quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 – P5766: Estórias do Tomás Carneiro (2): Rotinas em Jugudul


1. O nosso Camarada Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor da CCAÇ 4745 - Águias de Binta, Binta, Cumeré e Farim – 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem, com data de 3 de Fevereiro de 2010:

Olá Camaradas,

Dando continuidade aos meus escritos sobre a minha passagem pela Guiné, aqui vai mais um fragmento das minhas memórias.


Depois de passada a 1ª noite dentro do arame em Jugudul, no 2º dia recebemos ordem de “despejo” e toca a mudar o acampamento, para junto de uma casa que ficava ao lado do quartel.

Diziam que a instalação era uma escola, não tinha portas nem janelas, mas lá montamos a “barracada” de novo.

Durante o dia tínhamos visto uma cobra, cujo comprimento não tinha mais que 30 centímetros. Esquecemos a raio da bicha nas ocupações rotineiras, mas, já noite serrada (nós dormíamos em colchões insufláveis), ouvimos qualquer coisa que fazia um “barulhão” e logo nos assaltou a comum e inquietante fobia às desgraçadas das cobras. Então para semear melhor a confusão e o pânico, alguém gritou: “Cobra”, e logo começou um alvoroço diabólico, com o pessoal a revirar os tarecos todos, mas não encontramos nada vivo nem rastejante.

Quanto à segurança nesse acampamento, fora do arame, não me lembro se a tínhamos montada, ou não!

Por ali ficamos uma temporada, trabalhando de dia no quartel de Polibaque, onde havia muita coisa para fazer, como o forno cozinha e o corte e preparação dos bidões para os banhos do pessoal.

A água íamos buscá-la ao rio Jugudul e a areia para as obras tirávamo-la do mato em frente à porta de armas do aquartelamento de Jugudul, e, enquanto 5 ou 6 homens carregavam a viatura, outros 2 ou 3 garantiam a segurança. Imaginem se aparece-se o IN nestes momentos!

Com o decorrer dos trabalhos da frente da estrada Jugudul/Bambadinca, foram empregues muitos trabalhadores Guineenses, que era preciso transportar de, e, para as suas casas no Dugal e em Mansoa.

Esta tarefa dividia-me entre dois quartéis, porque tinha que dormir todos os dias em Jugudul, para levar o pessoal nos dias seguintes para o trabalho. Nessas andanças, travei boas amizades com alguns dos nativos locais.

A princípio eu tinha algum receio de circular a toda a hora sozinho com os nativos, muitas vezes sem qualquer segurança, mas eles diziam-me que não havia problema e até chegaram a oferecer-me cervejas, como prova dessa amizade.

De tempos a tempos transportei cibos já cortados, para obras nas suas moranças e, algumas vezes, cheguei a transportar caçadores com as suas peças de caça, que, em compensação, sempre me davam um naco de carne para fazer apetitosas petiscadas.

Com o Carnaval à porta recordo-me de uma cena. A “ferrugem” tinha comprado uma cabrita, para preparar uma petiscada que ficou combinada para a segunda-feira (ao fim da tarde), antes do Carnaval. Eu ainda estava nas obras da estrada e não sabia se se trabalharia nessa terça-feira. Disseram-me que sim e fiquei danado.

Vi os tabuleiros a serem preparados para irem ao forno e fiquei chateado por ter que ir, mas lá fui de muito má vontade. Lembro-me que nesse dia me desloquei a Mansoa e quando regressei a Jugudul, me disseram que afinal não se trabalhava no dia de Carnaval.

Peguei na arma, saltei para a viatura e pus o motor a trabalhar. Comecei a rolar devagarinho, para ninguém perceber o que eu ia fazer e saí do quartel. Depois foi pé na “chapa” e toca a “voar” até ao Polibaque. A noite começou a cair rápida e, com os faróis nos médios, lá segui até reencontrar os meus camaradas, que ficaram admirados comigo e com a estória que lhes contei deste “desenfianço”. Enfim lá petiscamos no meio de grande convívio, algazarra e satisfação.

Quando acabamos a refeição disseram-me que tinha correio na secretaria e desloquei-me para lá, mas ao atravessar a parada, que ainda era larga, senti mesmo ao meu lado, um grande rebentamento. Atirei-me de imediato de cabeça para o chão, mas acabei por verificar que afinal era o obus local, que estava a bater a zona. Levantei-me e fui então ao correio.

Já na estrada, de volta a Jugudul, ainda ia com o “coração nas mãos”. Hoje, penso que não repetiria tal doidice, mas, com os 21 anitos de então, até deu para isso e muito mais que viesse…

Na foto vê-se a barraca dos mecânicos.

Um Abraço desde o meio do Atlântico,
Tomás Carneiro
1º Cabo Cond CCAÇ 4745

Foto: © Tomás Carneiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. primeiro poste desta série em:

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Pois é, caro Tomás, nesses tempos 'tínhamos o futuro todo à nossa frente', muitos de nós pensavam e sentiam que eram 'imortais' e fez-se muita aventura, muita imprudência.
Mas, o que é a Vida sem esse 'sal'?
Ainda bem que tudo te correu bam.
Um abraço
Hélder S.

Joaquim Mexia Alves disse...

Conheço bem essa estrada e a "frente do Polibaque"!

Fiz muitas, muitas seguranças e até operações de dormir no mato com a C Caç 15 nessa frente de estrada, que curiosamente ía passar no Portogole e depois no Mato Cão, destacamento de onde tinha saído para vir para Mansoa.

Abraço camarigo para todos