terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5748: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (23): Colonialismo... jamais... jamais...

1. Mensagem de Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), com data de 24 de Janeiro de 2010:

Caros Editores:

Será sina vossa aturarem-me a esta hora ou mais tarde? É, salvo erro, o terceiro dia ou noite seguido(a).

Aí vem ele... quem???... o chato do.... e desta, o que é?... jamais??... e procura o Luís Graça no crioulo e o Vinhal coça a cabeça e pensa... pifou... jamais?'... o MR diz: - O gajo andou por Lamego mas não é RANGER... iá...

Aí vai um escrito género açorda depois de noitada de borga... coisas do Alentejo... donde parti e olhei para trás chorando/alentejo da minha alma/tão longe me estás ficando...

Agora vou a Mansambo... passa-se algo.

Abraços para vocês do,
Torcato


JOANITO: Colonialismo, jamais… jamais…
por Torcato Mendonça

O Joanito e o Ohtu encontraram-se já em fim de tarde, tarde de domingo.

Espera. Pára, caramba... Quem era o Joanito e o que é isso de Ohtu?

É do PDI. Cuidado com hipotéticas confusões de iniciais: PDI!

Joanito era rapaz de olho vivo, estudo de primária mal alinhado, emprego de ocasião. Melhor, preferência pelo biscate leve e rentável. Ia assim crescendo enquanto a penugem já quase lhe desaparecia da cara.

A mãe estava a ficar farta daquele filho, daquela ovelha tresmalhada de seus filhos. Pensou, pensou e resolveu despachá-lo para África.

Lá vai Joanito ao encontro de um Tio, comerciante e senhor de outros interesses numa parcela do Império. Homem de poucas falas e mais de actos e factos.

Joanito chega e o Tio recebe-o com friamente. Põe logo o rapaz a trabalhar. Mas o rapaz não gostava de trabalho e logo começou a magicar na sua vida, a dar voltas, a tentar esquemas. Só que ali era diferente e o Tio, olhar frio, homem de actos e factos, trabalho duro e de pouca conversa, de pronto viu o conteúdo da encomenda enviada e passou à acção. Rapidamente falou com Capatazes de uma Companhia do norte e para lá enviou Joanito.

Aí estava agora Joanito a trabalhar numa espécie de escritório, ouvindo ordens aos berros, gritos e lamentos, falando com homens de chibata à cinta e, se necessário, tratado com dureza. Pensava, pensava e não sabia que fazer. Fugir nem pensar, teria logo cães e pisteiros à perna... E fugir para onde ?

O tempo passou. Esperto como era, foi entrando no jogo, na adulação, na mesma forma de vida e acabou recompensado. Foi tomar conta de uma cantina. De tudo se vendia, em tudo desviava uma parte para os patrões e uma pequenina, muito pequenina, para ele.

Joanito quase se sentia gente. Era branco, caramba. Comprou uma bicicleta, pasteleira velha meio enferrujada e ruidosa no rolar. Não se importava e, nos poucos momentos de descanso, lá se distraía, dando voltas ao redor da pequena aldeola. Só que pedalava, pedalava e isso cansava-o. Aborrecido.

Um dia pedalava Joanito e viu um dos mainates da cantina. Rapaz alto e forte, curioso, sempre atento e, sem nas vistas dar, a aprender e a apreender tudo. Joanito parou e berrou:
- Ohtu, Ohtu, anda cá.

O negro veio com o seu sorriso.
- Ohtu, tenho um trabalho para ti. Para já a partir de hoje começas a chamar-te Ohtu, depois começas a empurrar a bicicleta.

Assim foi. Joanito passou a andar mais de biccleta, sentava-se e o Ohtu empurrava, escorrendo suor e praguejando entre dentes.

Joanito berrava:
- Com mais força… mais força… e um dia ainda vamos à cidade ver o Índico. Força, meu sacana de merda, nem para trabalhar prestas.

Othu nada dizia. Empurrava, suava e em cada dia que passava, mais aprendia e apreendia. Aos poucos, sem dar nas vistas, ia lendo e escrevia tudo em pequenos papéis.

Um dia Joanito gritou:
- Ohtu, Ohtu - e nada. O negro desaparecera e levara uma parte, uma ínfima parte, do que Joanito desviara.

Joanito queixou-se dizendo que o negro desaparecera e nada mais. Em vão o procuraram. Anos depois diziam ter ido juntar-se à guerrilha.

Indiferente para Joanito mas, esperto como era, sentia os ventos da mudança e começou discretamente a preparar, ele também, a sua fuga.

Mal os sons de independência cruzaram os ares e já Joanito estava noutro país e, tempos depois, no seu.

Dizem que Ohtu voltou à já abandonada Companhia e procurou Joanito. Dele nem rasto. Só ficou um carro meio rebentado e poucos pertences na casa abandonada.

Joanito, tantos anos depois, ainda vive. Está num Lar como peça descartável, sentado num cadeirão com almofadas aos lados a ampará-lo.

Baba-se, diz palavras sem nexo. De quando em vez aparece um enfermeiro ou auxiliar. Joanito babando-se tenta gritar:
- Ohtu, Ohtu, preto de merda, empurra… empurra… - E cala-se cansado.

Ali fica, babete sujo e pijama mijado… pret… d…

Colonialismo, jamais… jamais…
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5740: Blogoterapia (141): Pensar em voz alta: Fotos esquecidas, imagens de gentes de outrora (Torcato Mendonça)

Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5741: Blogoterapia (142): Aquela janela virada para o heliporto (Jorge Teixeira/Portojo)

9 comentários:

Juvenal Amado disse...

Meu caro Torcato

O que tu escreveste não é uma estória é a história.

Um colonialismo feito por miseráveis sobre infelizes foi o que foi o nosso.
Quando saimos ficaram na idade a pedra.
Colonialismo foi estarmos lá 500 anos e no regresso, trazermos tudo o que pudemos.
Mas o menos importante foram alguns bens materiais, o nossos saberes que não ensinamos,e o que não aprendemos com eles, é que foi o grande crime do nosso colonialismo.

Um abraço

Juvenal Amado

JD disse...

Camaradas,
A narrativa do Torcato pode retratar uma parte do comportamento dos portugueses enquanto colonos em África. E está muito bem imaginada e descrita.
Mas, aos portugueses tem que se lhes reconhecer, também, a capacidade de penetração no mato, a aculturação a que se sugeitavam, a constituição de famílias com as mulheres locais, a evolução social e a aprendizagem de maneiras, quando, às vezes, mal sabiam ler e escrever. Desenvolviam laços e núcleos de influência, onde praticavam a solidariedade, apesar do comportamento colonizador sem disso estarem conscientes. Porque nas aldeias de onde eram oriundos, atrasadas e pobres, também havia relações sociais parecidas.
Os verdadeiros colonizadores em África, pode dizer-se, seriam as grandes empresas coloniais, que recorriam à mão-de-obra barata, melhor, baratíssima, muitas vezes sem proporcionar condições mínimas à população, sem reverter parte dos lucros em investimentos locais, porque, obviamente, a prossecução do negócio exigia a submissão da população trabalhadora. E nestas, destacam-se as empresas que catalizavam capitais de diferentes proveniências e mantinham as sedes fora do território.
Houve um primeiro governador a querer moralizar o recurso à mão de obra por via da escravatura, o Nortom de Matos, mas foi mal sucedido, e sucumbiu às influências sobre o poder central.
A partir de então, porém, ainda que lentamente, foi alargando o número de locais com acesso à escolaridade, e emprego em funções para que tinham mais habilitação que alguns europeus, apesar de terem modestos vencimentos. Foi assim que, aos poucos, se desenvolveu uma classe média de pretos, em convivência com os brancos, que por altura de 25/4 já tinha uma expressiva dimensão e gozavam do mesmo estatuto.
Como sabemos, e os povos têm experiência, estas coisas não acontecem com a facilidade de um interruptor e, em Angola e Moçambique, há dados que confirmam esse desejável, e relativamente rápido, desenvolvimento durante o período final da soberania portuguesa.
Abraços fraternos
J.Dinis

Joaquim Mexia Alves disse...

Pois é meu caro camarigo Torcato, a inspiração abunda pelos teus lados e nós somos os felizes contemplados.

Mas o José Dinis tem uma certa razão.

Nos últimos tempos de 1975, antes da independência de Angola encontrei várias vezes o "Embaixador", (ao que me lembro do Quénia), e sem nos conhecermos acabamos por meter conversa um com o outro.
Meu camarigo, o bem que ele me disse dos Portugueses e doq ue tinham feito em África, apesar de tudo.
Para o "provocar" falava-lhe às vezes dos ingleses e invariávelmente ele respondia que os Angolanos não sabiam a sorte que tinhamem ter os Portugueses!
Se por acaso se pensa que nós trouxemos tudo, isso é um erro, porque nós trouxemos os bens pessoais, segundo ele os ingleses até telhados de fábricas levaram!!!
E a rede de estradas, e as escolas, etc.
A verdade é que pelo menos em Angola, falo do que vi e sei, havia muitos Portugueses brancos vivendo com os Angolanos e sem qualquer problema.
Aliás não sou eu que o digo, mas muitos outros: Angola podia ter sido um novo Brasil!
Se houve racismo? Com certeza, mas bem mais esporádico do que nas outras colonizações.
Aliás o racismo ainda existe e existirá mas não tem um só sentido como erradamente se pensa, tem dois sentidos dem acentuados.
E lembremo-nos ainda, embora custe muito a aceitá-lo, que por exemplo os Cabo Verdianos nunca foram bem aceites no continente Africano.
Isso desculpa alguma coisa?
Com certeza que não, mas não smos os ogres como às vezes nos pintam.
sei que o que escrevo é polémico, mas a verdade, (não é toda a verdade com certeza), é por vezes dificil de engolir.
Mas o teu texto é um mimo de inspiração. Obrigado por ele.

Abraço camarigo para ti e para todos

Anónimo disse...

Diziam os futuros candidatos a ministros do PAIGC, FRELIMO e MPLA, (não pretos), nos anos 50 que os portugueses colonos eramos atrazados que saímos da provincia "a escorregar por uma tábua" chegavamos a Alcântara e desembarcávamos nas colónias completamente ignorantes e ceguinhos".

Portanto que lhe dessemos a independência que eles sabiam governar aquilo.

Contavam outras:
A mãe do recem-colono recebe uma carta lá "nas berças", vinda das Áfricas, e recorre ao padre, o único cidadão que sabe ler.

E a velhota toda feliz vai ter com as vizinhas dizendo que aquilo é que são terras boas, pois que ao fim de pouco tempo já era Presidente. Tinha comprado uma bola, e na sanzala onde era cantineiro, formou uma equipa sendo ele o presidente.

Na Guiné, ficou o hábito entre os jovens que viveram junto dos quarteis e conviveram com os nossos militares, imitarem os nossos soldados em várias situações, uma delas a pedir namoro às candidatas a "lavadeiras" e outras situações.

Claro que era hilariante a tentativa de imitar um açoreano um minhoto ou um lisboeta. Porque, devido ao contacto, esses jovens sabiam a origem dos militares.

Amigos tertulianos, a colonização portuguesa foi feita desde "joanitos a luandinos vieiras", desde os "tenentes Serpa Pinto até aos capitães Otelos", resumindo fomos nós os portugueses.

E, embora os nossos africanos se queixem por exemplo que nem uma linha de comboio deixamos na guiné, nunca os ouvimos queixarem-se dos "joanitos", antes pelo contrário.

Claro que o discurso oficial dos movimentos é uma coisa, teem que justificar a própria existência, mas ouvir o povo é estar nos antípodas do discurso oficial.

Caro Torcato, o grande crime colonial, não esteve nos "Joanitos", e os africanos sabem-no bem.

Mas o colonialismo que praticámos, jamais devia existir, mas já terminou mesmo?

Antº Rosinha

Julio Vilar pereira Pinto disse...

Se me permites não é PDI mas sim DNA (Data de Nascimento Antigo).
Vamos levando a vida a rir.
1 abraço

Anónimo disse...

Garanto que o Juvenal me plagiou, mesmo ainda antes que eu tivesse lido o teu escrito, mais ainda (antes) que eu tivesse gozado o prazer de o ter lido, muito mais (antes) do que escrevesse eu esta reacção.
Quer dizer. O Juvenal é o danado de um bruxo.
E não vou tirar razões ao José Manuel e ao Mexia Alves, porque a história esta cheia de histórias, a razão está cheia de razões e a verdade cheia de verdades e...de mentiras, também.
Na minha parvoíce pessoal e complicada de sintetizar ideia gerais, ando a tentar dizer isso que dizes aqui, e o que dizem eles, não por vontade de ficar em cima do muro, mas porque me aparece sempre a história do cego condutor de cegos.
Já me calei com o abraço…de inveja
José Brás

Anónimo disse...

"A razao está cheia de razoes e a verdade cheia de verdades e...de mentiras também". Melhor do que o Amigo José Brás escreveu...nao o sei fazer!(Há que saber aceitar diferencas entre um Escritor e um escrevente). Caro Torcato,"desenroscas" uma história fantástica.Parabens! E,com o TAL "passo atrás para tomar balanco" deves estar a sorrir com alguns dos resultados. Um grande abraco.

Anónimo disse...

A Planície é assim!

Dá gente assim!

Colonialismo assim?

Vai Torcato em frente assim!

Quem comparar Africa com Planície assim?

Tem autoridade para falar assim!

Torcato! Continua assim!

Aquele abraço assim?... Como o Guadiana ou Cumbijã!


Mário Fitas

admor disse...

Camaradas,
Comotexto ou como conto está óptimo, gostei.
Como fado toda a gente sabe qual é "NÃO BATAS MAIS NO CÉGUINHO".
Quanto ao tema o que é que se pode dizer?
Eu penso que o problema da colonização deve ser imputado ao poder político e das grandes empresas, que desde sempre se impuseram nas colónias ou provincias ultramarinas. E não nos podemos esquecer que os portugueses qu iam para lá pertenciam à franja da pior estirpe do povo português. Porque passar das províncias do Minho ou do Algarve para as de Angola ou de Moçambique, (o resto era paisagem) em termos práticos era muito complicado, mesmo nos finais dos anos 50. Agora os degredados por crimes tenebrosos, quer no tempo da monarquia, quer no tempo da républica eram os que mais fácilmente obtinham ovisto de saída, não precisando sequer de carta de emprego. Já nos anos 60 e 70 os novos degredados que por acaso em vez de criminosos pertenciam à classe militar principalmente milicianos mudaram completamente as condições do colonialismo. Assim em qualquer destacamento ou aquartelamento com 300 ou 500 alminhas tinham um posto sanitário e enfermeiros para lhes prestar assistência medicamentosa, coisa que ainda não existe na maior parte das nossas aldeias. Portanto os infelizes até fomos mais nós povo português que de riquezas (NÈPIA)mas de pobreza tivemos desde tudo até IMPOSTOS.
Agora nos tempos que correm e com os politicos que têm é que estão mesmo miseráveis, pois como todos sabemos as independências não enchem barriga. Mas nesse aspecto nós também não temos ido longe pois os nossos politicos não são nada diferentes dos deles e o nosso país também está cada vez mais desgraçado.
Realmente quase nada lhes demos, quase nada recebemos e cá vamos vivendo todos pretos e brancos com as nossas desgraças.
ADRIANO MOREIRA -EX-FUR.MIL.ENF.
CART.2412 - SEMPRE DIFERENTES.
BIGENE,BINTA,GUIDAGE E BARRO.68/70