sexta-feira, 14 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6387: Recordações do Hoss (sold Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) (2): o ataque à coluna Bissau-Teixeira Pinto, em 16 de Junho de 1970 (II Parte)



Guiné > Região do Oio > s/d > CCP 121 / BCP 12 (1969/71) > Algures no Morés > O Hoss com a MG 42


Guiné > s/l > s/d > CCP 121 / BCP 12(1969/71) >  Um soldado paraquedista  "gravemente ferido com uma roquetada que rebentou por cima dele numa árvore", e que foi assistido pelo Sold Enf Pára Sílvio Abrantes, mais  conhecido pelo seu nome de guerra,  Hoss.

Fotos (e legendas): © Sílvio Abrantes (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação das memórias do Sílvio Faguntes Abrantes,  membro da nossa Tabanca Grande, conhecido na Guiné como o  Hoss. Pertenceu à CCP 121 / BCP 12, comandada primeiro pelo então Cap Pára Terras Marques e depois pelo Cap Pára Mira Vaz. Foi soldado e enfermeiro, frazendo questão de andar com a MG 42.


2. Recordações do Hoss (Sold Pára Sílvio Abrantes, CCP 121 / BCP 12, 1969/71) > 16 de Junho de 1970 > Ataque a uma coluna Bissau-Teixeira Pinto (2ª parte)

Resumo da I Parte:

Seguíamos de Bissau para Teixeira Pinto,  de coluna, quando fomos atacados cerca de 3 km. do Pelundo,à saída duma curva. O resultado cifrou-se em 6 mortos e 9 feridos, alguns com gravidade. (...)

 
As  companhias [de caçadores paraquedistas] 121 e 122,  quando comandadas pelo meu amigo ex-Capitão Terras Marques, hoje Coronel na reforma,  sempre foram companhias bem armadas, desde os RPG às MG havia de tudo, eram companhias fortemente armadas.

A talho  de foice,  em poucas palavras , um dia chegamos a Bolama, comandados pelo Terras Marques, fomos recebidos pelo comandante chefe, um Sr. Coronel que ficou pasmado com o armamento que nós trazíamos ao ponto de pedir para que fosse disparado um tiro de RPG7 em frente à porta de armas onde estávamos formados.

Depois de avisado do que aconteceria a seguir,  o nosso homem não se importou, quis foi ver o róquete disparado. Imaginem o que aconteceu a seguir.

Acabada a comissão do  ex-Capitão Terras Marques , veio outro comandante de companhia, que no discurso de apresentação a  certa altura diz:
- Na  Guiné não há guerra.

Ainda  hoje essas palavras bailam no meu cérebro e de muitos dos meus colegas. Não tardou muito que fossem retiradas à companhia armas pesadas, pois não havia guerra. Mas há uma coisa, eu quero que fique bem explícito, nós não culpamos o comandante de companhia pelo sucedido, que fique bem claro.

Junto envio duas fotos. Uma minha,  com a magnânima MG, algures no Morés, e outro dum colega gravemente ferido com uma roquetada que rebentou por cima dele numa árvore. Ficou com as pernas e as costas totalmente crivadas de estilhaços. Perdeu muito sangue ao ponto de eu não poder meter o soro no braço devido à falta de pressão nas  veias. Tive que fazer uma coisa que antes nunca tinha feito,  foi às escuras que o fiz,  meter  o soro numa veia das costas da mão, mas graças a Deus correu bem.

Horas amargas, mais amargas do que o fel.  O que será feito deste  bravo? Será vivo? Continua a sofrer? Não teria sido melhor eu tê-lo deixado morrer? Passados estes anos todos,  ainda penso muito nele. Gostava de o ver, mas não me lembro do seu nome.

Depois da resfrega e feitas as evacuações, e com  tudo a postos,  retomámos a viagem para Teixeira Pinto com uma paragem no Pelundo, onde estava a rapaziada toda à nossa espera pois já sabiam do sucedido. No meio da parada havia um fontanário com água a correr, dirigimos-nos para lá a fim de nos refrescar. Entretanto há uma voz que atrás de mim diz:

- Ó Fagundes,  o que é que tens na cabeça?

Era um colega de escola, furriel do exército. Passo a mão na cabeça e vem sangue  seco. Foi o tal zumbido que ouvi quando estava em cima da viatura e ver onde o IN estava emboscado. Mais um centímetro à direita e hoje o Hoss já não era lembrado.

Com tantos ferido ficámos sem medicamentos. Passados 2 ou 3 dias,  passa um avião T6 e apanho boleia para Bissau para ir buscar medicamentos. Quando aterramos  em Bissau,  diz o piloto:
- Gostaste da viagem?
- Claro que gostei ! - respondo eu com as pernas a tremer,  que mais pareciam bandeiras desfraldadas ao vento.

Vejam só,  o Hoss armado em cagarola e dias antes tinha andado aos tiros na guerra como se andasse a caçar coelhos numa coutado no Alentejo. É que o piloto daquela coisa voadora fez tudo para me enjoar,  mas não foi capaz.

Da pista sigo para a enfermaria para fazer a devida requisição dos medicamentos,  na passagem páro na secção fotográfica da Base Aérea para deixar os rolos de fotos que tínhamos tirado na emboscada. Pelo caminho reparo que,  quando o pessoal quando me via,  fugia. 

Chego à secção fotográfica e ao balcão estava um cabo que,  quando me viu,  fugiu, parecia que tinha visto um fantasma.  Do lado de dentro do balcão e à direita havia uma porta, espero um pouco,  aparece o sargento a espreitar. Eu pergunto:
-  Que é que se passa,  meu sargento? Já não me conhece, não sabe quem eu sou?

Então o bom do amigo,  muito excitado,  diz:
- Corre a voz que tu morreste.

Enigma resolvido. Imaginem. Dali sigo para a enfermaria,  quando entro fez-se silêncio. Ninguém disse nada, então eu quebrei o gelo e disse:
- Ainda não morri,  estou aqui bem vivo.

A tenente enfermeira Zulmira  e a sargento Maria do Céu,  emocionadas,  deram-me um forte abraço. Feita a encomenda,  sigo à procura do ex-Capitão Terras Marques  e ex-comandante da companhia. Fui encontrá-lo na messe dos oficiais. Quando me viu,  disse:
- Foram os meus homens que morreram.

Mais palavras para este homem? Creio que não são necessárias.

A Sargento Maria do Céu nunca mais a vi. A Tenente Zulmira encontrei-a há 23 anos,  no Dia da Unidade,  em S. Jacinto – Aveiro. Imaginem como foi o nosso reencontro.

Hoss


[ Fixação / revisão de texto: L.G.]
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