segunda-feira, 17 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6416: Controvérsias (75): A nossa postura face ao PAIGC no pós-Abril (Manuel Marinho)

1. Mensagem de Manuel Marinho* (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), com data de 11 de Maio de 2010:


A(s) NOSSA(s) POSTURA(s) FACE AO PAIGC NO PÓS-ABRIL

Ultimamente as discussões sobre a postura dos camaradas que estavam na Guiné face aos acontecimentos pós-Abril relacionados com o PAIGC, têm ocupado espaço considerável no blogue, e na minha opinião, com elevado respeito por opiniões diversas entre camaradas que na expressão feliz de alguém, “tiveram que fechar as portas da guerra”.

Vamos lá ver se sou capaz de expressar o que sinto em relação a esses acontecimentos sem beliscar a postura de ninguém.

A minha posição quanto a essa questão já a manifestei por várias vezes quando o tema é mesmo esse, isto é sou e fui contra todas as formas de regozijo para com o PAIGC.

Apenas e só, respeito a sua luta que travaram pela emancipação do seu povo, de igual modo exijo-lhes o mesmo em relação aos meus companheiros de armas que lutaram com brio e honra, por uma causa que a esmagadora maioria considerava um dever pátrio, e que pagaram muito caro essa luta.

Não merecem mais, porque entre outras coisas, é de muito mau gosto, ”sou educado” senão a palavra era outra, levar a esses encontros de reconciliação na altura, algumas peças de equipamento de guerra pertencentes a camaradas nossos, e que eles ostentaram de forma “vitoriosa” junto dos nossos camaradas, em alguns encontros perante o silêncio e a vergonha de alguns soldados que a eles assistiam.

Se fosse o contrário o que seria?

Já se imaginaram a levar alguma peça de farda do PAIGC a encontros com o IN na altura? Seria essa a melhor forma de reconciliação?

Lamento mas não posso deixar de pensar assim, se calhar o defeito é meu e (posso) poderei estar errado na apreciação que faço dos meus ex-inimigos, mas cada vez mais sinto a minha razão fortalecida, ao ler e ver alguns posts, e saber o que aconteceu depois aos que a nosso lado combateram.

Não respeito o vencedor que não respeita o vencido.

Como abomino o abuso do forte sobre o fraco.

Ou será que não foi o mesmo PAIGC que agiu no caso dos fuzilamentos?

Mas a questão principal prende-se com toda a envolvência na guerra que travamos ao longo de 13 longos anos, e que se não foi resolvida pela via política, teria forçosamente de o ser pela classe militar.

E é bom que lembremos que fomos nós que acabamos com as hostilidades, não havendo motivos para que se exagerasse nos festejos.

Mas não foi o melhor que nos podia ter acontecido? Claro! Nem podia pensar de outra maneira.

Queríamos vir embora rapidamente? É óbvio que sim.

Poupou dezenas de vidas de ambos os lados? É evidente e não tem discussão.

Mas a saída teria de ser outra! E não a que se verificou!

Mas estes acontecimentos serão mais tarde analisados e contados por historiadores que farão a História da guerra colonial, (no caso da Guiné este blogue é imprescindível) e eu apenas sou mais um, que deixo modesto contributo no sentido de evitar que qualquer dia estejamos todos a bater palmas ao PAIGC, porque nos deixaram vir em paz para a nossa “santa terrinha”, em 1974.

Respeito sem o mínimo de reservas os que pensam de maneira contrária, mas tenho que deixar expresso o meu testemunho do que pensava na altura, e que hoje já com idade para ter mais juízo (escusava de falar disto), os factos passados ao longo destes anos, reforçaram a minha opinião.

Para mim a coerência deve ser acompanhada de juízos de valor que à época tínhamos, eu até podia refugiar-me na minha juventude de então.

Mas não será que nesses 2 anos terríveis que todos nós passamos em comissão, não amadurecemos demasiado depressa em comparação com os nossos amigos de então?

É que hoje camaradas, sinto em diversas leituras que éramos todos muito politizados, e era bom que também aqui no blogue se afirmasse que havia muitos soldados que se lhes perguntava o porquê da ida para a Guiné, a resposta era mais ou menos esta:

Defesa da Pátria ou da Bandeira, e sempre por obrigação e dever.

Havia de facto uma minoria mais politizada, sei do que falo, mas daí até pensarmos que no dia 25 Abril estávamos todos a gritar “abaixo a guerra / regresso imediato”, vai uma grande distância.

As perguntas mais frequentes nesse dia eram, “o que é isso de revolução”?

Eu até fui eleito para representar os meus camaradas na classe de Cabos e Praças, (eram 4, um Alferes, um Furriel e dois Cabos) a ideia era travar ímpetos de quem comandava as Companhias para que não pudessem pôr em causa o cessar fogo entretanto a ser negociado, isto é, os representantes(?) do MFA nos quartéis no mato tinham por missão impedir possíveis saídas para o mato, determinadas por algum Comandante de Companhia que entendesse o contrário.

No nosso caso até nem foi difícil, pois durante toda a comissão o “senhor” que nos comandava saiu duas ou três vezes para o mato e julgo que por ordens superiores que o ditaram.

A partir daí para nós acabou-se a guerra, porque se o cessar fogo corresse mal já não tínhamos a possibilidade de fazer frente ao PAIGC, restava-nos entregar os aquartelamentos e pedir por favor para virmos embora, pois os aquartelamentos ficaram à mercê deles pois eles movimentavam-se à vontade, enquanto nós esperávamos o final das conversações a ver no que dava, esta é a minha opinião, vale o que vale.

E na altura o PAIGC nem tinha a força de um ano antes, pelo menos na minha ZO, ou será que eles não passavam dificuldades na altura do 25 de Abril?

Seria só o nosso lado a ter problemas?

Se na altura se entendia que era uma provocação ao PAIGC o facto de andarmos armados, o que pensar quando leio hoje alguns camaradas dizerem que eram mandados parar por forças do PAIGC armados?

Já houve camaradas que disseram que só quando chegaram a Bissau, entregaram o armamento, no nosso caso foi entregue em Binta, para depois termos de tornar a pegar em armas para apagar “fogos” ateados pelos “festejos exagerados” que se fizeram em Guidaje, e para o qual tivemos de ser nós a apagar os mesmos, (quando puder conto), e era para intervir contra os nossos camaradas africanos.

E mais uma questão, alguém consegue explicar os comportamentos desiguais que eles tiveram nas diversas Unidades, numas entravam e bebiam, noutras pediam por favor, e finalmente havia outras que eles tinham vergonha de franquear as entradas, porque seria?

Um grande abraço para todos vós.
Manuel Marinho
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes do nosso camarada no marcador Manuel Marinho

Vd. último poste da série de 9 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6350: Controvérsias (74): Como eu vi o fim da guerra (Fernando C. G. Araújo, ex-Fur Mil OpEsp / RANGER da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4512)

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro Manuel Marinho,
Apreciei as questões que levantas, com todo o cuidado para não ferir susceptibilidades de camaradas que passaram por essa experiência, certamente, muito complicada. E tem razão quando levanta o problema do período das conversações para o cessar fogo e a situação desprotegida em que ficaram as NT. Basta lembrar o que aconteceu com uma Companhia de Moçambique que, ingenuamente, caiu na armadilha montada pela FRELIMO que, com falinhas mansas, capturou todos os elementos da Companhia, os aprisionou e deles se serviu para pressionar o curso das negociações.
Abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Afinal foi tão simples abandonar, desistir, ir embora...!

Difícil era fazer tudo isto com responsabilidade respeitando e fazendo-se respeitar.

É caso para dizer, fizemos o que podemos.

Foi pouco? foi muito?

Vai levar uns anitos para podermos analizar.

Resta ainda saber aonde vai parar a Guiné e aonde vai parar Portugal!

Talvez as ex-colonías se entreajudem um dia, englobando a ex-metrópole.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Está por investigar, analisar, discutir, debater o impacto que terá tido, no moral, na coesão e na disciplina das NT (e na unidade de comando), o 25 de Abril, a expectativa do fim da guerra, a aproximação do (e ao) PAIGC, a pressão da opinião pública no Portugal metropolitano, as pressões internacionais, a impaciência da diplomacia e dos partidos nacionalistas, a oposição (feroz) da extrema esquerda portuguesa à continuação do envio de tropas para as colónias...

"Nem mais um soldado para as colónias!", foi um dos mais célebres "slogans" gritados por muita gente, hoje responsável, respeitável, cordata, alguns bem instalada na vida, nos negócios, na política... Uns vivos, outros já mortos... É bom que não tenhamos a memória curta e "enviesada", nem má consciência...

Lembram-se ?

Que ninguém venha é agora "atirar pedras" aos pobres dos militares portugueses, no TO da Guiné ou noutros, que, neste difícil período de transição, tiveram que acabar a guerra e começar a fazer a paz...

Luís Graça

Luís Dias disse...

Caro Manuel Marinho

Apreciei muito o que aqui escreveste. Deve ter sido muito duro aguentar o que muitos aguentaram, face a toda uma nova situação e ao desenrascanço que teve de ser feito para conseguir algum equilíbrio entre os nossos militares a quererem regressar o mais depressa possível e também à desconfiança e animosidade que o PAIGC, no princípio, teve para com as nossas forças.
Ainda no passado dia 15 de Maio no almoço da minha companhia eu lhes dizia que deveria ter sido muito difícil para as unidades que ficaram no CTIG cumprir com responsabilidade as "novas" tarefas que, num salto de tempo, tiveram que empreender. Acho que fizeram o que puderam e que face ao que se passava na metrópole, a um certo deslumbramento natural aqui reinante, a situação na Guiné foi deixada um pouco ao acaso.
Um abraço
Luís Dias