quinta-feira, 20 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6440: Da Suécia com saudade (25): O estatuto dos Oficiais do Exército há 60 anos, que não podiam casar com mulheres brancas, nascidas nas colónias, mesmo que filhas de casais brancos (José Belo)

1. Mensagem do José Belo, o luso-sueco (e quiçá, no futuro, americano)  fundador, editor, animador da Tabanca da Lapónia (*):



Data: 19 de Maio de 2010 13:50

Assunto: O Cúpido: Racismos e Burocracias.

Caros Camaradas e Amigos:

Hoje é esquecido, e custa mesmo a acreditar, mas facto é que, tão próximo como na década de 50, os oficiais do Exército não podiam casar com mulheres BRANCAS,  nascidas nas províncias ultramarinas, mesmo que filhas de casais brancos.

Isto aplicava-se à África, Índia, Macau ou Timor. Uma perfeita anomalia, segundo a qual haveria" brancas de primeira", as nascidas na metrópole, e" brancas de segunda", as nascidas no ultramar. 

Creio que as gerações novas, perante este tipo de determinações dos nosssos "maiores" de então, terão mais facilidades de compreensão de todo um .....contexto colonial que tantos procuram, hoje,"sublimar". 

Para salvaguardar perdas de prestígio profissional, resultantes de situações económicas menos dignas devido a Soldos de miséria, os Tenentes e Alferes não podiam casar sem que os pais das noiva, ou alguém responsável, se comprometesse a dar-lhes uma pensão mensal. As situações burocráticas complicavam-se com mobilizações.

O Ministério do Ultramar de então aceitava os casamentos desses oficiais sem dote ou pensão.Assim, ao irem para as colónias pela primeira vez, os casais tinham viagens pagas pelo Estado, mas posteriormente, por terem deixado de estar sob a alçada do Ministério do Ultramar, e agora passarem a depender do Ministério do Exército, esses oficiais já não tinham direito a viajar com as famílias. 

Para "circundar" alguns destes problemas...insolúveis, alguns oficiais realizavam, por procuração, o casamento em Espanha, e o registo Católico desses casamentos era posteriormente feito, com o auxílio de alguns Capelões Militares, nas dioceses coloniais, e comunicado então às repartições respectivas. 

Quanto ao casamento com noiva não Católica ,mesmo que Cristã, mas Protestante (para não referir as não Cristãs),as coisas eram ainda mais complicadas de...."circundar". 

O Cúpido, mesmo em época tão próxima no nosso querido Portugal, não tinha o trabalho facilitado pelo Estado Novo. 

Estocolmo
19 Maio 2010
J.Belo.

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]

2. Comentário de L.G.:

Não conheço o estatuto dos oficiais do Exército dessa época... Gostava de ter acesso à respectiva legislação. Num país em que tudo se legisla(va) e regulamenta(va), deve haver seguramente um diploma legal sobre esse problema... Deves conhecer este "dossiê", já que o teu pai era médico militar...

Possivelmente da mesma época é o Decreto Lei nº 32612, de 31 de Dezembro de 1942 que veio reformar o ensino e da prática de enfermagem, começando por impor a infamante proibição do casamento às enfermeiras (o D.L. 31913, de 12 de Março de 1942, reservava o exercício da enfermagem às mulheres solteiras ou viúvas, sem filhos), uma medida claramente sexista e misógina, inspirada na legislação de Mussolini, e que só será revogada mais de vinte anos depois (D.L. nº 44 923, de 18 de Março de 1963), por notória dificuldade no recrutamento de pessoal de enfermagem hospitalar mas também por que a economia e a sociedade estavam a sofrer profundas mudanças...

Igualmente discriminatório era a legislação de 1936 que impunha que o casamento das professoras não poderia realizar-se sem autorização do Ministro da Educação Nacional, exigindo-se ao pretendente  prova de ter "bom compartimento moral e cívico"  e de auferir vencimentos ou rendimentos   em harmonia com os da professora...
Havia legislação igualmente discriminatória para outras ocupações femininas como as telefonistas, etc.   

Sobre este período do Estado Novo, que vai até ao fim da II Guerra Mundial, veja-se o filme de João Canijo,"Fantasia Lusitana",  agora no circuito comercial... Ver aqui o "trailer", de 29 segundos:


(Amigos e camaradas: Nas imagens do filme do João Canijo, que se baseou em reportagens da época, fui lá encontrar o nosso velho "Carvalho Araújo" transportando, a partir do Cais da Rocha Conde de Óbidos, expedicionários para os Açores... Quem diria, vinte e tal anos depois, que o mesmo "Carvalho Araújo" levaria os filhos desses expedicionários agora para o TO da Guiné!...).

3. Adenda do José Belo, com data de 21 do corrente:


Se tiveres acesso ao livro de Maria Manuela Cruzeiro sobre Costa Gomes, o último Marechal, ele a páginas 39/40 referindo-se aos seus tempos em Macau,  descreve toda esta problemática dos casamentos com brancas de.....segunda e outras complicações burocráticas. 

Mas o problema, no fundo, não estava ligado a "brancas" e "brancas", mas sim há possibilidade de haver sangue africano misturado gerações atrás nos progenitores das referidas meninas brancas, o que poderia vir a provocar inesperados nascimentos mais bronzeados do que os costumes de então aceitariam numa família de oficial. 

Este "pequeno detalhe"  foi-me contado pelo meu Avô paterno que era também médico militar,e fora colocado no norte de Moçambique durante a primeira guerra Mundial. Primeiro julguei que o problema só fosse referido a Moçambique por ter maiores influências da África do Sul, mas depois de ler o livro do Marechal compreendi que era generalisado a todas as colónias. Um abraço.

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6 comentários:

Anónimo disse...

Um simples aspirante, devidamente fardado, olhado por um jovem do mundo rural português, era uma imagem de um "Ronco" que nem um presidente de câmara ou advogado merecia tantas vénias do mundo rural, analfabeto dos anos 50´s.

Tambem constava que não podiam casar antes de ser tenente.

Mas, para surpresa de quem fosse para África em 1957, no caso,eu, em Angola, ficava surpreso com a ausência total desse tipo de complexo da parte dos brancos ou mestiços, para com quem fosse daqui, fardado ou não.

Compreendi este facto, embora não me é fácil explicá-lo.

Mas, essas exigências estatutárias dos oficiais, que o J.Belo explica e de certa maneira eram conhecidas, dava a ideia que seria uma tradição que já viria da monarquia e que o paisaníssimo Salazar mais não teve que manter o que seria uma exigência corporativa, até porque o "botas" teve que engolir muitos sapos para manter a "paz" com militares, monárquicos e todos os que o apoiaram e tambem tiveram que o aturar.

Quando a guerra começou em Angola em 1961, vi alguns oficiais olhar com "inveja" para os ombros do ordenança, e não sei se esses estatutos se mantinham.

Sei que as candidatas a hospedeiras da TAP tinham que ser solteiras.

Mas a TAP era uma das coroas de glória do Gen. Humberto Delgado.

Havia uma descontração em Angola, da parte brancos, mestiços e pretos citadinos, que analisavam e "ridicularizavam" esses pergaminhos de ´"país atrazado" e complexado, que, sinceramente, abria os olhos a quem ia daqui e via essas coisas como certas.

Mas dentro do RDM, pelo menos antes da guerra, havia aspectos que analizados hoje, são dignos de uns bons capítulos para este blog.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Caros amigos e camaradas,
A legislação do Estado Novo sobre o casamento dos militares era mesmo muito rigorosa. Os Diários do Governo online só estão disponíveis a partir de 1960. Segue a legislação:
Decreto-Lei 31107 de 18 de Janeiro de 1941. Veja-se a discussão na Assembleia Nacional na página, com intervenções importantes, sobretudo do Pe. Abel Varzim. Nesse decreto vem expressa a condição da noiva: ser portuguesa e filha de pais europeus. A discussão é mesmo muito interessante, não só a intervenção de Abel Varzim.


http://debates.parlamento.pt/page.aspx?cid=r2.dan

Este decreto-lei foi alterado pelo 38778, de 11 de Junho de 1952, que não sei o que diz.
Em 1960 é publicado o Decreto-Lei 43101, de 3 de Agosto de 1960, que podem consultar em:

http://pt.legislacao.org/primeira-serie/decreto-lei-n-o-43101-licenca-militares-oficiais-dias-1245

É, de facto, legislação (mesmo a de 1960!!!) bem ilustrativa.

Um abraço,
Carlos Cordei

Anónimo disse...

...ro

Anónimo disse...

Com a entrada por http://debates.parlamento.pt/page.aspx?cid=r2.dan

Entramos em "Estado Novo". Abre-se "Diário das Sessões". À esquerda, "pesquisa por diário". Na caixa que abre, procura-se II Legislatura ((1938-1942), logo abaixo, 3.ª sessão legislativa. Em número do Diário, começa-se pelo 98 O debate começa na página 168. Repete-se a "operação" para entrar no n.º 99, (surge primeiro o 99S - não é este). em que o debate continua bastante vigoroso, a partir da p. 181. Basta dizer que o Decreto-Lei foi aprovado com 30 votos a favor e 28 contra.
É um debate muito instrutivo para compreendermos um pouco melhor alguns aspectos da ideologia e prática do Estado Novo.
Se algum dos camaradas, a partir destas informações, conseguir abrir as páginas dos diários, dissesse qualquer coisa, pois não sei se fui claro.
Um abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Isto é muito engraçado...
Como é possível que o Estado Novo tenha reservado tantas profissões, tão dignas e tão bem remuneradas, só para mulheres...
E "recomendava-lhes" que se quisessem casar com militares, só com homens bem instalados na vida, brancos, puros...
Por isso, não só, mas muito por isso é que algumas delas, para protestar, se limitavam a queimar "soutiens".
Esse Estado Novo foi um PIRATA, até na alfabetização.
Recebeu da primeira República, em 1926, 62% de analfabetos e entregou ao MFA, em 1974, 25%.
Em 48 anos recuperou 37%.
Nos últimos 36 anos ESTA REPÚBLICA, definida no prâmbulo da Constituição, só conseguiu reduzir de 25% para 11? 10? vá lá... 9%.
Mas é bom recordar os "podres" do Estado Novo. Tudo isto nos deixa satisfeitos, principalmente quando comemoramos o centenário da República.
E esquecemos a "porca de vida" que levam os dois milhões de pobres e os seiscentos mil desempregados.

Pois... Pois...

Manuel Amaro

Unknown disse...

Caros camaradas de armas,s0 p0ss0 falar do meu caso pessoal mas casei com uma rapariga de quelimane,por acaso branca(eu acho que nos,p0rtugueses somos todos mesticos)em Marco de 1958,tendo eu o posto de segundo tenente.Continuo casado com ela.As legislacoes representam por vezes modas de ;epocas.O que interessa e que se aperfeicoem.Ou entao continuariamos com os preceitos de tempos idos em que o sargento da companhia devia saber ler e escrever porque o oficial,por ser nobre ,podia nao saber.De Bissau vos mando "muito saudar" e mantenhas,Alpoim Calvao(o teclado he para ingles.As minhas desculpas)