quinta-feira, 6 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6324: Controvérsias (74): A entrega do Cumbijã ao PAIGC em 19 de Agosto de 1974 (Manuel Reis, ex-Alf Mil, CCAV 8350, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã (1972/74) > Um aquartelamento construído de raíz, entregue ao PAIGC em 19 de Agosto de 1974.

Foto: © Vasco da Gama (2010). Direitos reservados


1. Comentário de Manuel Reis (ex-Alf Mil, CCAV 8350, Os Piratas de Guileje, 1972/74) ao poste P6321 (*)

Caro amigo Vasco:

Vou fazer uma pequena correcção e dar a minha opinião sobre o tema que lançaste no Blogue, que diverge da tua, como já sabes, pois já abordámos, superficialmente, o tema a sós.

A correcção relaciona-se com a entrada de grupos do PAIG no aquartelamento: nunca lá entraram até à entrega do aquartelamento no dia 19 de Agosto de 1974.

Só entraram no aquartelamento Comissários Políticos do PAIGC e devidamente autorizados por nós, para efectuarem os seus comícios.

Não vi qualquer motivo que justificasse o impedimento de esclarecer os seus conterrâneos, que em breve abandonaríamos.

Tivemos dois encontros com os guerrilheiros do PAIGC, um ao fundo da estrada alcatroada no sentido de Nhacobá e o outro nas imediações do aquartelamento.

Todos correram lindamente, com um comportamento exemplar de lado a lado. Senti orgulho pelo evento, de modo especial pelo comportamento dos meus homens que, desarmados, se portaram com uma postura exemplar.

Temi alguma animosidade, mas para meu regozijo, não se concretizou.

Nos dois encontros estave presente o Capitão Santos Vieira que, depois de informado, se deslocava de Colibuia e foi connosco ao encontro.

O impacto do 1º encontro foi marcante para todos nós. Ninguém ficou indiferente, ficou marcado pelo reencontro de dois irmãos, um milícia nosso, de 20 anos, e um combatente do PAIGC, de 14.

O abraço dos dois irmãos,que rapidamente se reconheceram, é um momento único, altamente comovente.
Só isso teria justificava a nossa ida. Recordo o brilho dos olhos do nosso milícia, quando o irmão lhe disse que a mãe estava viva e se encontrava bem. Tinham sido separados pelo PAIGC, em 1963, num assalto a Colibuía.

No outro encontro já o diálogo se tornou possível, falou-se na tomada de Guileje, alguns eram portadores de objectos nossos, que traziam, e nunca, em qualquer momento, manifestaram qualquer alarde de superioridade.

Nada pediram, mas aceitaram uma tachada de arroz que o nosso cozinheiro de imediato se prontificou a cozinhar.

Amigo Vasco, eu respeito a tua opinião de não querer entregar o quartel, foi constuído com muito sacrifício e sangue. Mas...como podíamos nós impedi-lo, se o desejássemos?

O momento mais doloroso da descolonização de Cumbijã foi na véspera da entrega do aquartelamento, quando me é exigido que desarme os milícias.

Destroçados animicamente, com um porte e uma dignidade invulgar, todos fizeram a entrega do armamento, sem uma queixa ou um azedume. No entanto Samba (?), sargento-milícia, chamou-me à parte e disse-me:
-Alfero, até aqui deram-nos uma arma e pediram-nos para lutar por vós e agora desarmam-nos e abandonam-nos?

Era a verdade nua e crua! Foi de partir o coração, mas que podia fazer por eles? Acompanhá-los na sua fuga para o Senegal? Bem me apeteceu!

Aqui, senti vergonha pela minha incapacidade de salvar aquela boa gente que tinha de atravessar o Corubal e contornar a Guiné pelo leste para chegar ao Senegal.

Não sinto que tivesse desrespeitado os meus mortos. Sinto a tranquilidade de ter feito o meu melhor, tendo sempre em consideração as duas partes em conflito.

Amigo Vasco, não te esqueças que esta não foi uma fogueira que ateámos, mas que tivémos de apagar, como bombeiros mal preparados para executar a sua tarefa. Fizémos o nosso melhor!

Um abraço de Aveiro até Buarcos.

Manuel Reis
_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 5 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6321: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (IX): As minhas (in)Congruências ou as minhas (in)Coerências?

6 comentários:

Anónimo disse...

Manuel Reis,

O teu comentário ao artigo do Vasco, agora passado a Post ajuda a responder à questão que levantei acerca da sensibilidade manifestada pelo José Zeferino.

Um abraço,
BSardinha

António Graça de Abreu disse...

Meu caro Manuel Reis

Pois, terá sido tudo mais ou menos assim. Era o fim da guerra, que nunca desejámos, e íamos regressar a casa.
As mílicias lá ficaram, entregues à sua sorte.

Mas há uma frase no teu texto que não entendo. Dizes, nas conversas com os guerrilheiros:

"Falou-se na tomada de Guileje, alguns eram portadores de objectos nossos, que traziam, e nunca, em qualquer momento, manifestaram qualquer alarde de superioridade".

A "tomada de Guileje"?!... Tu estavas lá. Não assististe à tomada de Guileje pelos homens do PAIGC. Assististe e participaste foi no abandono do aquartelamento e fuga organizada para Gadamael. Três dias depois o PAIGC entrou no aquartelamento de Guileje.

Foram ou não foram estes os factos?... "Tomada de Guileje"?

Por isso os guerrilheiros, como dizes, não mostraram qualquer "alarde de superioridade".
Conheciam bem suas muitas limitações, dificuldades, em muitos, muitos casos, até a sua inferioridade militar no terreno.

Será que estou a inventar?

Um abraço,
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

As opinioes quanto a superioridades de material de guerra( nao me refiro ao valor militar) podem divergir.Atrêvo-me solicitar a leitura do que pensava, em relacao à situacao na Guiné ,o entao Chefe do Estado-Maior General das Forcas Armadas(publicado hoje na http://www.lappland-key-west.com/),que,pelos resultados operacionais por ele obtidos aquando Comandante Militar de Angola,nao serao, propriamente,opinioes de um amador. .Trata-se de profissional considerado "razoavelmente" competente pelos seus chefes militares e políticos desde ANTES de 1960. Um abraco Amigo.

Manuel Reis disse...

Meu caro António Abreu:

O tema que abordei era sobre Cumbijã, num comentário ao Vasco da Gama. A referência a Guileje é lateral e resulta de alguns dos combatentes do PAIGC usarem calçado que os nossos homens identificaram como sendo deles e um dos guerrilheiros ser portador da agenda do enfermeiro.

Agarraste Guileje com as duas mãos, jogando com as palavras.
Amigo António, já dei muito, demais, para esse peditório.

Um abraço.
Manuel Reis

António Graça de Abreu disse...

Meu caro Manuel Reis

Já prometi que não falava mais de Guileje,tenho a minha opinião formada, o major Coutinho e Lima deu uma boa ajuda para entender o que se passou.

Agora, meu caro Manuel, eu não joguei com as tuas palavras, foste tu que te referiste à "tomada de Guileje" pelos homens do PAIGC.

Como sabes, estavas lá, não houve nenhuma "tomada de Guileje". Houve sim o abandono do aquartelamento pelas NT que viviam momentos muito difíceis e não foram capazes de aguentar.


Quanto ao Zé Belo e à entrevista com o Costa Gomes, recordo que foi feita no fim da vida do marechal. Ele também era conhecido por "Cortiça", flutuava muito.
No meu humilde entender, diz coisas certas, coisas assim-assim e coisas erradas.
Considerar um desastre a operação Ametista Real que acabou com o quase cerco a Guidage e aliviou a
pressão do PAIGC -- claro que eles estavam bem armados!-- sobre os aquartelamentos de fronteira, é uma opinião. Tal como muitas outras opiniões, cheias de frases condicionais, muitos "ses", se viessem os Migs, se mudássemos o disposito militar, etc.
Não vieram Migs, a Força Aérea voou
e bombardeou como nunca, não mudámos o dispositivo militar e em Abril de 1974, as Forças Armadas portuguesas e os guinéus que combatiam a nosso lado, tinham muito mais força,(não razão) espalhada por quase todo o território da Guiné do que os guerrilheiros do PAIGC.
A solução da guerra era política e não militar. Aí estamos todos de acordo.

Para concluir, recordo aos desatentos as palavras do insuspeitíssimo candidato a Presidente da República, o grande Manuel Alegre, pronunciadas na Gulbenkian a 3 de Maio 2010,tal com vêm na pág. 11 do jornal Diário de Notícias de 4 de Maio de 2010.

Eis um excerto da notícia:

"Alegre aproveitou, sobretudo para elogiar os militares que combateram na guerra e depois, face ao bloqueio político forneceram a "solução política", com o 25 de Abril.
Manuel Alegre disse:
"As Forças Armadas Portuguesas não foram derrotadas no campo de batalha."

Será que eu, nostálgico dos tempos da outra senhora, ando para aqui no blogue a inventar, há uma data de tempo, a tese da não derrota militar das tropas portuguesas na Guiné?

É só isto.
Já agora, o meu candidato a Presidente da República chama-se Fernando Nobre.

Um abraço.
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Meu caro camarada e amigo Graca de Abreu.Como me referes no teu comentário,tentarei completar o que escrevi anteriormente,sem estar tao certo de todas as verdades absolutas como outros.O SR.Marechal,que,aparentemente,te deveria ter consultado antes de dar as suas opinioes de "amador militar" já estava realmente no fim da vida ao dar a entrevista.Mas o que isso possa ter de "limitativo" nas suas opinioes,é algo que nao compreendo.Muito pelo contrário,pois quem fala é um homem com mais de 45 anos de profunda experiência de vários comandos militares,e, cargos políticos importantes.....e ,portanto,um homem idoso. O "Cortiça",(termo por ti usado,quanto a mim menos necessário ao tratar-se de uma troca de ideias que julgava séria)foi um dos poucos,para nao escrever o único,a quem todos nós ficámos a dever que o 25 de Novembro de 1975 nao se tenha tornado num banho de sangue de consequências imprevisíveis para o nosso querido Portugal.Nao planeou,como outros,fugir de Lisboa para o Norte,e aí aguardar armamentos vindos de Inglaterra;conseguiu fazer ver a algumas forcas políticas que seria "mais conveniente" desmobilizar simpatizantes já então nas ruas,e nao menos,SÓ PELO FACTO DE TER AS FORCAS BLINDADAS DE SALGUEIRO MAIA SOB AS SUAS ORDENS DIRECTAS,E NAO ESTACIONADAS NO COMANDO MILITAR DA AMADORA (um pequeno/grande detalhe!)evitou ser o tal marginalizado ,como alguns militares,o teriam desejado.Todos muito fortes e sólidos nas suas posicoes,e razoes,mas....ninguém se "atreveu"! Quanto ás guerras ganhas ou...perdidas já comeca a parecer conversa sobre o glorioso Benfica,que,mesmo ao perder ganha sempre...moralmente.As guerras sao travadas para se obterem os resultados propostos.As nossas guerras coloniais nao obtiveram esses resultados...tudo o resto.... Um abraco.