segunda-feira, 17 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6409: Notas de leitura (106): Bissau Em Chamas, de Alexandre Reis Rodrigues e Américo Silva Santos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
No estrito cumprimento do dever, li “Bissau em Chamas” num recanto de Maiorca, à espera de sol que chegou prazenteiro a anunciar o Verão.
Peço licença para voltar a importunar os tertulianos, preciso da ajuda de todos aqueles que têm bibliotecas onde constem autores que escreveram sobre a Guiné nos anos 80 e 90. Será que me podem dar notícias desses autores e desses títulos? A todos ficarei reconhecido, é público e notório que só pretendo proceder ao inventário que facilite a vida aos estudiosos de amanhã.

Um abraço do
Mário


Nota introdutória:

“Bissau em chamas”
tem a ver com uma dolorosa guerra civil que devastou a Guiné-Bissau, cindiu a sua classe política, deixou a população moralmente desfeita. O blogue não fica indiferente a todos os seus amigos guineenses, vivem na Guiné-Bissau tertulianos e muitíssimos leitores.

Trata-se de um relato da participação portuguesa nos acontecimentos, enumera as diligências diplomáticas e o auxílio prestado a todos os refugiados. O ex-presidente da República, Jorge Sampaio, enaltece o comportamento das forças militares e civis intervenientes e a capacidade da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa prestarem solidariedade nas horas sombrias da vida de um dos seus irmãos.


Bissau em chamas:
O golpe de Estado e a guerra civil na Guiné-Bissau em 1998


por Beja Santos

Em Junho de 1998, Portugal vivia momentos de grande euforia, sobretudo a Expo 98 provocara uma onda de entusiasmo e autoconfiança com a nossa capacidade de organizar um grande empreendimento. Logo a seguir às comemorações do 10 de Junho, alguns dos navios incluídos na parada em frente à Expo partiram para um pequena grande aventura: seguiram para a Guiné para resgatar todos os portugueses que viviam angustiados o tumulto de uma sanguinolenta guerra civil, desencadeada no dia 7 de Junho. Em complemento desta operação de resgate, nos canais diplomáticos, procurou-se promover a reconciliação das partes envolvidas em conflito. A história desta crise política, e a resposta portuguesa, política e militar, na sequência do golpe promovido por uma Junta Militar chefiada pelo brigadeiro Ansumane Mané é a razão de ser do livro “Bissau em Chamas”, por Alexandre Reis Rodrigues e Américo Silva Santos (Casa das Letras, 2007).

“Bissau em Chamas” relata a acção das Forças Armadas e da diplomacia portuguesa a várias vozes. É uma narrativa centrada na acção empreendida por Portugal, de colaboração com outros países que procuraram mediar o conflito. Tudo começou a 7 de Junho de 1998 e durou até 7 de Maio de 1999, dia em que Nino Vieira se recolheu à Embaixada de Portugal em Bissau e daqui seguiu para o exílio em Portugal.

O pretexto para o levantamento de Ansumane Mané foi a acusação pelo presidente Nino Vieira de incúria no controlo dos paióis de material de guerra do Exército guineense, o que teria permitido o desvio de material para o movimento independentista de Casamansa. Mas o pano de fundo desse pretexto passava por um descontentamento estrutural: agravamento das condições de vida, profunda crise económica, tensões internas nas Forças Armadas, atraso na organização das eleições legislativas, entre outras dificuldades. O PAIGC dava sinais de grandes divisões que se foram transferindo para o campo militar. Quando eclode o golpe de Estado, em escassas semanas, demarcaram-se os apoios aos partidários de Nino e aos da Junta Militar. Nino pediu ajuda internacional ao Senegal e à Guiné Conacri. Em Bissau, irão combater ao lado de Nino tropas senegalesas e conacri-guineenses e ao lado de Ansumane Mané Bissau-guineenses sublevados, as populações puseram-se em fuga, ninguém ignorava que o conflito estava para durar.

O embaixador português, Henriques da Silva, foi confrontado com o problema imediato com a protecção dos portugueses residentes na Guiné-Bissau. A partir da manhã do dia 7, a embaixada portuguesa foi se enchendo de refugiados. A obtenção de informações era vital para a protecção de todos que se refugiavam na embaixada, havia que retransmitir tais informações às autoridades portuguesas ao mais alto nível. Por último, havia que tentar negociar com as partes beligerantes a segurança das pessoas, incluindo os estrangeiros e procurar abrir canais para negociações entre as partes em conflito.

Felizmente, e relacionado com as comemorações do 10 de Junho, que a embaixada tinha encomendado mantimentos em quantidade apreciável. Como mais tarde escreveu Henriques da Silva, quem se refugiou na embaixada passou a comer “arroz com 10 de Junho” ou “massa com 10 de Junho”, tudo servido em pratos de cartão com dois croquetes, pastéis de bacalhau ou rissóis de camarão. O cargueiro “Ponta de Sagres” chegou no dia 11 de Junho e trouxe um alívio momentâneo a estes problemas, mesmo com o porto de Bissau bombardeado com mísseis katyushas e morteiros pesados. Ao longo de dois meses de conflito, com o contributo de navios nacionais e navios franceses, foram evacuadas 2450 pessoas.

O governo português accionou os mecanismos de solidariedade e consulta com a CPLP, em 27 de Junho iniciaram-se as tentativas de mediação, muitíssimo muito mal aceites pelo governo de Nino. De Julho para Agosto, o processo evoluiu, se bem que precariamente, e só com a Paz de Abuja, em 1 de Novembro de 1998 é que a Junta Militar obteve reconhecimento internacional. Nessa altura, Nino estava reduzido ao Bissauzinho e algumas ilhas dos Bijagós. O resto é bem conhecido: a Junta Militar venceu de armas na mão; as tropas da Guiné-Conacri e do Senegal tiveram um comportamento de inépcia e derrotismo inesperados; depois os dirigentes da Junta (Ansumane Mané, Veríssimo Seabra e Lamine Sanhá) foram assassinados; Kumba Ialá ascendeu ao poder e depois foi deposto, seguindo o retorno triunfal de Nino que viria a ser chacinado depois de abandonado pelo seu círculo de sicofantas e até pela sua guarda pessoal.

“Bissau em Chamas” relata as operações de resgate, colhe os depoimentos dos cooperantes que andaram transviados, o general Espírito Santo descreve a Operação Falcão no âmbito do Plano Crocodilo, múltiplos comportamentos briosos e anónimos são passados em revista, bem como a cobertura noticiosa através do olhar de alguns jornalistas. Igualmente a mediação diplomática é descrita ao pormenor até ao momento dos acordos que eram considerados indispensáveis para a reconciliação nacional. O prefácio é da responsabilidade de Jorge Sampaio.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6361: Notas de leitura (105): Guiné, Sempre!, de Piçarra Mourão (Mário Beja Santos)

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