segunda-feira, 31 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6505: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (16): As primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares (3): Maria Zulmira (Rosa Serra)

Enfermeira Pára-quedista Maria Zulmira


As Primeiras mulheres portuguesas equiparadas a militares - III

Enf.ª Pára-quedista Zulmira

Agora o meu olhar vai para a Enfermeira Zulmira que esteve tanto tempo na Guiné e de quem, com certeza, muita gente conhece. Não me vou referir ao seu desempenho como enfermeira, mas apenas ao seu perfil humano e de certeza que todos concluirão como era ela como enfermeira pára-quedista.

Falar da Zulmira é como falar de um ser especial. Eu acho mesmo que ela é um anjo disfarçado em gente da Terra. Ela é compreensiva como poucos, apaziguadora como ninguém, fala com as mãos e vê com olhos de raio X o que se passa na alma do ser humano.

Se não estivesse a trabalhar era distraída e fazia coisas que nos fazia rir. Nas horas de descontracção alinhava sempre nas brincadeiras, mesmo se fardada e em ambiente militar.

Na Guiné, na hora do almoço e se não estivéssemos no ar, geralmente íamos as duas almoçar ao BCP12. Púnhamos a boina no cocuruto da cabeça e riamos como colegiais pelas diversas reacções dos páras que se cruzavam connosco.

Um dia resolvi “roubar” uma bicicleta que andava por lá pelo BCP12, não sei bem a quem pertencia, penso mesmo, que era usada por quase todos. A Zulmira ficou de atalaia para ver a reacção da pessoa que a deixou à porta da messe enquanto almoçava, acaso saísse e não a encontrasse, enquanto eu fui dar uma volta com ela pela unidade observando o ar de quem presenciava a cena. Alguém tirou uma fotografia e me ofereceu para imortalizar o momento.


Divertíamo-nos com essas pequenas provocações, diria mesmo parvoíces infantis que se calhar ninguém ligava, mas que a nós nos fazia rir e nos punha bem dispostas com vontade de dar uma cambalhota se houvesse uma nesga de relva por perto. O certo é que estas pequenas brincadeiras suavizavam alguns dos momentos mais dolorosos vividos e nos davam alegria.

A Zulmira hoje, a esta distância da juventude de então, continua a ser um Ser Humano ainda mais maravilhoso, de sentimentos puros, que escuta as lamentações dos outros, mima a alma ferida de quem sofre, apazigua quando as emoções se revelam agitadas dos magoados pelas amarguras inesperadas da vida e sem se aperceber o quanto faz bem aos outros, continua a ser aquele anjo feito gente que se projecta no outro acreditando no ser humano, desculpando comportamentos e levando-nos a saber perdoar a quem nos ofende, de uma forma tão generosa e solidária que chega a ser comovente.

Tem uma fé inabalável, que não impõe a ninguém, limita-se quando fala dela a dizer que Deus é seu amigo e que lhe pede para quando fizer a travessia (palavra dela) Ele esteja lá, para lhe dar a mão e que também gostava que a mãe e avó estivessem presentes para a acolher.

Com perfeita noção que a morte é inevitável, não a incomoda falar dela, no entanto há pouco tempo passou mal e quando nos encontrámos após a crise, disse-me com o ar mais normal da vida e sem qualquer ar de lamechice: “hoje estou aqui, mas há dias atrás, pensei que tinha chegado a hora da travessia e ainda por cima tive medo.”

Situações houve em que todas nós fizemos preces por aqueles que sofreram os horrores da guerra, naturalmente umas mais que outras, mas eu tenho quase a certeza que a Zulmira, com essa intimidade que tem com Deus, deve estar em n.º 1 pela sensibilidade que tem com o sofrimento dos outros. As pessoas que a conhecem bem, sabem que ela é assim, mas sem ponta de “beatice” supérflua ou inútil.

Tenho muita pena das minhas capacidades literárias serem diminutas o que me impede de descrever como é a minha amiga Zulmira como ser humano, pois merecia uma narração mais elaborada pois ela é um poema em forma de mulher.

Rosa Serra
Ex-Enfermeira Pára-quedista

Rosa Serra (à esquerda) e Zulmira (à direita) entre camaradas pára-quedistas na mata da Guiné em operação onde ambas participaram o dia inteiro.
No dia anterior também a enfermeira Manuela e a Enfermeira Rosa Exposto acompanharam os mesmos militares. Que eu saiba fomos os único caso, de enfermeiras andarem mesmo em terra, durante todo o dia. Se alguém tiver interesse em saber porquê, explicarei noutra oportunidade.

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Nota de CV:

Vd.último poste da série de 29 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6489: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (15): A minha homenagem à enfermeira pára-quedista Ivone Reis que ficou em Contabane a cuidar dos feridos graves (Carlos Nery)

9 comentários:

Rogerio Cardoso disse...

Amigos
Só uma unica vez, lidei com uma enfermeira paraquedista. Foi a 17 de Novº de 1965, quando embarquei num avião da FA. com destino a Lisboa ao HMP.
Tinha uma fractura exposta do femur esqº, como vim á pressa, por reenvidicar a minha situação de evacuado com urgência, como descrevi numa nota já efectuada, os nossos amigos do HM241 não estão com meias medidas, gesso em força do peito até final das pernas.
Como estava na hora da saida, eles engessaram directamente em cima da pele e sem folga alguma.
Aí conheci o meu amjo da guarda, a já citada enfermeira, que teve de romper o gesso do peito até abaixo da cintura, primeiro porque o gesso começou a secar e lógicamente a encolher, e segundo porque com a altitude começei a inchar. Até Lisboa fui extremamente bem tratado, não faltando o carinho e a boa disposição. Não sei se era a Rosa Serra, se a Zulmira ou outra camarada, o que sei é que fizeram um trabalho digno de louvor e ser apontado como um exemplo de humanidade, aliás posteriormente tenho ouvido e lido diversas cenas, em que nunca disseram mal dessas grandes SENHORAS.
Bem hajam e mais uma vez muito obrigado e até depois da travessia, que espero seja ainda longa.
Rogerio Cardoso
Ex Fur.Mil.Art.Cart643-AGUIAS NEGRAS

Anónimo disse...

Cara Rosa,

Obrigado! Diz à Maria Zulmira, que quem acredita Nele, será sempre valorizado diante de seu Pai.

Dupla alegria hoje! Este extraordinário Post e um e-mail do Miguel e da Giselda a identificarem enfermeiras páras que passaram por Cufar e cujas fotos possuo. A Nazaré a Amália Reimão e a Manuela França.

A Maria Arminda já tinha notificado a sua passagem por Cufar e a Ivone se não estou em erro.

Com tantos e maravilhosos anjos destes, como é que não poderiamos ser abençoados em Cufar?
Foi duro! Mas muita sorte também tivemos.
Para todas vós: saúde, paz e amor. Se quererdes que Ele vos proteja.

O velho abraço do tamanho daquele lindo, longo e sinoso Cumbijã.

Mário Fitas

antonio graça de abreu disse...

Que grandes senhoras, meninas também a florir nos vinte, vinte e poucos anos, como todos nós! Quanta dedicação e sacrifício (eu sei, era a vossa escolha!) anjos da terra que subiam ao céu, e desciam outra vez ao de leve,ou em alvoroçadas evacuações no mato para nos ajudar,estar connosco, tanta vez para nos devolver à vida!...
Estas enfermeiras páras foram do melhor de que o nosso Portugal se pode orgulhar.

Forte abraço,

António Graça de Abreu

JD disse...

O poeta Graça de Abreu disse, e eu peço licença para subscrever.
JD

Luís Graça disse...

Oh! Rosa, então a minha amiga é capaz de traçar um espantoso perfil psicológico, profissional e humano da Zulmira e depois sai-se com esssa: "Tenho pena de, por limitação das minhas capacidades literárias, não saber descrever melhor esse anjo disfarçado em gente da terra"!...

Qual quê, a Rosa tem talento para a escrita, para dar e sobrar!

Luís Graça disse...

Estas mulheres, justamente por terem sido pioneiras em tudo ou quase tudo, deveriam ser um "case study" sociológico no âmbito dos estudos de género...

O nosso blogue pode dar uma ajuda trazendo-as para as "luzes da ribalta"... Quem eram estas meninas ? Qual a sua origem geográfiac ? Que habilitações tinham ? Em que escolas de enfermagem estudaram ? Em que sítios trabalharam,antes e depois ? Quem eram os seus pais ? De que meio social ? O que é que elas tinham em comum, para além da profissão, da idade, e do génerop ? Quais foram, depois os seus percursos ? Abriram ou não portas (do mercado de trabalho nas Forças Armadas) a outras mulheres ? Como eram vistas pelos seus contemporâneos, pelos homens e pelas outras mulheres ? etc. etc.

Precisamos de "histórias de vida" destas verdadeiras heroínas que abriram portas, destruiram preconceitos, quebraram mitos, barreiras, esterótipos...

Anónimo disse...

Zulmira, ao abrir o "Luis Graça & Camaradas da Guiné" deparei com uma cara conhecida, a tua, e disse: "Que bonitos que nós eramos!!". Permite este meu complexo de aproximação. Pode ser que ainda hoje o sejamos, mas não há dúvidas que o fomos antigamente. A tua foto é esclarecedora.
Eu voei em 68/69/70 nos "zingarelhos" ,pelos ares da Guiné.
As boas vindas que desejei à Rosa são também para ti.
Não te incomodes por teres medo da morte. Eu tive medo da vida e era nessas alturas, que arranjávamos coragem para fazer coisas que doutra maneira seriam impensáveis . ... que recepção tão lamechas. Um abraço do tamanho do Geba, é assim que a malta fala aqui, senta-te, e vai "voando" pelos escritos que este Blog nos oferece.
Jorge Félix

JOSÈ NUNES disse...

Camaradas ,se não fossem as asas,olhando a foto,parece uma menina que ia pró Colégio,estes são os nossos "anjos"elas vão aparecendo,e oxalá que apareçam mais pra Nós lhes agradecer-mos o muito que fizeram,pelos nossos Camaradas que delas tiveram,nece-ssidade,que venham mais cinco ou mais,sejam elas Marias ou outras,
OBRIGADO;A VOÇÊS CAMARADAS.
Jose Nunes
BENG 447
Guiné 68/70

Hélder Valério disse...

Felizmente nunca tive necessidade dos préstimos de tão ilustres pessoas. Mas a verdade é que sempre, lá e cá, os elogios não se faziam regatear.
Elas eram tudo o que já aqui tem sido referido: anjos, mães, irmãs, namoradas, mulheres, representavam a esperança, a quase-certeza que tudo iria acabar bem.
Esta Senhora, Maria Zulmira, é mais um bom exemplo dessa raça de mulheres que abriu o caminho e que tão importantes se revelaram para minorar o sofrimento dos que 'cá por baixo' cumpriam a sua missão.
O meu grato reconhecimento.
Hélder S.