quinta-feira, 15 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6742: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (8): Foi-se a Paz

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 15 de Julho de 2010:

Meus caros camarigos
Prossigo, correndo para o fim, a série...


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (8)

FOI-SE A PAZ!

Estou em paz!
Os meus ouvidos fecharam-se
aos sons da guerra longínqua
e já não me incomodam os gritos
do medo do meu viver.
Estou em paz!
Não sinto cheiros da terra quente
por lavrar,
por semear,
apenas cheia de capim,
daquele que esconde a gente,
que espera outra gente.
Estou em paz!
Cerram-se os olhos
a tentar ver por entre as árvores,
para apenas se abrirem
para as cores da natureza,
que me alentam e acalmam.
Estou em paz!
Bate compassado o coração,
calmo, sensível, aberto,
afastada que foi a frieza,
dos sentimentos escondidos.
Estou em paz!
Os meus passos são seguros,
nada têm de hesitante,
porque a estrada que percorro,
não tem nada escondido,
nem a morte num instante.
Estou em paz!
As minhas mãos não seguram,
nem uma arma, nem pica,
estão abertas, ansiosas,
que nelas caiba uma vida.
Estou em paz!
Os que por lá ficaram
são grata recordação,
os que comigo vieram,
moram no meu coração.
Estou em paz!
E no entanto,
algo me incomoda,
e não me deixa dormir.
Olho em volta,
e vejo todos,
todos os que vieram da guerra!
Só não vejo entre eles
aqueles filhos da terra,
da terra que os viu nascer,
que ao meu lado estiveram,
que não me deixaram morrer.
Procuro-os,
quero-os ver,
quero com eles falar,
quero-lhes agradecer,
mas só me responde o silêncio,
um silêncio frio,
tão frio como o vento Norte,
que me causa um arrepio,
e me sussurra ao ouvido:
morte, morte, morte.
Foi-se a paz!
Ficou a descrença,
a revolta,
a indignação.
Uma morte não tem volta,
a vida é que é presença,
não basta a recordação.
Uma só palavra
martela todo o meu ser:
abandonados!
Como são fortes os cravos
que me rasgam o coração,
são feitos de liga dura,
revestida de traição!
Atraiçoados!
Pobre bandeira a minha,
onde só vejo encarnado,
porque o verde da esperança,
foi tingido,
foi lavado,
pelo sangue derramado,
daqueles que acreditaram,
que tinham uma pátria,
um lugar,
mas que abandonados à sorte,
ficaram na terra mãe,
num longo estertor de morte.

91.12.07

Um abraço forte, apertado e camarigo do
Joaquim
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6703: V Convívio da Tabanca Grande (12): A Guiné em Monte Real ou um Encontro de camarigos (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6697: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (7): Eu sei quem sou

2 comentários:

Anónimo disse...

E....mais uma vez,consegues dizer o que muitos sentem! Um abraco amigo.

Anónimo disse...

Lindo, com muito sentimento.
Filomena