sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5725: Parabéns a você (72): Luís Graça, ex-Fur Mil da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 - O Rei Luar (Migueis da Silva)

1. O nosso camarada Mário Migueis da Silva mandou-nos esta reedição de "O REI LUAR", de autoria de Sheik Pierre, editada pela Al Draba, Lda, a fim ser publicada hoje dia 29 de Janeiro de 2010, data em que o nosso querido Camarada Luís Graça comemora o seu 63.º aniversário.

A história, um tanto estranha, pode ser lida no seu original, bastando para tal clicar nas imagens, ou nas respectivas legendas.




"REI LUAR" de Sheik Pierre
Editora Al Draba, Lda.



Ao Luís Graça, mui digno, nobre e ilustre fundador do "Brrelogue" mais bonito do mundo, com as minhas felicitações nesta ditosa data do seu aniversário.
O autor,
Mário Migueis.
Esposende
29/01/2010.


ADVERTÊNCIA
Como todos sabemos, a 1.ª edição desta obra prima do Sheik Pierre data de 1607. Em 1623, a obra é, pela primeira vez, reeditada mas, tudo leva a crer que, já então, padeceu de numerosas mutilações, acrescentos e adaptações, uma vez que reproduziria não o texto original do Sheik, mas a peça tal e qual era representada, com as necessárias adaptações às exigências de ordem cénica.
É, pois, de crer que esta pérola literária do dealbar do século XVII tenha visto, até aos nossos dias e por força de alterações sistemáticas ao texto original, adulterada a imagem do próprio monarca, personagem central da obra. Aliás, conforme adiante se verá, este revela-se como uma figura pouco interventiva, ocultando a voz atrás de farta barba, quando, por outras e idóneas fontes, se sabe que era grande tagarela. Igualmente, consta em papiros dispersos na Torre do Tombo que o Rei Luar, em pessoa, nada tinha de tirano, conforme somos levados a supor pela obra em apreço. De qualquer forma, norteados pelos nossos princípios de rigor literário, que é o que aqui está em causa, estamos a reproduzir com toda a fidelidade a última peça levada à cena no nosso país pelo Grupo Cénico dos Tabanqueiros Cá do Sítio.
A Editora


Personagens:
LUAR - Luís Henriques - O Graça, rei de todas as tribos
MARQUÊS DE VINHAL - Ministro da Propaganda do Reino
VISCONDE VACAS DE CARVALHO - fidalgo tocador de alaúde
CONDE DE OLHÃO
ZÉDASSÉ, criado do Conde de Olhão
GUARDA DINOSSAURIANA do Regimento de Infantaria da Região Oeste
POVO ANÓNIMO


ACTO I - Scena I

Uns cortinados bolorentos em veludo de cor a gosto, numas varandas supostamente voltadas para uma praça (varandas do palácio real)
Estão escondidos atrás dos reposteiros o Conde de Olhão e o seu fiel criado Zédassé.

ZÉDASSÉ
Senhor Conde, porque é que lhe chamam Rei Luar?!...

CONDE DE OLHÃO
A mim?!...

ZÉDASSÉ
Não, a ele, ao mal-querido, ao rei.

CONDE DE OLHÃO
Ora essa, porque se lhe chamassem Rei-Sol era plágio!... És mesmo ignorante, Zédassé. Por esse andar, nunca mais passas de servo da gleba. Então, tu nunca ouviste falar do Luís XIV, da França, o que morava no Palácio de Versalhes, com aqueles jardins maravilhosos?!... Pois é, esse é que é o tal do astro rei. O nosso, esse é, por ora e por mal dos nossos pecados, o Luís Henriques - o Graça, mais conhecido nessas coisas das literaturas por Rei Luar.

ZÉDASSÉ
Ah!...


CONDE DE OLHÃO
Nunca foi flor que se cheirasse

ZÉDASSÉ
Quem, senhor Conde?!...

CONDE DE OLHÃO
Ele, o rei, o ditador, o nosso déspota de estimação. Já no tempo do Senhor dos Arganeis, há cem milhões de anos, os lourinhanosaurus falavam dos seus instintos absolutistas. Pelo menos, é o que consta nas pinturas rupestres das grutas de Altamira, que são mais antigas que as de Foz-Coa: "Le Brrelogue c'est moi".

ZÉDASSÉ
Que disse Bossa Senhoria?!... Num percebi nada, mas concordo com tudo, que esse malbado nunca me enganou.

CONDE DE OLHÃO
Nem a mim, meu bom Zédassé. Sociólogo, sociólogo... sociólogo, uma ova!... Este não dá ponto sem nó, quer lá saber da sociedade!... A componente política estuda ele, que é finório, mas não vai além disso, que não lhe interessa. Não passa de um político espertalhaço, explorando a ingenuidade e a boa fé deste povo dócil e iletrado. Tem aqui um campo fértil para as suas ideias absolutistas, pois claro. Absolutistas e centralistas, que não são só os do norte que estão a levar no corpo. E, por falar em levar no corpo... levar a malta sabe ele!... Quem o ouvir, a este falinhas-mansas, não vê a peça que ali está!... Quem vê reis, não vê corações, é verdade e é bem certo. "Dois povos, um só brrelogue!", de quem é que eu já ouvi isto, alguém me ajuda a recordar?!... Não era o outro que dizia "duas raças, um só povo"?!... Ou era outra coisa qualquer que ia dar ao mesmo?!... Está-se mesmo a ver para que é que este espertalhão logo se vai doutorar em Saúde Pública!... Pois claro, pois claro, foi para nos tratar da saúde a todos, estás a perceber, Zédassé?!...

ZÉDASSÉ
Estou, estou,... quer-se dizer!...

CONDE DE OLHÃO
Cala-te, estou a ouvir passos!... É ele, esconde-te,... esconde-te, bem escondido, ou as nossas cabeças vão parar ao cepo enquanto o diado esfrega um olho!


Scena II

Mesmas varandas, mas abarcando-se agora também a Praça do Povo. Ladeado pela sua guarda dinossauriana, já está em cena o rei, sentado no seu tronomóvel.
Duas tossidelas do rei, introdutoras do seu discurso à multudão de súbditos.


REI LUAR
Antes de mais, boa tarde a todos!

CORO (POVO)
Boa tarde, majestade, senhor dos nossos destinos!... Viva Sua Alteza Real!... Viva!...

Aplausos e Avés Césares. Segue-se a popular "Parabéns a Você", cantada pelo povo (coro), acompanhado ao alaúde pelo Visconde Vacas de Carvalho.

ZÉDASSÉ
Ui, quanto dragom!...

CONDE DE OLHÃO
Não são dragões, são dinossáurios.

ZÉDASSÉ
Dinossáurios?!...

CONDE DE OLHÃO
Sim, são três lourinhanosaurus antunesi, três brachiosaurus atalaiensis e um lourinhanosaurus luisani.

ZÉDASSÉ
Mas eu só conto seis dragões!!!...


CONDE DE OLHÃO
Não são dragões, são dinossáurios e, com o o rei, são sete.

ZÉDASSÉ
Atom o rei também é dragom?!...

CONDE DE OLHÃO
Dragão, dragão, não sei, mas dinossáurio é de certeza, que é aquilo que chamam aos da Lourinhã que estão agarrados ao tacho há mais de cinco milhões de anos.

ZÉDASSÉ
Ao tacho?!... Mas ele está é agarrado a um cacete, num é a um tacho!...

CONDE DE OLHÃO
Aquilo não é um cacete, é o ceptro, o brrelogue, o símbolo da autoridade soberana, do poder real. Quem tiver o brrelogue na mão, é senhor absoluto das tribos dos tabanqueiros, dos camaradas e camarigos, dos tertulianos e companheiros, e, até, das hostes dos colaboradores, amigos e simpatizantes, quer casados, quer solteiros.

ZÉDASSÉ
Ai, Senhor Conde, que exército, que força, que poderio!... Isto bai ser o cabo dos trabalhos! Só se lhe arrancarmos o cacete das mons!...

CONDE DE OLHÃO
Não é um cacete, é um brrelogue e ninguém consegue tirar-lhe o brrelogue da mão, porque o safado dorme com ele debaixo da almofada.

ZÉDASSÉ
Atom, aperta-se-lhe o gargueirilho!...


CONDE DE OLHÃO
Ai é, e o dentudo?...

ZÉDASSÉ
O dentudo, quem é esse?!...

CONDE DE OLHÃO
O lourinhanosaurus antunesi,... o que o rei traz à trela.

ZÉDASSÉ
Aquele ali, o dragom mais baixinho?... Dá-se-lhe remédio do escarabelho!...


Scena III

Entra em cena uma figura sinistra - O Marquês de Vinhal - envolta numa capa negra e com um chapéu de aba larga, à D'Artagnan, emplumado com uma rectriz de abutre coçada e quebrada a meio

MARQUÊS DE VINHAL
Põe-se remédio do escaravelho a quem?!... Quem é que dá remédio do escaravelho ao dragão, quem é?!... Só por cima do meu cadábre, seus aleivosos, cambada de conspiradores miseráveis!...

ZÉDASSÉ
Aleibosos?!... Aleibosos, quem?, seu...

CONDE DE OLHÃO
Schiiiiiiuuuuuu!... está calado, que é o Marquês de Vinhal, o ministro da Propaganda do Reino! Dizem que ainda é pior que o tirano!...

ZÉDASSÉ
Ai é, é!... Este conheço-o eu bem, que é lá da beira do Puarto. Foi ele que, aqui há anos, mandou o Camilo p'rá cadeia da Relaçom, onde lhe moeram os ossos bem moídinhos.

CONDE DE OLHÃO
Está calado, que tu não sabes nada. O cara de pau é inquisidor do Santo Ofício: escrito que não lhe cheira, vai direito p'rá fogueira!... Grandes malvados, temos que lhes acabar com a raça!

ZÉDASSÉ
Isso é bom de falar, Senhor Conde. O pior é que as nossas cabeças nas mãos deles num balem uma mealha!... Já me estou a imaginar de correntes nas canelas, a subir ao cadafalso!...


CONDE DE OLHÃO
Também eu, mas temos que pôr uns patins a estes tratantes!...

ZÉDASSÉ
Uns patins?!...

CONDE DE OLHÃO
Sim, uns patins e com rodas bem oleadas. Mas, o melhor, por agora, é guardarmos os trabucos no saco e optarmos pelo plano B. Nem é tarde nem é cedo, é hora de reunir as tribos armadas e marchar sobre Lisboa. Temos que os apear do Cavalo do Poder, como dizia o coiso. A estes e aos outros, não é só a estes!...

ZÉDASSÉ
Ui, senhor Conde, não me fale dos outros, que já me deu bolta à barriga!... Que se aborte lá a conspiração e o raio que a parta!... Bamos, mas é dar à sola, enquanto há tempo! Pode ser que o rei caia da cadeira, como o outro no tempo da outra.

CORO (POVO)
Credo, cruzes, canhoto!... Longa vida para o Rei!...

Perante a intempestiva saída de cena das personagens até então escondidas atrás das cortinas, baixa o pano e rufam as caixas e os tambores, com o coro a cantar a Grândola Vila Morena de trás para a frente e de pernas para o ar.

FIM

__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 29 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5724: Parabéns a você (71): Luís Graça, ex-Fur Mil da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Mensagens da Tertúlia III)

10 comentários:

Anónimo disse...

Eh, eh, eh, eh, eh, eh,.......
Que "coisa" extraordinária e de uma imaginação delirante!
Miguéis, não sei quantas vezes devo escrever a palavra "Parabens".

Alberto Branquinho

Hélder Valério disse...

Então não é que não paramos de nos surpreender (ou até talvez nem tanto, bem vistas as coisas...) com o que aqui aparece?
Sim senhor, bem imaginado e bem engraçado!
Parabéns.
Hélder S.

Anónimo disse...

Oh morcões do carago!

Porque vos atreveis a maldizer da Moirama?

Cambada de invejõeis, quereis os louros todos para vós?

Pois sabede que Al Acabar jamais vai desaparecer, enquanto houver pegadas de milhões de anos em suas terras.

..................................

Gostei imenso. Genial Paródia!

Parabens Miguéis da Silva.

Falando sério, vi "Rei Luar" aqui bem perto no Mirita Casimiro pelo TEC (Teatro Experimental de Cascais).

Até nisto a nossa Tabanca é Grande.

Um abraço para todos! É claro do tamanho do Cumbijã, o que é que esperavam?

Mário Fitas

Torcato Mendonca disse...

Só consegui ler agora e, antes de por aí abaixo ir em leituras quero:

Mandar-te um abraço de felicitações pelo belíssimo trabalho.
Penso que o Luís o vai guardar.
São momentos como este que, cada vez mais, enriquecem este "espaço"

OB e AB Camarada do TM

paulo santiago disse...

Penso que o Rei Luar está todo babado...com este texto do Miguéis,
é genial,quem não ficaria feliz?
Parabens Miguéis
Parabens Luís

Joaquim Mexia Alves disse...

Que dizer: BRILHANTE!!!

Só não percebi quem era o Rei Luar e o Marquês de Vinhal!!!

Mas tudo bem!

Parabéns ao Miguéis pela escrita inspirada e parabéns mais uma vez ao Luís Graça de sua graça.

E um abraço camarigo para todos.

JD disse...

Luiiss !! Vossa Alteezza!
Espero que, por alturas do II acto, quando o poboléu começou a cantar os parabéns, tenha distinguido a minha altissonante voz, melodiosa e líquida, por via das celebrações anteriores, deste servo e admirador.
Peço desculpa a Vossa Alteza por não me alongar em vénias, mas é que já parti uma protuberância... carago!
JD

Anónimo disse...

Caro Migueis.

Carago……! Bela peça teatral, de homenagem ao Luís.

Só não percebo o ZÉDASSÉ, esse morcoum, que hoje pelo menos, não devia dizer mal do REI.

Os meus parabéns, também para ti, neste dia em que se revelam alguns (grandes) talentos literários que a nossa Tabanca tem.

Junto os meus elogios aos camaradas que me antecedem nos comentários, acho que é uma prenda excelente para o Luís neste dia de aniversário.

Um grande abraço da terra dos dragouns.

Manuel Marinho

Anónimo disse...

Estou desvanecido com a ternura do Miguéis, um camarada que eu conheci em Bambadinca, no 2º semestre de 1970... "Passou-se" depois para o Saltinho, onde privou com o Paulo Santiago, entre outros camaradas que estão hoje no nosso blogue...

Nunca mais nos vimos, mas eu quero um dias destes passar por Esposende para lhe dar um abraço (emocionado) por estes reencontros e surpresas...

Quanto ao seu talento (artístico e literário) e ao seus sentido de humor, só tenho a dizer que são imensos e nos honram a todos, os amigos e camaradas da Guiné que se reconhecem nesta Tabanca Grande...

È uma bela (e apropriada...) paródia a essa obra-prima da literatura mundial, que é o "Rei Lear", de Shakespeare (de que há uma tradução - que dizem notável, ainda não a li - feita pelo Álvaro Cunhal, no tempo em que esteve na prisão; editorial Caminho, 2002).

Obrigado, Miguéis, é uma honra e um privilégio ser caricaturado por ti!

Luís

manuelmaia disse...

CARO MIGUEIS,

UMA DELÍCIA!

FICO ANSIOSO,À ESPERA DE MAIS.

PARABÉNS.

UM GRANDE ABRAÇO.

Manuel Maia