, professora, casada em Vilar, Cadaval, com o Rui, trintões e muitos. Um Alfa Bravo. Luís

3. Mensagem do Humberto Reis, ex-Fur Mil At Inf Op ESpeciais, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Junho de 1969/Março de 1971):

Meus AMIGOS: Nem sei por onde começar:

(i) O meu 1º encontro desesperado com o Jorge Félix foi em 29 Julho 69, conforme já contei aqui. Estava o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 em Madina Xaquili (**) com feridos graves resultantes da flagelação da noite anterior e sem meios rádio para pedir ajuda.

Um héli voava à vertical de Madina e começámos a esvoaçar os camuflados na tentativa de chamar a atenção da tripulação, o que conseguimos. Ele aterrou e não podia fazer mais nada, pois levava alguns pára-quedistas a bordo, mas via rádio pediu as evacuações de que tanto estávamos necessitados, bem como de munições, pois o stock durante a noite anterior tinha atingido o limiar da pobreza. Pouco tempo depois apareceram 2 hélis, um para levar os feridos e outro com munições para repor o stock.

(ii) Quanto à história do Narciso, ele atravessa-se na minha vida da Guiné quando eu voei várias vezes com o ex-Fur Mil Pil Rui Branco (que rica seita com o Félix, o Manuel Santana aqui de Sete Rios, o cap Morais da Silva, que substituiu o Canibalão cap Cubas, o grande amigo Ramos com quem troquei o boné azul, o Pinho, etc.).

Aliás, nas poucas vezes fui a Bissau, fiquei normalmente hospedado nos quartos dos pilotos na BA12. O Rui Branco era irmão - penso que ainda é, se forem vivos, pois já lhes perdi o rasto - do Armando Branco, meu colega na empresa Luiz Bandeira, Lda., empresa de ar condicionado, onde comecei a trabalhar como trabalhador-estudante no gabinete de Estudos e Projectos, antes de ir para a tropa.

Estava ainda a fazer o curso no antigo Instituto Industrial de Lisboa, agora denominado Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (anos sessenta). Por sinal, coincidência das coincidências, trabalhava lá o ex-Fur Mil Fausto Brito dos Santos, que tinha feito o serviço militar em Angola e que é tio do Jorge Narciso.

Já não sei precisar, passaram-se 40 anos, se foi quando vim cá de férias e visitei a empresa, ou depois de ter regressado definitivamente do serviço militar, que em conversa com o Fausto, falando de helicópteros, ele me referiu que tinha um sobrinho, de nome Narciso, mecânico de Al III. Até estranhei porque o tio pouco mais velho era que o sobrinho. O Fausto deve ter +/- 66 anos e o Jorge Narciso +/-61. Naquela altura a minha memória era melhor que a de um elefante, ao passo que agora é parecida com a de um cágado.

Ainda acrescento mais um episódio. Eu só conheci o relacionamento familiar do Rui Branco (e já tinha voado com ele e julgo que com o Narciso) em Dezembro de 1969 quando fui ao Hospital Militar em Bissau e encontrei uma noite o Armando Branco em Bissau velho, na companhia do pai e do Rui. Qual não foi o meu espanto encontrar tão longe de Lisboa o Armando, e aí ele explicou-me que o Rui era seu irmão, e que ele e o pai tinham resolvido ir a Bissau passar o Natal com o Rui.

Vejam as voltas que, desculpem a expressão, a PUTA DA VIDA DÁ. Como eu sei do Jorge Narciso e o relacionamento com o Rui Branco.

De facto a história é feita de estórias. Lembro-me de uma lenga-lenga antiga dos meus tempos de estudante em que se dizia que “ a história é uma sucessão sucessiva de sucessos que se sucedem sucessivamente sem cessar”. É tal e qual como “a minha vizinha que tinha tinha e dava tudo quanto tinha para tirar a tinha que na cabeça tinha.

Narciso, quando vieres aqui, à província, diz qualquer coisa para se tentar um encontro (Lisboa, Alfragide, aeroporto), mesmo que já não nos reconheçamos, havemos de levar, como a história do outro, A Flama, ou o Século Ilustrado, debaixo do braço como identificador. Podes divulgar ao teu tio o meu contacto de mail e o nº do móvel 918 776 460.

Por hoje é tudo

Aquele ABRAÇO

Humberto Reis

____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5255: A tragédia do Saltinho: o Canhão s/r 82 B10, russo, que provocou a morte do 2º Srgt A. Duarte Parente (J. Narciso / P. Santiago)

(...) Comentário de Jorge Nraciso:

Caros Luís, Félix e Humberto

Aqui vão, da forma mais sintética possível, as respostas às várias questões colocadas e uma nota prévia.

Nota - Como a FAP fez o favor de perder (?) a minha caderneta de voo, os factos e datas relativos à minha estadia na Guiné, são os registados na minha memória e dalguns companheiros da época com quem me vou encontrando e falando destas coisas (já lá vão 40 anos).

Mesmo assim - mesmo assim !!!... Consigo por exemplo, recordar-me, sem grandes falhas, de praticamente todo o pessoal com quem convivi na linha da frente dos All III(e foram muitos, pois as rendições na FAP - excepto a dos páras - eram todas individuais) , nomeadamente: Mecânicos, Pilotos e Enfermeiras.

Dalguns voos (nomeadamente os mais "apertados")lembro-me com quem os realizei, da grande maioria dificilmente. Terei voado seguramente com perto, senão mais, de 20 pilotos diferentes.

Mas vamos aos facto:

- Questões do Luis:

Sinceramente (e pelos motivos que atrás refiro) não me recordo quem foi o Piloto da evacuação do Parente, apenas uma vaguíssima ideia, que poderá ter sido o Ramos (Fur).

Relativamente ao meu endereço e para que conste, aqui vai:
narcisoj@mail.telepac.pt .


Do Félix (a quem envio desde já um abraço e posteriormente um mail, recordando nomeadamente uma viagem com a 'famosa Cilinha') (Foto, à esquerda, do Jorge Félix, ex-Alf Mil Pil, Bissalanca, BA 12, 1968/70) (***):

- digo que faço anos a 26 de Maio (não a 12 de Agosto) e cumpri esse aniversário (20º) exactamente um mês depois da chegada à Guiné (26 Abril de 1969).

Também aí não consigo precisar quem foi o piloto - mas podes perfeitamente ter sido tu. Até breve.

Finalmente a questão do Humberto:

- Como, independentemente da sua existência, não acredito em bruxas, e porque sou efectivamente sobrinho do Fausto que vive em Moscavide (e que esteve em Angola) e porque naturalmente voei mui~tíssimas vezes com o Branco, algum dado me está a escapar em relação ao nosso mútuo conhecimento (talvez por o neurónio onde ele estava registado se ter entretanto reformado - estou a naturalmente a brincar); agradeço-te alguma pista mais precisa que me ajude a recordar-te.

E como este já vai longo
Um abraço comum

Jorge Narciso


(**) Vd. Blogue, I Série, poste de 29 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVIII: O baptismo de fogo da CCAÇ 12, em farda nº 3, em Madina Xaquili (Julho de 1969) (Luís Graça)


Sobre Madina Xaquili, vd. ainda postes de:

28 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4256: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia (2): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (I Parte)

8 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4305: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (3): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (II Parte)

21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4395: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (4): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (III Parte)

28 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4429: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (5): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (IV Parte)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4470: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (6): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro 60 (V Parte)

26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

(***) Vd. alguns dos postes de (ou sobre) o Jorge Félix, do ano em curso:

28 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5176: FAP (35): O trágico acidente aéreo de 25 de Julho de 1970, no Rio Mansoa (Carlos Coelho / Jorge Félix / Jorge Narciso)

22 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4991: FAP (34): A heli-evacuação do malogrado Cap Cav Luís Rei Vilar em 18/2/1970 (Jorge Félix)

3 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4635: FAP (31): Uma viagem de heli a Bafatá, em 1969, com o cmdt Diogo Neto e o casal Ivette e Pierre Fargeas (Jorge Félix)

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3955: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (3): O local estava minado e o PAIGC sabia-o (Jorge Félix)

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3953: O Spínola que eu conheci (3): Um homem de carácter (Jorge Félix)

16 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3904: FAP (13): Nha Bolanha, o Ramos, o Jorge Caiano, o Manso, o corta-fogo do AL III, Bissalanca... (Jorge Félix)

Postes anteriores a 2009:

27 de Fevereiro de 2008> Guiné 63/74 - P2587: Gandembel: Será que ainda estão vivos os jovens que eu evacuei, em Outubro de 1968 ? (Jorge Félix, ex Alf Mil Piloto Aviador)

28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III)

12 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2627: Vídeos da Guerra (8): Nha Bolanha (Jorge Félix, ex-Alf Mil Piloto Aviador, 1968/70)

23 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3226: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (1): Honório, Sargento Pil Av de DO 27 (Jorge Félix / J. L. Monteiro Ribeiro)

30 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3380: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (10): Quando a guerra era com os copos... ou o elogio do Tosco, em Lisboa (Jorge Félix)

6 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3412: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (11): Ainda o Honório, o Jagudi... ou o puro gozo de voar (Jorge Félix)

1 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3546: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (14): Em Junho de 69 havia bajudas a alternar no Tosco, na Conde Redondo (Jorge Félix)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3604: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (15): Eu, o Duarte, o Coelho, o Nico... mais o Jubilé do Honório (Jorge Félix)

16 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3904: FAP (13): Nha Bolanha, o Ramos, o Jorge Caiano, o Manso, o corta-fogo do AL III, Bissalanca... (Jorge Félix)

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3953: O Spínola que eu conheci (3): Um homem de carácter (Jorge Félix)

1 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3955: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (3): O local estava minado e o PAIGC sabia-o (Jorge Félix)

Guiné 63/74 - P5269: Historiografia da presença portuguesa em África (30): O primeiro fotógrafo de guerra português andou no Cuor, Guiné, em 1908! (Beja Santos)



1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52,Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Novembro de 2009:

Camaradas,

O primeiro fotógrafo de guerra português andou no Cuor, Guiné, em 1908!

Eu nem queria acreditar. Pela primeira vez, via a fotografia de Infali Soncó, a campanha do Cuor, com povoações que percorri todos os dias. Acabo de telefonar ao bisneto, Abudurrame Serifo Soncó, quando lhe falei no seu ancestral, deu um berro do outro lado. Quem combateu no Cuor, quem junta fotografias da Guiné, não ficará indiferente a estes álbuns fotográficos, reunidos na mesma edição. É uma pedra preciosa, este livro. Acabo de o adquirir e não resisti a dar a notícia, incluindo as páginas inéditas que já escrevi na Mulher Grande (é o pior jogo de cintura de toda a minha vida, a minha heroína dá cabo de mim, a dormir e acordado).

Proponho que comprem um tesouro!



Não acreditei no que estava a folhear. Os conteúdos conhecia-os bem, abaixo se transcrevem algumas páginas do livro que tenho em preparação e em que falo na campanha do Cuor, em 1908, contra a rebelião de Infali Soncó. O que eu inteiramente desconhecia eram as preciosidades do fotógrafo José Henriques de Melo, álbuns que ele preparou em 1907 e 1908, imagens de paz e imagens das campanhas de “pacificação” no Cuor e na península de Bissau.

É um volume espantoso da autoria de Mário Matos e Lemos (conheci-o na Guiné, em 1991, era adido cultural) e Alexandre Ramirez. Temos uma excelente introdução sobre o fotógrafo, a Guiné do governador Muzanty, a descrição das campanhas, a Guiné depois das campanhas, os relatos da imprensa da época, etc. Adquiri este livro hoje, na Livraria Ferin (213424422 / 213469033 ou livraria.farin@ferin.pt).

É um livro espantoso, uma guloseima para bibliófilos. Malta como o Jorge Cabral, o Henrique Matos Francisco ou Joaquim Mexia Alves vão ficar assombrados quando virem o nosso Cuor a ferro e fogo. Até parece Mato de Cão e a canhoneira Cacheu e o Capitania. Custa 25 euros e a edição de 500 exemplares. Não esperem pelo dia de amanhã. Vou ler com cuidado e depois conto. Agora, junto o texto que preparei para o livro Mulher Grande.

Primeiro, a partir da página 110:

“As prendas da Benedita são anunciadas ao telefone, como disse, vou afogueado até ao Mucifal, chegou a invernia, ela anda debaixo das arcadas do jardim com o jardineiro, há arranjos urgentes nas plantas trepadeiras, nas hortênsias, estão os dois lá fora a falar em enxertos nas rosas, vejo a glicínia e buganvília descarnadas, a floração só virá com os dias primaveris. A Benedita deixou-me entregue à sua prenda, um livro hoje muito raro, intitulado “A campanha da Guiné (1908) ”, por Luiz Nunes da Ponte, tenente de artilharia, a edição é da Typographia a Vapor, da Empreza Guedes, Porto.

Que leitura aliciante! Em Dezembro de 1907, o Ministério da Marinha requisitou ao Ministério da Guerra forças para uma expedição à Guiné, composta por duas companhias de Infantaria, um pelotão de Cavalaria, um pelotão de Engenharia, um tenente e 30 praças de Artilharia. Antes da campanha, foram estudar o terreno o major do Estado-maior Castro Nazareth e o tenente D. José de Serpa.

Estamos na agonia da monarquia, não há meios nem capacidade de actuação para agir nas colónias revoltosas, a Guiné está sublevada do Leste aos Bijagós. O que se propôs em Dezembro não coincide com a nomeação que o governo vai fazer em Março (uma força de artilharia composta de 29 praças, uma companhia do Regimento de Infantaria 13, com 250 praças, um destacamento de engenharia, mas também forças auxiliares, um médico, um veterinário, um oficial de administração militar, ao todo 358 homens.

Nunes da Ponte vai ver e assombra-se: as praças, na sua maioria, são recrutas! Felizmente que o Governo fala em mandar mais 200 landins em ajuda desta força. Depois fala nos defeitos de organização: o material em estado deplorável, o pessoal a adoecer, mal chegados a Bissau descobre-se que não há mudanças de farda, cada um só trouxe a que está vestida.

A tropa embarca para o Xime na canhoneira Salvador Correia. Nunes da Ponte, tão bom observador, não refere coisíssima nenhuma sobre a natureza, sobre a viagem Geba acima. Ficamos a saber que num outro vapor vão albardões, cangalhos, varais, sacos de rações, baldes, muares, carros e peças de artilharia. Terá sido porventura a primeira vez que tantos brancos viajaram pelo Geba ao mesmo tempo, vão ali um pelotão de Infantaria 13, sob o comando do alferes Duque, e 30 grumetes dirigidos pelo segundo-tenente Proença Fortes.

Agora temos uma discrição: “O Xime é uma povoação insignificante. Fica a 100 metros do rio aproximadamente. Tem duas ou três casas comerciais e o posto militar; o resto são só palhotas. Ali, o comércio é mantido em grande parte com os Balantas, negros que ocupam a margem oposta e que, atravessando o rio nos seus dongos (embarcações muito compridas) vêm trocar por arroz o artigos de que carecem”. Partem do Xime para Bambadinca na canhoneira Cacheu. Começam aqui os ataques dos Biafadas, que colocaram dois grossos cabos de arame farpado, e que foram atravessados no Geba, para impedir a progressão.

A Benedita está a despedir-se do jardineiro, oiço a sua voz tonitruante na cozinha, conversa com Svetlana acerca de um prato de lulas recheadas, parece ser este o pitéu que me está destinado para o almoço. É a contragosto que paro esta leitura, exactamente quando se vai dar o primeiro combate, em 7 de Maio de 1908, à entrada do Cuor.”.

O segundo, a partir da página 115:

“Estou finalmente rendido à desordem que a Benedita instalou nas suas memórias: já não percebo se o Toninho morreu ou não, quando ocorreu esta nova fase violenta da leucemia do Rui; o magnífico historiador está combalido mas, pelos vistos, viajam a toda a hora, está exausto mas parece que o seu rendimento intelectual não foi afectado. É nisto que medito enquanto me refugio do frio e da chuva na paragem do autocarro, que me vai levar até à Portela de Sintra.

O leitor não leve a mal, a Benedita, qualquer dia, vai fazer 90 anos, o que lhe temos que gabar é a memória e condescender com estes ziguezagues, se eu próprio estou contagiado pelo desnorte, o leitor não pode fazer mais nada.A ferver de curiosidade, esquecido destes incidentes, volto à guerra da Guiné em 1908, ao relato de Luiz Nunes da Ponte, tenente de artilharia.

As tropas saem de Bambadinca, atravessam a bolanha, internam-se no Cuor. Leio tudo com a emoção contida, foi ali que eu vivi entre Agosto de 1968 e Novembro de 1969, o que me apetecia agora, exactamente agora, era marchar pelos mesmos itinerários deste confronto entre as forças portuguesas e as de Infali Soncó, o avô do meu querido amigo Malâ Soncó. Primeiro, a coluna inicia a sua marcha ao sinal dado pelo corneteiro. Estamos a 7 de Maio de 1908, a ordem é de avançar sobre Ganturé, a quatro quilómetros do bivaque.

A disposição da marcha dentro do território inimigo era a seguinte: cem metros na frente seguem trinta grumetes, sob o comando do capitão Teixeira de Barros e o segundo tenente Fortes; vem depois uma guarda avançada da companhia de marinha, seguida do quartel-general e bateria de artilharia; nos flancos, dois pelotões de Infantaria 13 e a companhia mista; à retaguarda, o comboio de víveres, munições, todos os aprestos necessários. O relato é minucioso: “Cada praça transportava consigo, para além do cantil, sacos rectangulares de lona com um gargalo de garrafa a um dos cantos, comportando cinco litros de água, cada um”.

Amanhece, o calor está verdadeiramente asfixiante, muitos soldados fazem esforços sobre-humanos para não caírem extenuados. Ao longe, ouvem-se tiros de longa (armas muitos compridas que os naturais enchiam de zagalotes apertados com pólvora) e espingardas Snider.

A tabanca de Ganturé foi tomada,não houve resistência, a gente fiel a Infali recuou, mas virá a dar sinal de resistência com um grande tiroteio junto da fonte. À cautela, e verificado que as tropas estão exaustas, acampou-se em Ganturé. Pelas quatro da manhã de oito, a coluna avançou sobre Sambel-Nhantá (no meu tempo era conhecida por Sansão, é assim que consta nos mapas, fui lá muitas vezes) a tabanca principal de Infali Soncó. As aves de rapina acompanham nos céus o avanço das tropas.

Também aqui não houve resistência e as tropas incendiaram a tabanca. Muito perto, novo tiroteio do inimigo, que depois se põe em fuga. A coluna progride para a povoação de Gã-Sapateiro (que no meu tempo se chamava Caraquecunda), e aqui se estabeleceu bivaque. O relator tomou mesmo nota de tudo, como passo a citar: “Nessa tarde, chegou um régulo amigo de nome Dembacuta, rapaz novo ainda, com o peito coberto de guardas (pequenos estojos de coiro, contendo papéis com regras que, segundo a sua religião, os livram das balas inimigas), montava a cavalo”.

Este Dembacuta informou que vinha de Mansoná, tabanca que acabara de destruir, e informou que Infali andava fugido. A nove, partiu-se para o último reduto do Cuor, a tabanca fortificada de Madina, que foi tomada nesse dia, depois de uma resistência de meia hora de fogo.

O comboio em que viajo vai chegar em breve a Roma – Areeiro, por mim não me importava que seguisse até ao Porto para ler tudo até ao fim e tomar as devidas notas. Nunes da Ponte escreveu sobre delírios, insânias, gente com a saúde abalada, um soldado louco que teve de ser abatido. A dezoito desse mês, a força bivacada em Gã-Sapateiro abandonou o Cuor (a junta médica considerara doentes mais de 40 soldados).

No Cuor, ficaram 50 homens comandados por um tenente e um alferes. O governador da Guiné nomeou Abdul Indjai, um destemido guerreiro que combatera ao lado de Teixeira Pinto, como régulo do Cuor. Não cabe aqui explicar, vai ser uma nomeação que acabará muito mal.Em casa, depois de jantado, passo tudo a limpo, registo que a tropa que fizera a campanha do Cuor voltou a Bissau, é daqui que ela vai partir para nova campanha, desta vez contra o régulo de Intim e Antula.

Em Maio de 1908, dera-se a ocupação efectiva da ilha de Bissau. Nas conclusões do seu relato, Luiz Nunes da Ponte tira as suas conclusões: em toda a Guiné há dois territórios apenas aonde as operações são arriscadas e difíceis, necessitando para a sua imediata ocupação de forças importantes e bem organizadas: Bissau e o Oio. Duvido que assim fosse, mas para o caso as minhas dúvidas não têm importância.

Comoveu-me muito ter regressado ao Cuor como ali voltei hoje, graças a esta oferta imprevista da Benedita. Gosto muito dos pormenores deste tenente de artilharia, sobretudo quando ele descreveu um tornado como um imponente espectáculo:“Antes o sol escalda, parece que andamos metidos numa verdadeira fornalha; entretanto, nota-se ao longe uma grande barra escura e um relampejar constante; sente-se depois um vento, ao princípio muito brando, mas que vai aumentando gradualmente, ao mesmo tempo que os relâmpagos vêm já acompanhados do ruído do trovão que começa a distinguir-se.

Depressa o vento sopra com fúria, o ribombar do trovão acentua-se fortíssimo, as nuvens surgem constantemente cortadas por muitas fitas luminosas em caprichosos ziguezagues, e logo a chuva cai em torrentes, parecendo que se despenha sobre nós o firmamento transformado em água. Então, pude ver a pequena ou nenhuma importância que os negros dão ao fenómeno; apanhavam as mangas que tombavam das árvores, debaixo daquela chuva torrencial, abandonando somente esse entretenimento quando o vento os arremessava ao chão.

A seguir, produz-se uma evaporação forte, refrescando imenso o ar e tornando a temperatura muito agradável. Dura pouco, porém, esse refrigério; decorridas algumas horas, seca tudo novamente”. Nunes da Ponte não se esquece de anotar que estes tornados tinham péssimas consequências na vida dos soldados: tendas encharcadas ou desfeitas, mais doenças, mais febres.Procurei novamente num blogue referências à guerrilha na Guiné, em 1961. Pela primeira vez, encontro uma versão que me parece consistente.

Em Maio desse ano, François Mendy conseguiu fundir dois movimentos de libertação, o que deu lugar à Frente da Libertação da Guiné, e no final desse mês distribuíram-se em Bissau folhetos de propaganda. Em 17 e 18 de Julho, um pequeno grupo de elementos do denominado «Movimento de Libertação para a Guiné» (seria o mesmo que a Frente?) cortou a linha telefónica de S. Domingos e tentou incendiar a ponte de Campada. Na noite de 20 para 21 de Julho, um grupo mais numeroso (falou-se em cerca de 600 indivíduos) atacou S. Domingos fazendo uso de terçados, armas de caça, espingardas, garrafas de gasolina e “cavadores” (paus com a ponta afiada).

Na maioria, envergavam camisolas e calções pretos. Em 25 de Julho, um outro grupo provocou danos materiais na zona de turismo de Varela e em Suzana, fazendo depredações e pilhando a maioria dos edifícios públicos. Segundo o autor do blogue, estes movimentos nunca se entenderam com o PAIGC. É estranho, insisto, que as pessoas a quem eu telefonei a rogo da Benedita e que viveram estes acontecimentos na Guiné ignorassem estes dados. A ver se de uma vez por todas esclareço tudo quanto a Benedita viveu na Guiné, onde cheguei alguns anos depois.

Sim, oxalá a Benedita não me traga mais regressos à Guiné, com o que temos pela frente, nos anos de 1980: a vida efémera, mas intensa, que levou ao lado do Rui; a partida do Toninho, entretanto (se não partiu já...); as peripécias da doação de uma parte importante do património de um dos nossos maiores historiadores de todas as épocas; os últimos anos de trabalho na Embaixada; a evolução da doença, mas também a sua evolução espiritual, cada vez mais a cuidar dos outros, até chegar aos sem-abrigo; a sua participação numa universidade da terceira idade; e as muitas surpresas que ainda nos vão reservar ao longo de décadas de vida palpitante, onde floresce o seu heroísmo anónimo, a discrição espontânea, medular, inerentes ao seu pensamento e acção, agora que ela caminha para os 90 anos.”




Um abraço,
Mário Beja Santos
Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 52
____________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:



Guiné 63/74 - P5268: Blogues da Nossa Blogosfera (27): Andorinha em Canchungo (António Nababo)



1. O nosso Amigo António Nababo, 44 anos, Sociólogo, enviou-nos um convite em 10 de Outubro de 2009, para visitarmos o seu blogue, com uma dedicatória dita por ele próprio “pela Guiné”, que baptizou como:


Andorinha em Canchungo


Caros amigos,

Nasceu mais um blog: sobre a Guiné-Bissau, Canchungo e a Região de Cacheu.

Andorinha é também um programa na Rádio Comunitária Uler A Baand.

Espreitem, leiam, apropriem-se, aconselhem a amigos... pela GB!

Obrigado
António Nababo



Andorinha pretende abrir asas e voar entre Portugal e Canchungo, entre a Europa e a Região de Cacheu na Guiné-Bissau – promovendo uma ponte entre duas culturas de migrantes...

Andorinha é um programa de promoção de Língua Portuguesa e da Cultura em Língua Portuguesa na Rádio Comunitária Uler A Baand em Canchungo para a Região de Cacheu.

Andorinha será o testemunho de um voluntário português no tchon de Canchungo com olhares sobre a Região de Cacheu.

Andorinha divulgará a Escola e a Educação, a Biblioteca e o Livro da Região de Cacheu.

Andorinha apresentará etnias existentes na Região de Cacheu, nomeadamente amandjaka a sul do rio Cacheu.

Andorinha publicará resenhas e excertos de obras sobre a Região de Cacheu, publicadas na Guiné-Bissau e em Portugal – ou de qualquer outra proveniência.

Andorinha pretende ainda ser um ninho de comunicação e notícias da Região de Cacheu para o Mundo – incluindo os Filhos em Portugal, Espanha, França e Inglaterra.

Venham daí!

Rua d'Além, 15 | 5070-571 Cabêda | Portugal | 00 351 935157323
Missão Católica de Canchungo | Caixa Postal nº 2 | Ao c/ António Alves | 00 245 6726963



__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, em:


Guiné 63/74 - P5267: História de vida (25): Um homem no Cachil, Ilha do Como, CCAÇ 557, 1964 (José Augusto Rocha)







Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > 1964 > CCAÇ 557 (1963/65) > Construção, em 1964, do aquartelamento de Cachil. Fotocópias de fototografias do Dr. Rogério da Silva Leitão (*). Ficamos na expectativa de, em breve, as poder substituir por cópias dos originais.

1. Meu caro camarada e Dr. Rocha:

Foi um feliz acaso termo-nos encontrado na exibição do último filme da Diana[, no DocLisboa 2009]… Tomei boa nota dos dados que me deu a seu respeito, e nomeadamente no que concerne à experiência da guerra colonial da Guiné… A Diana teve a gentileza de me facultar o seu mail que só vou usar para este efeito. Tomei a liberdade de dar conhecimento da sua existência às pessoas que fazem e lêem o blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné (**)…

Temos, entre os membros da nossa tertúlia (ou Tabanca Grande), que já vão em cerca de 4 centenas, pelo menos dois homens da sua CCAÇ 557: José Colaço e o Francisco Santos. Por sua vez, o Jorge Cabral, que foi comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71) conhece-o de outras andanças, a advocacia (disse-me que partilharam um escritório, em 1974). Temos, de resto, mais advogados e outros juristas, no nosso blogue…

O José Colaço, que era soldado de transmissões, escreveu a seu respeito um pequeno texto de que lhe dou conhecimento, em anexo.

Acabo de ler o seu interessante depoimento, sobre os tempos difíceis, de brasa, que foram aqueles em que, expulso de Coimbra em 1962, fez a tropa e foi mobilizado, em 1963, para a Guiné (e logo para o Como)…

O público-alvo do blogue Caminhos da Memória não é exactamente o mesmo do meu/nosso blogue, mas gostaria de o ver também publicado no nosso espaço… Possivelmente vou que ter a dupla autorização do autor e dos editores (na redacção há dois membros do nosso blogue, o João Tunes e a Diana Andringa)...

Desde há cerca de 5 anos e meio que tenho tentado criar um espaço de partilha de memórias entre todos os antigos combatentes da guerra colonial na Guiné (1963/74), incluindo os antigos guerrilheiros do PAIGC (cuja esperança de vida é mais baixa do que a nossa, e cuja cultura é ainda largamente oral)... Temos uma média de 1500 páginas visitadas, mais de 5100 postes publicados, e 1,3 milhões de páginas visitadas... Na nossa Tabanca Grande há também um lugar para si (sei que não é fã destas lides bloguísticas, mas também, em relação à guerra colonial, temos todos um dever de memória…).

Um Alfa Bravo (abraço) para si. Luís Graça

2. Mensagem, de 22/10/2009, enviada por José Augusto Rocha, advogado, ex-Alf Mil, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (**)


Estimado Luís Graça,

Às vezes as coisas acontecem bem, e o acaso de o ter conhecido na exibição do Dundo, pela mão da Diana, foi mesmo um feliz acaso!... Neste declinar da longa estrada da vida, já não espero muito coisas boas, mas reivindico que a sorte da vida também não me traga as más… Por isso, quando as boas surgem, é sempre como se fosse uma chuva úbere que amacia a sede lancinante da terra ressequida…

Sensibiliza-me o que diz sobre o depoimento que fiz para os Caminhos da Memória, mas permita-me que lhe diga que e o seu depoimento sobre a guerra colonial é uma reflexão corajosa e muito lúcida. Se o termo não fosse controverso, acrescentaria: bela!

Bem, agora sim, estive a ler tudo o que consta do seu blogue, que se reveste de importância decisiva para a história da guerra colonial... ainda por fazer, ou não totalmente feita.


E a leitura que fiz, deu-me conhecimento de que, afinal, havia mesmo já alguém (o José Colaço)(***) que tinha escrito sobre o Como e CCaç 557, ao invés do que digo no meu depoimento… Só me admiro que ele [não] fale do engano da aviação, até porque penso que foi ele que enviou o meu pedido de socorro para o Comando de Catió!!!,

Envio-lhe a digitalização das fotografias, que são mera fotocópia do original em posse do médico da 557, Rogério Leitão, médico cardiologista em Aveiro (*) e que era um dos raros, embora moderado, apoiantes da guerra, em toda a Companhia 557. Ele tem uma boas fotografias da guerra e do Como, inclusive do engano do bombardeamento da aviação. Não sei se ainda é vivo, mas se conseguisse que lhe desse uma cópia, seria ouro sobre azul…

Segue um abraço(Alfa?)

José Augusto Rocha


Três dias antes, a 19, tinnha-me mandado o seguinte mail, de que reproduzo alguns excertos:

Estimado Luís Graça,

Obrigado pela sua mensagem e desde já refiro que tenho muito gosto em que fique com o meu mail, para eventuais outros contactos.

Sim, lembro-me bem do Jorge Cabral e do José Colaço. O Colaço é um bom amigo, talvez o companheiro de armas que mais me marcou na CÇAÇ 557. Se todos fossem como ele, não havia guerras ao cima da terra! Gostaria de ter o mail dele para o contactar. O que ele conta sobre a PIDE, é verdade, mas mais houve… e contei sempre com a solidariedade do magnífico companheiro que foi o hoje coronel, João Luis Ares.

Por mim, desde já pode dispor do meu singelo depoimento, se achar que reveste algum interesse para o seu blog.

Quanto ao seu blog, tenho as maiores dificuldades em nele colaborar. Tenho alguma radicalidade quanto a estas coisas da guerra colonial e sempre entendi que os encontros e confraternizações, a propósito dela, tendem a contar só meia memória, a memória boa, vista do lado de cá… Embora não pretenda julgar quem quer que seja, penso que compreender o passado implica um juízo de valor sobre o certo e o errado e muitas vezes nessas manifestações de convívio, não é possível esconder a nossa discordância em relação ao que se ouve e isso cria um ambiente pouco propício ao encontro. Fui duas vezes a coisas dessas e jurei não mais ir!

(...) Por estas e por outras, quanto à guerra colonial, vou ficar-me pela “curta memória da guerra colonial das Guiné”, a publicar nos Caminhos da Memória, dando, quanto a este capítulo, por encerrado o meu dever de memória…

Desejo-lhe as melhores felicidades para o seu blog.

Um abraço,

José Augusto Rocha



3. Um texto de José Augusto Rocha, devidamente autorizado autor,
originalmente publicado em
Caminhos da Memória > 19.Out.209 > Memória breve da Guerra Colonial

A 25 de Novembro de 1963, embarquei no cargueiro Ana Mafalda(1, adaptado à pressa para transportar outra e nova carga – homens soldados – rumo à guerra colonial da Guiné. A partir desta data, como que começou outro tempo na minha vida e, tantos anos passados, vem dar testemunho breve da memória daquela guerra o ex-tenente miliciano, José Augusto Rocha.

Fá-lo em condições privilegiadas de um amadurecimento de tempo passado, ou seja, potenciado por aquilo que um dia tão bem recordou Eduardo Lourenço, citando Teixeira de Pascoais: «o futuro é a aurora do passado». Na verdade, desde aquela longínqua data de 1963 até aos dias de hoje, já lá vai muito futuro, o suficiente para re-iluminar uma vivência pessoal que agora transmito pela primeira vez e que sei comporta elementos desconhecidos daquela guerra.

Nos anos sessenta, a ordem de incorporação e a ida para a guerra colonial estava indisfarçavelmente ligada à repressão política e à PIDE. Esta articulação era particularmente visível em relação ao movimento estudantil e em especial aos seus dirigentes. As medidas de repressão do aparelho do Estado, ao nível das forças armadas, eram várias e diversificadas e iam desde a incorporação em estabelecimentos militares disciplinares de correcção, como o de Penamacor, onde foi internado, por exemplo, o Hélder Costa e o João Morais, até incorporações antecipadas e transferências arbitrárias de quartéis, de acordo com estritas ordens da polícia política (PIDE).

No meu caso, libertado do Forte de Caxias, em Julho de 1963, fui incorporado logo em Setembro, para minha total surpresa, no Regimento de Lanceiros 2, conhecido como o quartel da polícia militar, unidade de confiança do regime político do Estado Novo. Vim a encontrar aí outro dirigente associativo, da Associação dos Estudantes da Faculdade de Letras, o João Paulo Monteiro, filho do exilado político
Adolfo Casais Monteiro. A surpresa de imediato foi esclarecida. O treino militar do 1º ciclo, naquele Regimento, era muito duro e de verdadeiro castigo e, logo que terminou, ambos fomos transferidos para a Escola Prática de Infantaria de Mafra, por despacho do então Ministro da Defesa Nacional, General Mário Silva.

Cumpre assinalar que ambos gozávamos de forte simpatia entre os cadetes instruendos e mesmo dos Alferes instrutores do Quadro. Fui chamado ao Comando e aí o Capitão Semedo (irmão do actor de teatro,
Artur Semedo) fez questão em dizer que a convocatória queria expressar o seu profundo desacordo pela transferência, mas que ela era exterior ao Regimento e provinda de ordens do poder político.

Terminada a instrução em Mafra, fui colocado, como Alferes Miliciano, no Quartel de Caçadores 5, em Lisboa. Esta unidade militar era a unidade da confiança política do governo e comandada pelo Major Portugal, conhecido elemento da
Legião Portuguesa. Tal como tinha acontecido no Regimento de Lanceiros 2, cedo gozei de grande simpatia junto dos Alferes Milicianos e do próprio Capitão da Companhia, Capitão Vieitas. Por força disso, fui escolhido pelos oficiais milicianos para integrar a mesa do Comando no dia oficial da Unidade e para em nome deles fazer o discurso oficial.

Não tardou que novo despacho do mesmo General Mário Silva ordenasse a minha transferência para Évora, para a Companhia de Caçadores de Infantaria 557 [ CCAÇ 557,], rumo à Guiné, sendo que a Companhia donde fui transferido embarcou para um lugar relativamente calmo, a cidade da Beira, em Moçambique.

Esta transferência foi muito controversa, com oposição, por escrito, do próprio Comandante da Companhia. Sincero ou não, por sua vez, o Major Portugal chamou-me ao Comando onde manifestou o apreço que os oficiais tinham por mim e sugeriu que apresentasse uma exposição escrita, que ele a remeteria às autoridades superiores. Recusei e lá fui para a Guiné, no Ana Mafalda.

Cheguei à Guiné em 3/12/63 e, logo em 14 de Janeiro de 64, a Companhia 557, comandada pelo Capitão João Luis Ares e de que eu era o segundo comandante, por ser o Alferes Miliciano mais classificado, foi integrada na maior operação de toda a guerra colonial, a Operação Tridente, destinada a libertar a Ilha do Como, onde o PAIGC tinha a sua bandeira hasteada, simbolizando a primeira região libertada da Guiné Bissau.

Fui, então, transitoriamente retirado da Companhia e fiquei em Bissau como elo de ligação, para o envio de alimentos e o mais necessário à sua sobrevivência.

Guiné > Bissau > O Café Bento > Maio de 1965 > O nosso editor Virgínio Briote na esplanada do Bento> Quem não conheceu a 5ª Rep ? Em Bissau todos os caminhos iam lá ter, aos mentideros da guerra... Mas também era um lugar de tertúlias...

Foto: Cortesia de Virgínio Briote > Blogue
Guiné Ir e Voltar, Tantas Vidas

Em Bissau, acabei por formar uma espécie de tertúlia no Café Bento – à data, frequentado também pelo hoje Major Tomé e pelo advogado Orlando Curto – com o cirurgião do Hospital Militar de Bissau, António Almeida Henriques, que conhecia de Viseu, donde ambos éramos naturais, e o reanimador daquela equipa cirúrgica, António Rosa Araújo, que mais tarde, muitos anos depois, viria a defender, como advogado, no conhecido processo judicial «caso dos hemofílicos», também conhecido por «processo do sangue contaminado» [, em 1995].

Estes dois oficiais médicos não escondiam a sua discordância com a guerra colonial e deles – e da guerra – vou contar duas significativas memórias, para, de seguida, passar à Operação Tridente.
Um dia, as tropas portuguesas, numa operação

não longe de Bissau, acabaram por capturar um dirigente da guerrilha que, gravemente ferido, acabou por dar entrada no hospital militar [, HM 241, foto à direita], onde foi operado pelo Almeida Henriques. A PIDE montou uma segurança especial no hospital e o Almeida Henriques e o Rosa Araújo tudo fizeram para retardar a alta do prisioneiro, que iria cair nas mãos da PIDE. Até que um dia foi marcada a sua saída para o dia seguinte. Quando na madrugada desse dia Almeida Henriques foi ver o prisioneiro, este estava cheio de sangue, com os intestinos todos fora da barriga, que ele tinha aberto com uma lâmina de barbear para, assim, evitar – o que conseguiu – os interrogatórios daquela polícia.

António Rosa Araújo – infelizmente já ceifado pela morte – era um cidadão exemplar, cheio de determinação e coragem, com quem vim a fazer uma das melhores amizades da minha vida.

O Movimento Nacional Feminino fazia umas incursões femininas à Guiné, para fazer a chamada acção psicossocial e retemperar as solidões de muitos elementos do exército… Um dia, coube a vez da própria presidente do movimento – Cecília Supico Pinto – ir a Bissau e visitar o Hospital, acompanhada pelo Comandante em Chefe, Brigadeiro Louro de Sousa. Logo que chegaram, este mandou chamar o oficial de dia, na circunstância o Rosa Araújo, que se recusou a comparecer, alegando afazeres médicos, tendo enviado, em substituição, o sargento de dia. Foi um evento considerado da maior gravidade – grande bronca! – e o Rosa Araújo foi de castigo para o mato, donde regressou passados alguns dias, por ser insubstituível no Hospital.

Um terceiro testemunho e este bem diferente, diz respeito aos primeiros sintomas de pública contestação da própria guerra. Um dia fui abordado no sentido de poder auxiliar um Capitão que se recusava a continuar a combater nas condições que existiam. Esse capitão era o Barão da Cunha, que contava com a solidariedade de um outro, o Capitão Cavaleiro. Com ele, dirigi-me ao Notário de Bissau e aí foi feita uma procuração em nome de Mário Soares e, penso, não tenho a certeza, que também de Salgado Zenha, para que o pudessem patrocinar, para a hipótese de vir a ser detido, o que logo aconteceu.

Este oficial veio preso para Lisboa e, ao que me informaram, encarcerado na Trafaria, mas nunca soube dos desenvolvimentos posteriores que este caso assumiu, mas que considero da maior importância, porque marca o início de uma contestação militar mais vasta e intensa que viria a acontecer.

Existe informação vária sobre as batalhas e forças militares que integraram a Operação Tridente, mas nenhuma sobre a CCAÇ 557, de que eu era, como referi, o segundo Comandante.

A Operação Tridente, assim chamada por integrar os três ramos das forças armadas portuguesas, implicou efectivos na ordem de 1200 homens, aviões, fragatas e lanchas de desembarque. Na rigorosa descrição feita pelo oficial do exército da república da Guiné Bissau, Queba Sambu, a ilha do Como tem uma superfície de 210 kms quadrados, 166 dos quais são lodo das marés, sendo constituída por um litoral de tarrafo, lamaçais que, na maré baixa chegam a atingir quatro kms entre a terra firme e os canais, de fluxo e refluxo marítimos. Seguindo-se ao tarrafo, estendem-se as bolanhas (arrozais) com alguns palmares, sendo o centro da ilha de matagal. Nas bolanhas, de largos canais de irrigação, o nevoeiro só permite uma visibilidade de três a cinco metros.

Foi nesta ilha que, no dia 14 de Janeiro de 1964, desembarcaram os 145 soldados e oficiais da CCAÇ 557, numa operação muito arriscada em que os soldados foram salvos de asfixia e atolamento completo no lodo, por cordas lançadas pelas lanchas de desembarque (****). O médico da Companhia, de nome Leitão – aliás um bom fotógrafo – tirou fotografias do acontecimento, mas o rolo acabaria por ser confiscado e perdeu-se esse testemunho documental.

A operação terminou de forma dramática para as populações da ilha, tendo sido destruídas e queimadas as tabancas (aldeias indígenas) aí existentes, e abatidas centena e meia de vacas e tudo o mais que constituía a forma de viver daquelas populações, como máquinas de costura, camas, roupas, etc…

As tropas regressaram a Bissau e foi deixada na mata do Cachil a CCAÇ 557, num aquartelamento feito à pressa com troncos de palmeiras na vertical e em tudo parecido a um aquartelamento índio. Sem água potável, sem alimentação e expostos à malária e a severas condições de carência e sofrimento, estes homens totalmente isolados e comendo meses a fio só rações, dependiam do mundo exterior de uma barcaça que, de vez em quando, ia ao centro de Comando situado na povoação de Catió.



Encurralados naquele curto espaço de mata, lamaçais e bolanhas, estes homens viveram uma verdadeira odisseia de isolamento e condições infra-humanas de sobrevivência, acossados por acções de ataques ao quartel e flagelações das forças do PAIGC, entretanto regressadas à Ilha, após a retirada das tropas da Operação Tridente para Bissau. [Foto à esquerda: Cachil> 1966> Interior do Aquartelamento
Foto: © Benito Neves (2008). Direitos reservados].

Embora oficialmente conste que a Operação Tridente (****) desalojou o inimigo da ilha do Como, a verdade é que a guerrilha a retomou e actuou nessa operação de acordo com a flexibilidade de ir e vir, evitando sempre o combate frontal e concretizando no terreno a subtil definição do guerrilheiro de Che Guevara, segundo a qual «o guerrilheiro é o jesuíta da guerra, quer isto dizer que os elementos essenciais da guerrilha são a surpresa, a perfídia e a acção nocturna.»(2).

Quando o capitão da Companhia foi de férias, vim de Bissau para o quartel de Cachil, para assumir as funções de comando, tomando contacto com homens destruídos psicológica e humanamente por condições tão duras de sobrevivência e onde situações de saúde física e mental se agravavam, dia a dia, à espera do dia redentor de uma substituição por outros efectivos.

Vivia-se este ambiente, quando um dia apareceram, lá no céu, dois aviões Fiat que, para surpresa nossa, começaram a picar sobre o quartel e a metralhar toda aquela zona, nomeadamente junto ao improvisado cais do rio, onde estacionava a barcaça de ligação a Catió.

Em desespero, ordenei que fossem lançados para o ar very-lights e um grupo avançasse com a bandeira nacional, para mostrar que éramos tropa amiga, ao mesmo tempo que por via rádio comunicava com o Comando de Catió, para que o engano fosse desfeito. Os aviões desapareceram no horizonte e ninguém ficou ferido. Na minha vida já tive dois acidentes graves de viação, mas aviões a jacto, a picar sobre a minha cabeça, é acontecimento digno da linguagem própria de uma crónica de Fernão Lopes, quando no cerco a Lisboa, dizia: «era coisa espantosa de ver…».


Junto ao cais, entretanto, ficaram os destroços dos garrafões de vinho, grades de cerveja e rações de combate, que tinham sido abastecidos naquele dia à companhia!!!… O médico da companhia tirou fotografias do ataque, que infelizmente não disponho para ilustrar esta minha memória.

Fui a Bissau e protestei junto do Comando e encontrei-me com os aviadores que me informaram que tinham acabado de chegar à Guiné e faziam uma operação de reconhecimento, pensando que se tratava de forças inimigas… Que eu saiba, só houve dois enganos em ataques da aviação: este e um outro sobre os fuzileiros navais, de que resultaram, tanto quanto me lembro, dois mortos.

Acabámos por ser rendidos por outra Companhia e enviados para a zona da vila de Bafatá, donde regressei a Portugal a 24 de Novembro de 1965, para terminar o curso de Direito, que a minha expulsão da Universidade de Coimbra e de todas as escolas nacionais, por dois anos, tinha impedido de concluir.

Assim, também concluo, em prosa necessariamente enxuta e breve, esta crónica da guerra da Guiné, que espero ampliar nas minhas memórias, em curso de escrita.

*************

(1) – O navio Ana Mafalda e o Ana Rita pertenciam à família dos Melos e os nomes deles correspondiam a nomes das suas netas… Estes barcos transportavam da Guiné amendoím (mancarra, em linguagem guineense) que era produzido na zona de população de etnia Fula, por isso, penso que o chamado
Óleo Fula, que anda por aí no mercado, tem a ver com esta origem do amendoím.

(2) – «Manual do Guerrilheiro», Che Guevara.

(3) – As fotografias dizem respeito à construção do quartel do Cachil e nelas se pode ver também os atolamentos de viaturas Unimog e construções em zinco dos dormitórios, bem assim os alagamentos de toda a zona do quartel.


[ Revisão / fixação de texto / título / bold a cores: L.G.]

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 13 de Novembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5264: Os nossos médicos (8): O Dr. Rogério da Silva Leitão, aveirense, cardiologista, CÇAÇ 557, Cachil, Como, 1963/65 (José Colaço)

(**) Vd. poste de 18 de Outubro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5125: José Augusto Rocha: da crise estudantil de 1962 à Op Tridente, Ilha do Como, 1964 (José Colaço / Luís Graça)

(***) Vd. postes de:

2 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

20 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

9 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3287: Controvérsias (2): Repor a realidade vivida, CCAÇ 557, Cachil, Como, Janeiro-Novembro de 1964 (José Colaço)

19 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3334 O meu baptismo de fogo (14): Cachil, Ilha do Como, meia-noite, 25 ou 26 de Janeiro de 1964 (José Colaço)

(****) Sobre a Op Tridente (ou Batalha do Como), vd. postes de:

28 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2892: A verdade e a ficção (2): Ilha do Como, Op Tridente: Queres vender a tua água ? Dou-te 100, dou-te 200 pesos (Anónimo)

27 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2889: A verdade e a ficção (1): Op Tridente, Ilha do Como, Jan / Mar 1964 (Mário Dias)

23 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2874: Um dia na Ilha do Como: Operação Tridente, Fevereiro de 1964 (Valentim Oliveira, CCAV 489/BCAV 490)

15 de Janeiro de 2006 >
Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

15 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)