domingo, 21 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5857: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (4): Operação Grande Ronco (2)

1. Segunda parte da Operação Grande Ronco*, trabalho de autoria de Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70).


Operação Grande Ronco (2)

Parte 2

A 26Jul68, depois do sol nascer, ouve-se uma voz de comando:

- Vá, levantem-se que vamos arrancar.

Era o Comandante da minha Unidade que parou por detrás de mim. Não me tendo apercebido deste facto, porque estava deitado no capim, levantei-me e dou meia volta com a arma na mão. Pelo movimento tive azar, fui ameaçado de prisão pelo superior hierárquico, desfiz-me em pedir desculpas porque não sabia que ele ali estava. Aceitou o meu pedido com ar de sorriso, mas com voz forte disse-me:

- Se houver uma segunda vez não te safas de uma porrada. (já lhe falei no assunto, mas não lhe viera à memória esta situação).

Alguns momentos depois chegara o Coronel Hipólito que dialogou com o Capitão. Como após o primeiro embate as coisas ficaram complicadas, delegou neste funções de orientação operacional e do que achar por conveniente, dada a sua experiência. Deste caso lembrou-se o Capitão, hoje, Coronel.

Tudo pronto, é reiniciada a marcha, são percorridos alguns quilómetros e a ponte móvel a servir, detectaram-se minas que são levantadas ou deflagradas, contudo sempre que necessário a frente ia informando e passando a palavra para não haver sobressaltos.

O IN desencadeara uma emboscada na zona frente da coluna auto, que se estendia desde as viaturas que eu seguia para o centro, eram as balas das kalashs e das PPSH (costureirinhas) sobre as árvores só para chatear. Via a certa distancia explosões de vários tipos de granadas que podiam também ser de granadas lançadas pelas NT, dado que também batiam a zona.

Pensando que no caso de haver uma emboscada, iria proteger-me numa das viaturas próximas, no entanto para esta situação, o pensado não surtira efeito. Logo que acontecera, acercara-me de um bagabaga que me estava próximo e o melhor onde podia proteger-me, mas quando reflecti sobre esta posição achei que poderia ter sido perigosa, dado que era um local propício para aí o IN colocar mina e/ou fornilho (servira-me de lição).

Sendo a primeira embosca em que intervinha, mirava para algo suspeito e apercebo-me de uma elevação com mata muito densa, o que dava a entender que o IN deveria estar instalado em zona privilegiada e de contra encosta.

Entre outras, uma granada explodira a cerca de 40 metros do local onde estava amochado, que depois foi identificada como do RPG 2, pois fui posteriormente apanhar a parte do foguete que saltara do corpo da granada, para guardá-lo como ronco (foto 5).

Logo alguém disse:

- Tens que ir apanhar muitas. - E eu respondi: - Não vou, porque esta tem significado.

Considerando o alcance máximo do RPG 2 e provavelmente o IN estaria emboscado a cerca de 300 metros da coluna.

Foto 5 > Guiné-Bissau> Buba> Sinchã Cherno> 1968 > Resto do foguete depois da explosão, que esteve acoplado ao corpo da Granada do RPG 2.

Eis que há uma pausa no cair granadas nas proximidades, não se ouvindo a passagem das balas das costureirinhas ou outras. De repente um camarada aproxima-se de nós e grita para não dispararmos, porque os que vão flanquear estão próximos dos gajos e a chegar à nossa frente.

Viemos a saber que a malta do Pelotão de Caçadores Africanos que iam no flanco, deram um enxerto de porrada no IN e como estes foram surpreendidos tiveram que se pôr em fuga.

Nesta intervenção, as NT não sofreram quaisquer baixas.

Refeita a marcha, algum tempo depois, a coluna sofreu nova emboscada, agora na retaguarda, tendo ocasionado às NT um ferido ligeiro. Por sua vez o IN deveria ter levado um embrulho e/ou sentirem-se pressionados pelas tropas dos flancos, puseram-se em fuga e não mais incomodaram.

Continuando a progressão, é montada a ponte móvel, são detectadas e levantadas minas, sem outros incidentes.

Pelo meio da manhã apareceram dois Fiat's quase de simultâneo, que nos sobrevoaram quase rasando as copas das árvores, talvez para nos verem e/ou comunicar. Mas pelo barulho dos motores e conjugando com o som da deslocação do ar, deram-se acontecimentos de grande incerteza, foram para mim situações que mais pareciam de bombas e que o céu ia desabar.

A partir de agora já havia contacto com o exterior e com apoio aéreo, a tensão amainou e com isso veio a emoção.

Posteriormente pelo menos deu-se a observar a chegada de um helicóptero, trouxera equipamento de Rádio de Transmissões e efectuara os Tevs para o HM 241 de Bissau.

Foto 6 > Guiné-Bissau > Região de Quinara > Sector de Buba > 1969 > Helicóptero Alouette III a efectuar TEVS. Eu estou mantendo segurança a pedido do Piloto, estando um ferido no banco de trás.

Refeitas as transmissões via rádio, logo se soube que ao encontro da coluna vinham tropas de Aldeia Formosa e Mampatá. A sua frente teve contacto quase ao fim da tarde. Como vieram a picar a estrada, detectaram uma mina e por isso estava supostamente livre.

Como o aproximar da noite ocasionara que as viaturas levassem as luzes acesas e que as da frente fossem em marcha acelerada, a existência de poças de água ainda mais ajudava a maltratar a já depauperada estrada de terra, dificultando a marcha das que procediam.

Estivemos perante uma situação em que se o IN nos atacasse, com aquela forma dispersa, umas dezenas iam parar aos anjinhos.

Os mais velhos diziam que já não haviam problemas porque estávamos a chegar a Mampatá, que era já ali, mas foi uma eternidade para lá chegarmos (foto 7).

Chegados, estava população a ofertar água a quem seguia na coluna, era sua tradição o que muito nos sensibilizara.

Foto 7 > Guiné Bissau >Região de Tombali > Mampatá > 1968 > Paragem de uma coluna e tempo de espera para se recompor. Os camaradas que estão na foto são da minha Unidade. Em cima da esquerda, sou eu e depois o ex-Condutor Auto Vítor “O Lisboa”; em baixo, não ligo o nome com o camarada, a seguir o Soldado Isaac das Trms e o Soldado Albino Oliveira “O Cantiflas,” que devido a acidente nos deixara em Empada.

A marcha prossegue, passando pelas Tabancas de Bacardado e Afia. Por conseguinte são cerca das 20 horas, do dia 26 de Julho de 68, passamos pela estrada contígua à pista de aviação, quando finalmente chegamos a Aldeia Formosa (Quebo) onde nos aguardavam.

Ufa, até que enfim, que ansiedade de chegar ao cabo de cerca de 36 horas.

Deduzindo o tempo de pernoita, temos que os 30 quilómetros de distância foram percorridos à média de 1,5 Km/h.

Foto 8 > Guiné-Bissau > Região de Tombali >Aldeia Formosa (Quebo) > 1968 > O que restou do Unimog sinistrado pela mina AC (agora com colocação de rodado), a ser rebocado para a oficina (em fundo) a fim de ser desmantelado para peças sobressalentes. Na viatura, em cima e da esquerda: sou eu, e os restantes são da CCaç 1792, o ex-1.º Cabo Condutor Auto, o ex-1.º Cabo Mecânico Auto e um Condutor Auto; em baixo, o ex-1.º Cabo Mecânico Auto José Luís Moreira, da minha Secção, e um Soldado da CCaç 1792.


Parte 3

Da posição: Guiné 63/74 –P5699 estórias avulsas (70) A.E.; Rubrica de Perdidos e Achados, sou de dar o seguinte conhecimento.

Após receber vários E-mails e usando o GPS, finalmente descodifiquei os caminhos para chegarmos ao epicentro da Unidade Militar do celebre desconhecido e localizei a estátua “O Pensador.”

Sendo convocado o Soldado Condutor Manuel Martins, o barbeiro de serviço, hoje comerciante a residir em Aldeia do Carrasco - Portimão, que a solicitação do José Belo, retirara a boina da cabeça do dito cujo, não sendo o suficiente fez-lhe o cortes do cabelo e da barba. Tendo-se feito luz sobre de quem se tratava, aí está o homem e deixem-no tratar do seu bloco de notas (Foto 9).

Há mais “estórias” amigo e camarada Zé Teixeira, virá a vez de outro haja saúde e boa disposição.

Não esquecendo que revelando fotografias, ainda fiquei com a cara de muitos camaradas, não tendo mais por ter enviado material para revelar na África do Sul, provavelmente parte foi confiscado e outro já se deteriorou.

Relativamente ao convívio no almoço de cozido, em Monte Real, digo, que por ali não reconhecia o camarada e amigo José Belo, a neve da Lapónia branqueia-lhe a barba, o ar deverá ser gélido e não há a amenidade dos meus Algarves.

Diga-se que tenho dele uma fotografia como recordação que irei mostrar no momento adequado. Penso que deixei de o ver pessoalmente em Abrantes, no entanto em datas posteriores ao 25 de Abril, voltei a vê-lo pelas imagens da RTP.

Foto 9 > Guiné-Bissau > Região de Quinara > Empada > Porta de Armas> 1969 > Momento de concentração de um pensador, escrevendo belos poemas e/ou estórias.

Nesta data, completara a primeira etapa da minha comissão de serviço, sendo um quadro do que no futuro eu teria intervenção, tornando-se mais ou menos de rotina.

Porque para além da minha Especialidade e em escoltas às colunas auto, também era escalado para a defesa dos aquartelamentos e para apoio nocturno a população em auto defesa, com intervenção na protecção à abertura e construção do troço de estrada Buba - Nhala.

Com um grande abraço deste amigo e camarada, subscrevo-me,
Arménio Estorninho
Ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas
Um Maioral
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5845: As minhas memórias da guerra (Arménio Estorninho) (3): Operação Grande Ronco (1)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Amigo,Companheiro e Camarada Maioral! Recordo bem a Coluna dos Obuses de Buba a Aldeia Formosa que tu descreves em detalhe.Foi uma aventura com "A" grande por tantos acontecimentos nela passados(e alguns bem trágicos).Fico á espera de notícias tuas.Um grande abraco!

Zé Teixeira disse...

Querido amigo.
Tens surpresas destaas. Apanhaste-me de surpresa nesta foto e guardaste-a bem guardada até hoje.
Creio que estou a escrever mais uma estória real no "meu diário".
O rigor com que descreves esta nossa aventura, passsados tantos anos leva-me a dizer-te que tens memória de elefante. Eu que a escrevera no dia seguinte em Aldeia Formosa, não consegui ser tão concreto.