domingo, 23 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6459: Ser solidário (72): Viajar (e sentir) pela Guiné (José Eduardo Alves, ex-Condutor da CART 6250/72)

1. O nosso Camarada José Eduardo Alves(*), ex-Condutor da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74, enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 21 de Maio de 2010:

Viajar (e sentir) pela Guiné

Camaradas,

Depois de me ter remetido ao silêncio, mas sempre activo nas leituras do blogue, hoje acho que está na hora de escrever sobre a viagem que fiz à Guiné este ano, e vou fazê-lo porque há sempre alguém que gosta que se fale destas aventuras.

O ano passado também tinha ido à Guiné, mas apanhei a “caravana” nos últimos dias da sua preparação e, pelo caminho, em conversa com alguns dos Camaradas que já lá tinham ido mais vezes, ouvi dizer: “Vais ter uma desilusão pois quem lá conhecias já morreu tudo!”

Mas, felizmente, não foi assim e ainda encontrei bem viva muita gente do meu tempo.

Fiquei então com vontade de lá voltar e voltei este ano, mais bem preparado e com mais coisas para dar aquelas crianças, que necessitam de tudo (muito do que nós esbanjamos).

No ano passado tínhamos ido até Mampatá quatro homens da minha Companhia - a CART 6250: o Carvalho, o Zé Manuel, o Francisco Pereira Nina e Eu. Todo ficamos surpreendidos pelo grau de abandono do nosso antigo quartel

Este ano só fui eu.

Como não podia deixar de ser voltei ao velho quartel de Mampatá, e encontrei em curso obras de recuperação, vendo-se já diferente e renovada a sala do soldado (de pedra e cal), o paiol (que o ano passado nem se via) estava limpinho, a antiga enfermaria (que já não tinha telhado) está a ser recuperada para enfermaria local, os balneários dos soldados estão transformados numa escola, que eu apoiei no que pude e vou continuar a ajudar.

Mas não parei aí e como levava uma encomenda, e um pedido do nosso Camarada e Amigo Vasco da Gama para Cumbijã, segui viagem e visitei a Fonte de Iroel (que data de 1946), Colibuia e Cumbijã.

Cumbijã, onde um dia encontramos a CCAÇ 18 e outras NT que lá estavam encurraladas.

Quem conhece a zona entende o porquê deles estarem encurralados, é que a estrada Mampatá - Hinhacovâ não tem saída para lado nenhum.

Depois visitei Guileje, Gadamael e Cacine, regressando a casa por Mampatá, Hinhala, Buba, seguindo pelo Quebo, Bissau, S. Domingos, Casamança, Gâmbia, Senegal, Mauritânia, Marrocos, Espanha e, finalmente, Leça da Palmeira (minha terra natal e onde vivo).

Vou continuar a trabalhar para levar mais alguma coisa àquelas crianças.

Vou lá quando puder e penso que não é uma forma de neocolonialismo.

Vou dizer algumas palavras que ouvi a uma Guineense: “Ó Leça só vieste agora, foste embora zangado e vieram estes (…), para o vosso lugar. Vocês entregaram isto a um (…) armado, que era uma minoria e cujos cabecilhas nem eram Guineenses, eram de outro país.”

Penso eu que se calhar o governo Português ainda um dia há-de pedir desculpas à parte daquele povo, que ensinou a pegar e usar uma arma, depois tirou-lha e abandonou-a à mercê de uma sorte cobarde, traiçoeira e macabra.

Agora, quero levar luz eléctrica a Mampatá, especialmente para a dita enfermaria e posto de rádio, que foram inauguradas pelo Sr. Pepito, no dia que nós lá estivemos (tenho que lhe pedir autorização para publicar as fotografias).

Se alguém quiser contribuir com objectos, equipamentos e medicamentos, tudo o que nos entregarem será bem aceite. Lembrem-se que muita coisa que para nós já não tem valor, nem aplicação faz falta àquele bom povo da Guiné.

Nós, eu e a minha esposa, pedimos mais precisamente roupas de criança e material escolar, assim como medicamentos (dentro do prazo de validade como é evidente).

É a minha esposa que se ocupa na recolha, selecção e embalagem destas coisas, foi uma vez á Guiné e quer lá voltar.

Até Monte Real onde falaremos melhor, se houverem condições eu faço uma pequena exposição das inúmeras fotos das minhas viagens.

Na presente mensagem não vou anexar muitas fotos, apenas as de Guileje.

Um abraço,
José Eduardo Alves
Condutor da CART 6250
____________

Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

22 de Maio de 2010 >
Guiné 63/74 - P6450: Ser solidário (71): Visita de Guineenses a Portugal (Agostinho Gaspar)

2 comentários:

Eduardo J.M. Ribeiro disse...

Amigo e Camarada José Eduardo Alves, que feliz eu fiquei ao ver a transcrição das palavras que ouviste a uma Guineense: “Ó Leça só vieste agora, foste embora zangado e vieram estes (…), para o vosso lugar. Vocês entregaram isto a um (…) armado, que era uma minoria e cujos cabecilhas nem eram Guineenses, eram de outro país.”

Mas olha que dizer isto é: POLITICAMENTE INCORRECTO!
Eu constatei como FACTOS em Mansoa, através dos indispensáveis contactos com o PAIGC, para a entrega do quartel os seguintes:
- o bigrupo que se apresentou, para representar as forças guerrilheiras, só sabia falar francês, não compreendendo nada do dialecto crioulo e muito menos da língua portuguesa.
- onde é que estavam os milhares de homens do PAIGC, para que nem um bigrupo se tivesse disposto a estar em representação do seu partido, num dia tão importante para eles, como aquele que representou, com carácter oficial, a efectiva e final transmissão de poderes soberanos, na sua Guiné?
- como é que foi efectuada a desmobilização dos tão propalados (por alguns sectores mais bem informados das NT) dos milhares de guerrilheiros do PAIGC, já que as cerimónias em Mansoa decorreram, como é sabido em 9 de Setembro de 1974, tinham já decorrido 4,5 meses sobre o 25 de Abril?
Desapareceram, ou foram, pura e simplesmente, reintegrados de imediato nas respectivas populações locais, voltando às suas rotinas habituais no início do conflito?
Ou formaram algum super-exército que passou despercebido ao resto do mundo?
Ou chacinaram-se entre eles e exterminaram-se por completo?
Era evidente que uma pequena parte do povo, afecta ao PAIGC, demonstrava regozijo no final das cerimónias, mas também me lembro (como se fosse hoje) das reacções de inúmeros populares locais, que se mantinha expectante e apreensiva, face a um futuro incerto e pouco promissor.
A finalizar ainda hoje me martelam o cérebro os últimos pedidos, em tom triste e amargurado de dezenas de nativos: “Acabem com a guerra mas não se vão embora!” e “Não nos abandonem!”
Por isso repito: Mas olha que dizer isto é: POLITICAMENTE INCORRECTO!

E poderás repetir mil vezes a tua esse trecho da tua mensagem, que os arautos da GRANDE GLÓRIA, MERITÓRIA E VENCEDORA DO PAIGC irá continuar cega, surda e muda a estes FACTOS INCONTESTÁVEIS, POR MIM VIVIDOS NO PRESENTE DO INDICATIVO!

Um abraço Amigo do Magalhães Ribeiro

Anónimo disse...

Caro amigo Zé Eduardo:
Um homem que tão entusiástica e efectivamente se envolve na nobre tarefa de ajudar os guineenses e particularmente as gentes de Mampatá merece, pelo menos da minha parte mas estou seguro que de muitos de nós, o máximo de respeito e admiração. É também notável a forma como a tua esposa se envolve de alma e coração nesta causa. Podes contar comigo na angariação de materiais para a Guiné e, sobre a forma de o fazer, falaremos oportunamente.
Quanto à outra questão, do nosso abandono..., é muito complicado e não me atrevo, neste sítio e agora, a falar do assunto mas tenho muito respeito pelo que dizes.

Um grande abraço e vê se apareces no Milho Rei
Carvalho de Mampatá