sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 – P5886: Histórias do Eduardo Campos (11): CCAÇ 4540, 1972/74 - Somos um caso sério (Parte 11): Nhacra 6/Final



1. O nosso camarada Eduardo Ferreira Campos, ex-1º Cabo Trms da CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74, dando continuidade às suas memórias da Companhia em Nhacra, iniciadas nos postes P5711, P5729, P5796, P5812 e P5869:enviou-nos a 11ª fracção e mais alguns documentos históricos do seu arquivo pessoal:


CCAÇ 4540 – 72/74

"SOMOS UM CASO SÉRIO"

NHACRA 6

Os dias passavam e, com as noticias que chegavam de Lisboa, a ansiedade do regresso cada vez se acentuada mais. Afinal a guerra tinha mesmo acabado e continuava a sentir-se uma certa anarquia entre as forças militares. Os meus presságios não eram os melhores, mas acabou por ser só “fumaça” minha, como disse mais tarde o Almirante.

Um torneio de futebol de salão surgiu então em boa altura, criando nova diversão e distracção, que passava pela discussão clubista, as críticas sobre as arbitragens, os golos marcados e sofridos, os “frangos” dos guarda-redes, etc., servindo, em parte, para que nos abstraíssemos durante alguns dias, do total “deserto” de acção e movimentação, que agora nos rodeava.

EQUIPA STORNOS CAMPEÕES. De pé, esquerda para a direita: Sequeira, Mendes e Barros. Em baixo, da esquerda para a direita: Silva, Eu e Saraiva

O “Jornal” continuava a trazer problemas, com saneamentos e demissões à mistura, seria a aprendizagem da democracia a funcionar?

A 16 de Agosto de 1974, fomos substituídos pela C CAÇ 4945/73, ficando nós, a partir dessa data, a aguardar transporte para o regresso a casa.

O pessoal da Companhia, começava a não disfarçar o que lhe ia na alma e, houve até quem quisesse ir para Bissau, criando alguns distúrbios, fruto de vários boatos e rumores, de que estariam a embarcar de regresso à Metrópole, tropas com menos tempo de permanência de Guiné, que nós.

A 23 de Agosto, já era difícil segurar os militares no quartel e foi que então que saímos do Cumeré, acompanhados de militares de outras unidades e marchamos sobre Bissau, sendo barrados por um cordão de segurança humano em Safim.

Alguém do Comando Chefe se deslocou a Safim, e, nas negociações efectuadas ali, no local, foi-nos prometido que o Uíge, que nesse momento se encontrava no cais de Pijiguiti, em Bissau, a carregar material de guerra, passados dois dias permitiria que embarcássemos nós também.

Às primeiras horas do dia 25 de Agosto/74, finalmente deu-se o nosso regresso, a bordo do Uíge, tendo o mesmo chegado a Lisboa em 30 de Agosto.

A poucos dias de completar 24 Meses de Guiné, e em pleno mar alto, assisti a algo que jamais poderia imaginar ver algum dia, depois de tudo o que tinha passado na Guiné.

Não sei porque razão, mas fiz a viagem toda numa cabine do navio, enquanto os meus companheiros o fizeram no porão.

Por curiosidade, um dia desloquei-me ao porão e que os meus olhos viram e o nariz sentiu, jamais me abandonou até aos dias de hoje. As condições de transporte daqueles camaradas era simplesmente, inumana, indigna e até incoerente com o tempo da nossa era, em que tanto se apregoava a civilização.

O pessoal (praças), que vinha no barco já tinham algumas bases de aprendizagem sobre o que era ser “revolucionário”, e, vai daí, como não tinham acesso ao bar de oficias e sargentos toca a ocupá-lo.

O Comandante do Uíge, que os devia ter no sítio, ordenou que se a malta não abandonasse de imediato o bar desviaria o navio para Cabo Verde. Só assim foi reposta a legalidade hierárquica “copofónica” de imediato.

Se a memória não me atraiçoa o navio passou pelo Funchal, onde desembarcou uma Companhia de Madeirenses, retomando de novo a via marítima para Lisboa.

Já em pleno rio Tejo, os militares receberam instruções que teriam de ir à Amadora entregar o fardamento. Não gostando do que ouviram, alguns começaram a deitar os sacos ao rio. Foi-nos pedido para “aguentar”, e, mais tarde, as novas ordens foram para que deixássemos tudo a bordo.

Terão os SUV nascido na Guiné?

Anexo a seguir alguns documentos com história, que estavam guardados no meu baú das recordações, entre os quais um pequeno livro que nos foi distribuído pelo Estado Maior do Exército, intitulado Missão na Guiné. Recordam-se?




Livro que nos foi distribuído pelo Estado Maior do Exército, intitulado Missão na Guiné.





















Um abraço Amigo,
Eduardo Campos
1º Cabo Telegrafista da CCAÇ 4540

Fotos e documentos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados.
___________
Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Eduardo Campos.

É com textos como os que descreves que se fica com a noção exacta da perda de valores e de perfeita anarquia que se viveu em algumas unidades pós Abril.

Pergunto, onde paravam os “comandantes” nessa altura?

A cena de atirar sacos com fardamento pela borda fora, já em pleno Tejo é ilustrativa de indisciplina militar, já em marcha no País.

Como no nosso caso tudo se passou mais ou menos ordeiramente, mas com uma situação muito diferente e mais grave, de termos de pegar novamente em armas para parar uma tentativa de sublevação de tropa nativa em Guidaje, já em Julho por isso aqui não haviam tantas efusões de alegria com o PAIGC.

Estou a recolher elementos para poder contar essa estória.

Por outro lado felicito-te pelos documentos que inseres no texto, servem para estudar bem aquele período conturbado.

Um grande abraço

Manuel Marinho

Anónimo disse...

Amigo Eduardo Campos

O espólio da C. Caç 4540 foi efectuado no navio Uíge.

Se houve cenas menos dignas não foram da C. Caç 4540.No navio seguiam mais três C. Caç e um B.Caç.
O assalto à messe dos Sargentos não teve as participação dos militares da C. Caç 4540.A resolução do problema com retirada dos militares intrusos teve a coloboração dos militares da C. Caç 4540.

A discilplina foi rapidamente reposta.

Vasco Ferreira

Anónimo disse...

Caro Campos:
A minha C.Art.6250, chegou a Bissau em 27/6/72 e após o IAO arrancou para Mampatá onde permaneceu durante 24 meses.Regressou a Bissau em 24 de Julho de 74 e aí aguardou 1 mês, num sítio chamado Ilondé com milhões de mosquitos.Saímos do aeroporto de Bissau, com destino a Lisboa, no dia 24 de Agosto, com 26 meses menos 3 dias.
A indisciplina começava a alastrar por muitas unidades e lembro-me que a toda a hora circulavam boatos sobre a saída do território de unidades mais novas que nós e isso provocava acessos de raiva com ameaças do género:"vamos amanhã para o aeroporto impedir a saída de alguma unidade com menos tempo que nós"
Claro que havia indisciplina mas, aquando das revoluções, há sempre indisciplina, aliás esta faz parte da sua essência. Eu próprio fui indisciplinado mas, esta minha faceta, fica para outra vez.
Um grande abraço.
Carvalho de Mampatá.

Anónimo disse...

Eduardo, tambem se falava que nas últimas viagens de regresso haveria ordens para desembarcar à civil, será?

Tem que aparecer mais gente a falar abertamente neste final, para a história não ficar coxa.

Tambem, o próprio Gen Spínola apareceu no Brasil, perante jornalistas, sem monóculo nem pingalim, e com a gravata meio desalinhada.

Claro que apareceu lá, à pressa como refugiado, com um aspecto de general latino-americano, daqueles filmes à americana, em que os militares mexicanos aparecem sempre desprestigiados.

Visto do Brasil, os militares em Lisboa, de camuflado e cabelo comprido deixava a gente constrangida com os comentário à brasileira.

E a retirada das colónias de militares e civís era vista com essa prespectiva de "bagagem ao mar".

Enfim, agora lá estamos no Afeganistão ao lado dos ingleses!

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Amigo Vasco Ferreira

Vens confirmar o que eu disse, o espólio foi "deixado" no barco.

Quanto ás senas que consideras menos dignas, hoje, eu também as considero, mas na época com 24 anos até as considerei giras,no entanto não encontras no meu texto nada em que eu acuse os n/ companheiros da C.Caç 4540, eu falo nos militares que vinham no Uíge e naturalmente o barco não trazia só uma companhia.

Se tens acompanhado os meus depoiementos, sabes bem que salvaguardei sempre a Companhia, já que no percuso efectuado até agora, não mencionei nada que podesse magoar alguns companheiros e naturalmente teria matéria para o fazer.

Os 36 anos que nos separam destes acontecimentos, não me permitem contrariar a tua versão, mas fico feliz por saber, que a C. Caç.4540nada teve a ver com o assalto e que ainda colaborou na resolução do problema.

Quanto ao facto da disciplina ter sido imediatamente reposta, não vem em nada contrariar o que eu disse, os factos existiram.

Sem o quanto adoras a C. Caç 4540 e reconheço, que o meu amigo até foi um bom oficial da Companhia, mas também tens de aceitar que existem praças que também gostam, da mesma e eu jamais faria ou diria algo que podesse prejudicar a n/ Companhia.

Para que não restem dúvidas lê com atenção os meus depoimentos, falo sempre em miltares e em Nhacra existia um COP, logo havia mais unidades e o barco trazia muita "pova".

Se existirem algumas dúvias, na próxima 4º feira no Milho Rei, com um copo de maduro tinto no nosso Amigo Zé Manel, as mesmas serão !!!!!!!!!!!!!

Um Abraço
Eduardo Campos

Anónimo disse...

Antº Rosinha

Como não tenho provas documentais e depois de tantos anos,não seria honesto generalizar, apenas te direi que eu saí á civil do Uíge directo para Santa Apolónia para "apanhar" o comboio para o Porto

Um Abraço.
Eduardo Campos

Anónimo disse...

Sem dúvida, um poste de antologia. O amigo Eduardo Campos teve a coragem de vir aqui contar um aspecto importantíssimo e muito complexo da época: "os dias do fim". Foi, além disso, de uma grande sensibilidade e camaradagem, ao eliminar os nomes de envolvidos nas situações, porventura, mais polémicas.
Este poste vem, ainda, alertar para o facto de nos faltar uma obra de referência, descomprometida, sobre esses "dias do fim" nos três TO. E, pelo que se leu, muito há para contar.
Um abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Meu caro Eduardo,

Nao sei que se passou contigo, primeiro queixas-te que o homem não te podia ver, depois marcam-te férias para a Guiné de onde regressas a viajar na cabine, não no porão, tens livros e provas que os tens, daqueles que poucos ou mais ninguém tem, começo a desconfiar das tuas ligações...

Depois da história tens de salvaguardar a honra do convento com um comentário, onde entre tantos insubordinados os da CCaç 4540 até parecem "bétinhos"? Hum!!!

Todos nós conhecemos os tempos que se viveram nessa altura, a dificuldade de alguém controlar fosse o que fosse e mais ainda quando em grupo para não dizer multidão, mas enfim, há sempre quem entenda que só os outros é que são maus, mesmo nas circunstâncias em que os acontecimentos ocorreram e quando tinhamos, como dizes e bem 24 anos. Será que algum dos que hoje fala sobre situações como esta não teve já vinte e poucos anos? Cuidado com o Alzheimer.

Felizmente fazemos disparates, lamentável é não os sabermos reconhecer quando não mesmo emendarmos, se possível.
Gostei de todos os relatos que fizeste, as tuas crónicas foram sempre de grande nível e como sempre, salvaguardando ou omitindo nomes que pudessem por em causa alguém.
O meu apreço por ti e um abraço,
BSardinha