sábado, 20 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6029: Memória dos lugares (76): Prestei o meu serviço na Guiné (Albino Silva)

Sou o Albino Silva, Soldado Maqueiro N.º 011004/67, CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com a Caderneta limpa

PRESTEI MEU SERVIÇO NA GUINÉ

Prestei meu Serviço na Guiné, desde Maio de 1968 a Abril de 1970, e pertenci ao BCaç 2845, sediado em Teixeira Pinto. Pertenci à CCS, Armados para a Paz.

As restantes Companhias Operacionais eram: CCaç 2366, Periquito Atrevido; CCaç 2367 Vampiros, e CCaç 2368 Feras.

Considero bastante positivo o meu desempenho como Soldado Maqueiro, exercendo o meu serviço na Enfermaria em Teixeira Pinto, juntamente com mais elementos do Serviço de Saúde, então comandados pelo Dr. Maymon Martins, que era Alferes Miliciano.

Raramente tínhamos descanso já que havia muita tropa, pois além da CCS, havia ainda um Pelotão da CCaç 2313, um Pelotão de Panhards, Caop, Páras, Fuzas e Comandos, e outros que por lá passavam quando iam e vinham de Bissau ou outros destinos.

Por isso mesmo havia consultas diárias para o Médico, de segunda a sexta-feira que começavam sempre às 9 horas da manhã e terminavam só quando toda a tropa estivesse atendida. Consultava-se ainda os civis do Canchungo pelo que acabávamos o nosso trabalho entre as 12 e as 13 horas.

Depois do almoço, a partir das 14 horas, faziam-se os tratamentos, servíamos as receitas médicas que não tivessem sido despachadadas na parte da manhã, e havia ainda o controlo dos doentes internados na Enfermaria. Levava-se assim o dia inteiro com intenso trabalho, basta que em média eram aplicadas 300 injecções por dia.

O Médico, militar aplicado, era incansável não só pelo atendimento aos militares, mas também à população civil, já que da parte da tarde e diariamente, consultava no Hospital Civil, onde executava pequenas cirurgias. Estava sempre disponível e operacional quando havia feridos e outros doentes na nossa tropa, porque de imediato se juntava a nós, e foram algumas as vezes que se socorreram militares feridos que lá davam entrada. Alguns chegavam mortos como aconteceu infelizmente algumas vezes.

Teixeira Pinto> Enfermaria e Maternidade

Mas o 011004/67 continuava sendo útil, porque sempre que algum trabalho baseado em pinturas surgisse, lá vinha o Capitão Queiroz ter comigo, ora para pintar a Cantina da CCS, a Messe de Sargentos e Comando, o que diga-se em abono da verdade, era difícil, pelas altas temperaturas que se faziam sentir, mas eu lá estava obedecendo ao Capitão Queiroz, e até caprichava no trabalho que ia fazendo, pintando os símbolos das Companhias do Batalhão, mapas, e ainda de outras companhias. Assim também ia bebendo umas bazucas por conta da Cantina e do Capitão.

Juntamente comigo arrastei o carpinteiro da Companhia, para com os barris fazer mesas e cadeiras, e ainda tabuleiros de damas e jogos de dominós. Tudo ia resolvendo extra Especialidade, mas com grande sacrifício.

Fui um bom militar para o meu Comandante de Batalhão, Ten. Coronel Aristides Pinheiro, bem como para o Capitão Queiroz, Dr. Maymon Martins, porque também na casa onde ele morava e pertencente ao Serviço de Saúde, eu executei trabalhos.

Continuava sendo um militar exemplar, embora os louvores fossem para quem nada fazia, porque para além destes serviços ainda fazia, a pedido do Furriel Enfermeiro, requisições de medicamentos a Bissau, que depois tinha de conferir.
Ainda me recordo do truque que usava, ao querer ter um determinado medicamento, tinha de pedir 10 iguais.

O tempo ia passando e o 011004/67 tinha que fazer ainda guardas e reforços ao Quartel, que confesso me fazia sentir algum receio, especialmente quando estava de reforço ao Fortim situado na rotunda de Teixeira Pinto, que era muito perigoso. Nessa rotunda havia a estrada para o Pelundo, Jolmete, Ponte Alferes Nunes, Bachile, e ainda para Có ou Cacheu, e por isso durante a noite se ouviam movimentos, até porque sabia que ali tão perto das tabancas havia inimigos que se preparavam para uns assaltos a casas comerciais, como chegou a acontecer, mas também para roubarem gado e haveres da própria população.

Teixeira Pinto> Fortim no Centro da Vila

O mesmo receio tive nas inúmeras vezes que fiz guardas à Central Eléctrica, esta bem junto à Igreja de Teixeira Pinto, já que nas traseiras era a tabanca, com bastante movimento até altas horas da noite, havendo ainda para piorar a situação pouca iluminação, sendo mesmo escuro a uma distância de 50 metros.
Valia a concentração e ser jovem para aguentar toda a noite sem descansar e com dores no pescoço de tanto olhar para todas as direcções, sempre de G3 nas mãos, porque com o barulho dos motores, que eram dois de marca Lister, não se ouvia mais nenhum ruído.

Esses serviços eram duros de se fazer mas tive de os suportar, por mais que uma vez, felizmente sem haver estragos.

Passados treze meses de Guiné comecei a alinhar com os Sapadores da Companhia, na guarda à Ponte Alferes Nunes entre Teixeira Pinto e o Bachile, sobre o Rio Costa.
Havia no lado esquerdo da Ponte um Fortim com 6 metros de altura, com cobertura com chapas zincadas onduladas, como se aquilo protegesse alguma coisa em caso de ataque.
A Ponte, de madeira, tinha sido reconstruída porque a primeira, também em madeira, tinha sido destruída.
Nesse serviço nunca tive qualquer receio porque também estávamos bem armados e nunca tinha havido nada de anormal.

Ponte Alferes Nunes entre Teixeira Pinto e Bachile

Sei que após o Batalhão deixar a Guiné, algum tempo depois, a Ponte foi reconstruída novamente, desta feita em ferro, como aliás já a vi em fotos de outros camaradas.
Entre a Ponte Alferes Nunes e o Bachile participei em picagens de estrada com um Pelotão da CCaç 2313, quando se faziam escoltas de reabastecimento ao Bachile, onde estava um Pelotão da Companhia 2368 do meu Batalhão.

Na mesma estrada, com a CCaç 2313 do Capitão Penim, andei na capinagem, quando o General Spínola assim o exigiu, pois era uma estrada onde havia muitas emboscadas, a partir do Bachile e até ao Cacheu. Nalgumas delas estive envolvido, durante os reabastecimentos ao Cacheu, quando se chegavam a fazer duas escoltas por dia.

Lembro que cheguei à Guiné no dia 6 de Maio de 1968 e o General Spínola no dia 12 do mesmo mês. Mais que uma vez estive junto a ele em Teixeira Pinto, e numa delas com os malogrados Majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório, que também eram meus amigos. Cheguei a beber algumas bazucas pagas por eles, quando à Enfermaria se dirigiam em busca de mésinho para levarem à tabanca para os (amigos) que mais tarde os viriam a assassinar, em 20 de Abril de 1970, à saída do Pelundo em direcção a Jolmete, estava já eu a chegar a casa de regresso.

Continuava eu sendo um bom militar pois com um Pelotão da CCaç 2368 e da 2313 saía em missões e a ração de combate, levando comigo o repelente já que em três dias tínhamos que suportar tantos mosquitos vindo das águas podres das bolanhas, as quais muitas vezes as atravessei debaixo de intenso calor e com o cantil vazio.

Era doloroso para quem não estava habituado, mas nunca senti receio, porque sabia que andava com camaradas que estavam habituados a andar no mato e enfrentarem situações difíceis como chegaram a ter.
Com eles sentia-me bem e todos me ajudavam, porque indo eu armado como eles, ainda levava a Bolsa de Enfermeiro carregada com medicamentos mais algumas garrafas de soro penduradas em mim mesmo, pois tudo poderia acontecer e tudo seria útil.

Pernoitei algumas vezes entre as matas perto de tabancas, ouvindo os nativos na conversa até altas horas da madrugada. Cheguei a ver em picadas, em direcção às tabancas, inimigos com armas nas mãos, passando a escassos metros de nós. Nem sinal dávamos de nossa presença pelo facto de ser tarde e nunca sabermos quantos elementos eram e o armamento que usavam. Assim se juntavam com a restante população.

Fui útil e cumpri meu dever, até na acção psicológica, protegido pelos camaradas daquelas Companhias, prestava assistência à população que vivia nas tabancas, não só aqueles que vinham ao meu encontro, (ali era Doutor) mas também ia eu às tabancas consultar mulher grande, homem grande, incapacitados de andar com a velhice e bajudas.

Era mais um dos trabalhos que desempenhava sempre com a mesma aplicação e esforço, mas sentia-me compensado por aquela gente, que me oferecia uns frangos e, quando mais não tinham, laranjas, que põe vezes eram boas para matar a sede, quando mais nada havia.

Eu sabia que nem todos os nativos eram contra nós, pois mesmo no Quartel em Teixeira Pinto, não havia vez nenhuma que aquelas mulheres e bajudas quando fossem para a bolanha ao peixe, ostras, camarão, etc, não passassem pela Enfermaria e lá deixassem alguma coisa para mim, tudo pela forma como eu os tratava.

Lembro que em toda a minha comissão, nunca da minha G3 saiu um tiro, porque felizmente para mim nunca necessitei. Recordo-me de uma vez que fui ajudar os básicos da cozinha a recolher lenha em viaturas lá para os lados de Calequisse e Caió, perto de uma tabanca, de vir alguém ao meu encontro porque me conhecia, não só para me cumprimentar, mas também para pedir mésinho.

Cumpri meu dever e terminei a comissão com o orgulho de ter servido minha Pátria.

Durante aquela guerra ganhei muitos amigos que ainda hoje conservo, e recordamos ano após ano as peripécias vividas. Fico sempre triste quando sei que de um ano para o outro houve uma alguma baixa.
Desde sempre e ainda hoje procuro camaradas quer do Batalhão quer de outras Companhias, em especial da CCaç 2313.

Sinto o orgulho do meu dever cumprido.

Para a nossa Tabanca Grande,
Albino Silva
CCS/BCaç 2845
Teixeira Pinto
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5918: Blogpoesia (66): Querida Pátria (Albino Silva)

Vd. último poste da série de 19 de Março de 2010 > Guiné 63/74 – P6021: Memória dos lugares (71): Recordações de Bambadinca (Armandino Alves, 1º Cabo Aux Enf, CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga, Madina do Boé, 1966/68)

6 comentários:

Anónimo disse...

Caro Albino Silva

Não há duvidas de que neste blog, por muito estranho que possa parecer, as coinsidencias acontecem.
Hoje mesmo, por e-mail/falei com Jorge Teixeira/Portojo e lhe falei nesse pequeno e Grande Homem que tu tão bem descreves-te e eu o posso confirmar, Dr Maymon Martins
fez serviço no HM241,para teu conhecimento,penso que ele nunca o chegou a saber, lhe demos a alcunha de " o puto", era simples e directo para com todos, a esposa tambem era boa pessoa.
Só não sabia que ele tinha ido para lá depois de ter passado por Teixeira Pinto.
Já que também o conheces-te, de certo que chegas-te a ver o carro dele, só não me lembro da marca, era grande creme com bancos em vermelho e descapotável.
Foi um grande amigo de todos.
Nunca mais o vi, gostava de o ver.
Tens algum contacto com ele?

Um Abraço
António Paiva

Anónimo disse...

Caro Albino Silva.

Não duvido que foste um bom militar, até pelo facto de teres a especialidade que tinhas, fazer bem aos outros, eu só tenho a enaltecer o trabalho que os enfermeiros tiveram na guerra, sem eles nada feito, e tu em particular pelo que relatas.

Mas é sobre a saída com os GrComb. para o mato em segurança próxima do aquartelamento, que me deixa com dúvidas ao dizeres que viam o IN. e que não interviam pelo facto de não saberem quantos eram, deixa-me confuso, mas enfim a guerra era feita de muitas maneiras….

É que sei (na minha zona de acção) de alguns GrComb. que tinham de fazer segurança afastada ao aquartelamento ficavam próximos do mesmo, correndo o risco de serem atingidos pela Artilharia, que batia a zona durante a noite, pelo facto de não estarem onde deviam.

Um abraço

Manuel Marinho

Anónimo disse...

Albino

Benvindo.

Estive por essas bandas em 71.
Gostei de rever a Ponte Alferes Nunes que tantas vezes cruzei e que ,se me não atraiçoa a memória,com o tabuleiro em madeira(?).

Tiráste-me a duvida que tinha no que diz respeito a haver lá o Pel Rec.motorizado.Só que ,no meu tempo julgo que eram "Daimler" e naõ "Panhards" . Confirmas?

Um abraço
Luis Faria

Anónimo disse...

Esquadrão de Reconhecimento e não Pelotão!!!

Luis Faria

Unknown disse...

Caro Albino
Complementando o comentário do A.Paiva, só te queria perguntar se o Batalhão saiu de Chaves.
É que espero encontrar, mais dia menos dia, o médico do Batalhão. Só para lhe dar um abraço. Mas creio que não é o que referes.

Albino Silva disse...

Com bastante atraso quero dar aqui informaçao aos Seguintes Camaradas.
Ao Antonio Paiva ,
quero dizer que fiz toda a minha comissao com o Dr Maymon Martins em Teixeira Pinto,e a sua morada e a seguinte:
Fernando Antonio Maymone Martins,
Rua General Firmino Miguel,Nº 10
2795 Linda a Velha
TF. 214 171 622

Ao Manuel Marinho,
Quero dizer que o relato que faço que e a realidade desse passado.

Quanto ao ter sido bom Militar,pois quero dizer que todos os que passaram por aquela Guerra
foram bons Militares, e os Enfermeiros tiveram sim um papel brilhante nas funçoes que exerciam,mas outros Camaradas tinham igual Merito nas especialidades que tinham.
Um Abraço,
Albino Silva.

Ao Luis Faria.
Caro Luis, eu deixei Teixeira Pinto em 70.
Esta correcto a Ponte Alferes Nunes ser em Madeira,pois l´´a fiz alguns Serviços de Guarda, e ela era tal como nas fotos que aqui coloquei.
Quanto a Esquadroes ou Plotoes,
Draimleres ou Panhards,
No meu tempo era um Plotao e eram defacto Panhards.
Quanto ao meu Batalhao,saiu de Chaves para Santa Margarida e depois Guine.
O Medico que referes e o Dr.
Maximino Jose Vaz Cunha, a trabalhar no Hospital em Chaves. Seu Endereço :
Rua Santo Amaro, 5400 Chaves
Tf. 276 323 505
E claro que me refiro mais ao Dr. Maymon Martins porque foi com ele que passei toda a comissao,enquanto com o Maximino apenas estive poucos dias.

Um Abraçao, Albino Silva