sábado, 3 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6102: PAIGC - Quem foi quem (10): Abdú Indjai, pai da Cadi, guerrilheiro desde 1963, perdeu uma perna lá para os lados de Quebo, Saltinho e Contabane (Pepito / Luís Graça)



Guiné-Bissau > Guerrilheiros do PAIGC em movimento em mata (Foto do PAIGC, s/d, reproduzido em Mikael Levin - Cristina's History. Cherbourg-Octeville: Le Point du Jour; Lisboa: Museu: Colecção Berardo, 2009, p. 91) (Com a devida vénia).

1. Texto do nosso amigo Pepito, com data de16 de Março último:


Assunto:  Pai da Cadi (*)

Luís

Seguem alguns dados referentes a Abdú Indjai [, foto de João Graça, à direita], pai da Cadi, tal como me havias pedido:

(i) Nasceu em Farim de Cubucaré,  em 1947;

(ii) O pai foi militar português que prestou serviço em Macau;

(iii) Entrou na Luta Armada logo no seu início, no dia 23 de Janeiro de 1963, na Base Central de Cubucaré, na Barraca Miséria, centro de recrutamento;

(iv) Especializou-se como fuzileiro em 64;

(v) Entrou no Exército Regular em 66, sob o comando de Kubói Nam'Bá, sendo Comissário Político Braima Camará;

(vi) Comandava então um grupo designado por "sete homens";

(vii) Fez missões militares em Como, Catchil [ou Cachil], Tombali, Cufar, Medjo [ou Mejo]  e Guiledje [ou Guileje];

(viii) Mais tarde, fez a guerrilha na zona 7 (Quínara), com o Comandante Gaio (cubano), sob a direcção do Comandante Nino Vieira;

(ix) Em 1968 intervém na Guerra da Ponte de Balana (tanto na pontezinha, como na ponte grande);

(x) Depois desloca-se para Quebo [, mapa de Xitole,] Saltinho e Contabane [, mapa de Contabana,] sob a chefia do Comandante Augusto Patchanga;

(xi) Nessa altura cai numa mina e fica sem uma perna [, possivelmente em 1969];

(xii) Evacuado para o Hospital de Boké,  na Guiné-Conacri, acaba por ir para a RDA em tratamento;

(xiii) Regressa a Conacri  na véspera da operação Mar Verde, assalto organizado por Spínola e Alpoím Calvão [, em 22 de Novembro de 1970];

(xiv) É nesta cidade que está quando a Independência da Guiné-Bissau é proclamada [, a 24 de Setembro de 1973];

(xv) Hoje é agricultor e Presidente da Associação dos Antigos Combatentes de Cantanhez.

abraço
pepito

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, Pepito, pelos elementos curriculares que nos mandaste do antigo Combatente da Liberdade da Pátria, Adbu Indjai, pai da Cadi, homem afável que o João Graça conheceu e fotografou em Iemberém, quando por lá passou em Dezembro passado. Infelizmente não tenho essa foto comigo, no meu novo portátil. Estou em Montalegre, em pleno coração do Barroso, viajando pelo Portugal profundo e periférico, nas miniférias da Páscoa... Estou no hotel, chove lá fora, e eu estou preocupado com as notícias que vêm de Bissau, com mais uma intolerável tentativa dos militares guineenses de fazerem sobrepor a força das suas armas à voz do povo e à legalidade do poder político...
Há quem culpe todos males da Guiné-Bissau ao parto (violento) que foi o nascimento da Nação e aos pais-fundadores que foram os guerrilheiros do PAIGC. Diz-nos a história que é sempre um desastre quando os guerrilheiros tomam conta do aparelho de Estado ou se convertem em exército regular. Amílcar Cabral não viveu o tempo suficiente para equacionar este problema, muito menos para resolvê-lo...Ainda bem para ele, e para a sua memória histórica...

Mas eu não quero falar hoje dos que, sem qualquer legimitidade histórica e muito menos política, se arvorarm em donos do  destino da Guiné-Bissau,  tentando interromper, bloquear ou aniquilar a seu bem-prazer o lento, difícil, doloroso mas inevitável  e irreversível processo de democratização da Guiné-Bissau. Há hoje gente, corajosa  e patriota que quer (e luta por) uma Guiné-Bissau, justa e democrática, por um Estado digno e respeitado no seio da comunidade internacional.

Louvo a iniciativa do AD - Acção para o Desenvolvimento no sentido de dar voz aos anónimos guerrilheiros do PAIGC, nomeadamente aos que operaram na região sul,  e que souberam despir a farda e entregar a arma depois da independência. De facto, no âmbito do Projecto Guiledje, equipas de investigadores da AD - Acção para o Desenvolvimento têm entrevistado, gravado e filmado alguns desses homens.  Os seus depoimentos são importantes para se fazer a história da moderna Guiné-Bissau.

Olhando para os rostos de alguns desses homens que eu conheci pessoalmente, em 2008,  ou  que conheço apenas por fotografia (**),  não é difícil concluir como eles ficaram  precocemente envelhecidos por uma vida duríssima (anos e anos de guerrilha pura e dura, a que se somaram as não menos penalizantes condições de vida e de trabalho num novo país independente, em construção, que pouco ou nada lhes tinha para oferecer em paga pela sua participação na luta armada), eu só conseguia descortinar,  há dois anos atrás,  por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje, serenidade, sabedoria, coragem, experiência de vida... Aaqui e ali podia adivinhar-se orgulho pela missão (cumprida), orgulho por terem sido protagonistas da sua própria história e da história do seu paí... Talvez, aqui e ali (e é preciso adivinhar), também alguma desilusão, algum desencanto, algum desapontamento pelo rumo que os acontecimentos tomaram  nos úlltimos 35 anos a seguir à independência.  Mas em Bissau, em Março de 2008, eu não vi ódio, nem agressividade, nem ressentimento...

Como já escrevi, "foram homens, idealistas e generosos, que eram tão jovens como nós, e que amavam a sua terra como nós amamos a nossa, oriundos de diferentes comunidades e grupos, partilhando diferentes credos (animistas, muçulmanos, cristãos...), reunidos sob a mesma bandeira, e que, como combatentes, foram bons, determinados, abnegados, corajosos...

"Também tiveram sorte no campo de batalha, que a sorte protege os audazes (como dizem os nossos comandos): hoje estão vivos; mas muitos milhares dos seus camaradas pagaram, com o sacrifício da sua própria vida, a sua opção pela luta de libertação... Estão vivos, mas não tiraram benefícios pessoais por ter sido guerrilheiros do PAIGC, combatentes da liberdade ou heróis vivos, aos olhos dos seus filhos, parentes, amigos, vizinhos"...
A maior parte deles, como o Abdu Indjai, voltaram  a ser camponeses, como sempre foram, filhos,  netos e bisnetos de camponeses ou de pastores...

"Homens que ontem eram o IN, eram nossos inimigos (não individualmente, mas como exército, como máquina, como entidade mítica; porque estávamos, objectivamente, de um lado e de outro do campo de batalha, empunhando uns a Kalash e outros a G3...); homens que hoje queremos que sejam nossos amigos e até irmãos; homens que, no mínimo, merecem o nosso respeito, senão mesmo a nossa admiração... Há sempre em todas as guerras uma estranha cumplicidade entre combatentes de um lado e de outro...

"Oxalá possam, todos estes antigos guerrilheiros do PAIGC, viver o que resta das suas vidas em paz, em segurança, em dignidade" (...).

____________

Notas de L.G.:


Último poste desta série: 


30 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2143: PAIGC - Quem foi quem (2): Abílio Duarte (1931-1996)

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2159: PAIGC - Quem foi quem (3): Nino Vieira (n. 1939)

18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC - Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)

12 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2343: PAIGC - Quem foi quem (5): Domingos Ramos (Mário Dias / Luís Graça)





(**) Vd. postes de:

12 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3728: PAIGC: O acampamento (barraca) Osvaldo Vieira (Pepito)

2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caros amigos

É sempre interessante conhecer ou saber como eram os adversários.
Afinal, nada de grandes diferenças...
O pai serviu o Exército Português, o meu também. O Abdú a idéia do seu país, e eu também. Ele tinha aspirações a uma Pátria livre e independente e, curiosamente, eu também.
Um abraço
Hélder S.

Manuel Joaquim disse...

Belo texto/comentário, meu caro Luis Graça. Texto exemplar: no humanismo, na solidariedade, na visão histórica depurada das "políticas" de qualquer cor, na esperança que transmite de que há sempre tempo para se (r)estabelecerem laços que tornem os povos mais fraternos e solidários.
Um abraço