sexta-feira, 2 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6095: Os nossos regressos (22): Os cruzeiros da minha vida (Armandino Alves)

1. O nosso Camarada Armandino Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem na CCAÇ 1589 - Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé -, 1966/68), enviou-nos uma mensagem, em 1 de Abril, que a seguir publicamos:


Os cruzeiros da minha vida

Camaradas,

Tenho lido muitas descrições sobre o transporte marítimo do pessoal mobilizado para a Guiné.
Eu não sei como o mesmo se processava no Uíge e no Niassa, certo é que, em tempos de paz, esses navios estavam destinados exclusivamente à movimentação de cargas e passageiros.
Não estavam, com certeza, dimensionados para acolher, como muitas vezes o fizeram, um batalhão e outras unidades.
Segundo me apercebi, em algumas viagens chegaram a transportar um batalhão e mais uma ou duas companhias.
Mas eram considerados barcos estáveis em alto mar.
Alguns dos navios empenhados nestas tarefas, de leva e trás, eram adaptados, mal e toscamente, de transporte de cargas para passageiros, transformando os porões de armazenamento de cargas em longas e atrofiadas camaratas.
Agora, aqueles que não viveram esse pesadelo, imaginem o que são cento e tal homens, enfiados num barco que normalmente transportava meia dúzia de passageiros.
A sua vocação era inequívoca, o transporte de cargas.
Então os poucos camarotes eram destinados aos oficiais e sargentos e o restante pessoal ia no porão, apinhado em colchões de palha, alinhados pelo pavimento sem qualquer tipo de cobertura, ou outra protecção. Privacidade zero!
Para os cabos e praças as instalações sanitárias eram construídas em madeira, sobre uma das amuradas do barco e consistiam, basicamente, num caixote em madeira dividido em três, com uma tábua transversal e um buraco no meio onde o pessoal se sentava.
Os resultados das evacuações caiam directos no mar (sem como é óbvio passar por nenhum tratamento residual).
Quanto a banhos estamos falados, até para lavar a cara era preciso levantar cedo para ter direito a água potável.
A alimentação não era da pior, só que a cozinha não estava dimensionada para servir tanta gente.
Eu, à boa moda da tropa de então ”desenrasquei-me”, pois comecei a entabular conversa com o pessoal da cozinha e a ajudá-los no transporte dos congelados da câmara frigorífica, cuja entrada obrigava a vestir um casaco de peles até aos pés, com carapuço e luvas do mesmo, pois o frio era “mais que muito”.
Assim, viajei todo o percurso dentro da casa das máquinas, pois era um dos poucos sítios onde se sentia menos o balanço do barco e, por isso, menos enjoativo.
Havia na parede um dispositivo com uma escala e um ponteiro no meio, que se deslocava ora para a esquerda ora para a direita, indicando o grau de inclinação do barco.
Acompanhei os mecânicos, de uma ponta à outra do barco, ou seja da casa das máquinas até à hélice a inspeccionar o veio principal de transmissão.
No regresso à Metrópole não tive tanta sorte, mas como o tempo era de Verão passei-o bem e, como vinha de retorno a casa nem liguei a isso. Quanto mais depressa chegasse melhor.
A viagem para a Guiné, foi a bordo do navio Manuel Alfredo e o regresso foi no Ana Mafalda (dois transatlânticos do meu tempo).


Um Abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Aux Enf CCAÇ 1589 (1966/68)
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

1 de Abril de 2010 >
Guiné 63/74 - P6089: Os nossos regressos (21): No dia 1 de Abril de 1970, a CCAÇ 2381 finalmente despede-se em Parada Militar (Arménio Estorninho)

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Armandino

Ao dizeres que o pessoal ia nos porões e sem o minimo de condições,o que era verdade,fizeste-me lembrar um Soldado meu que ainda hoje diz:Vós fostes no bem-bom dos camarotes e nós,a ralé(!?),fomos no "curral" dos porcos!!!!!!

Um abraço
Luis Faria