domingo, 8 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6836: Memórias de Um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (4): Casado em 1956, vereador em 1957, em Bolama, regressa a Bissau em Novembro de 1960, como convicto nacionalista


Continuação da publicação das memórias de Cadogo Pai (*)... O documento, de 26 páginas, que me chegou às mãos, tem por título: Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008.

II Parte > Excertos (pp. 1-5)

"1. Casei-me a 8 de Setembro de 1956, viajei para Dakar, a 12 de Setembro de 1956, de ambulância, de Lulula para Zinguinchor. Era condutor um amigo e colega de infância José Bapote, que ainda vive. 

De Zinguinchor segui para Dakar, onde passei um mês na companhia da esposa e do Djack, Jacinto Gomes, meu sobrinho que eduquei desde os dois anos e meio, após a morte da mãe.

"2. A primeira reunião que decidiu a fundação do PAIGC, realizou-se na Rua Severino Gomes de Pina, a 19 de Setembro de 1956, com as presenças de Amílcar Cabral, Luís Cabral, Aristides Pereira, Fernando Fortes, Inácio Júlio Semedo e Elisée Turpin.

“O documento elaborado é de oito artigos. O Art 3º diz que o Partido trabalha no sentido de unir todos os africanos, de todas as etnias e de todas as camadas sociais. Consta da primeira edição do Jornal Nô Pintcha, artigo esse que mandei publicar. Citei o artigo mencionado para esclarecer que tinha ligações com o PAIGC, quando Luís Cabral tentou impedir a minha candidatura às primeiras eleições legislativas realizadas em Bissau, após a independência.

“Esta declaração provocou o interesse do Dr. Vasco Cabral, que não me largou até o fornecer e ao camarada Nino Vieira. Refiro-me ao texto completo que me foi fornecido após o meu regresso de Dakar em 1956.

"3. Após o meu casamento, em 1957 fui eleito vereador da Câmara Municipal de Bolama, palco dos meus primeiros confrontos com o poder colonial, que marcaram bem a minha vida de luta e experiência.

“Foi onde comecei a interessar-me pela interpretação da leis, por que a luta era árdua, de confrontos de interesse do município e dos colonialistas. Era secretário Abeilard Vieira, presidente Camilo Monte Negro (administrador), Olívio Pinto Pereira, funcionário administrativo, testemunho válido das lutas travadas que as actas assinalam.

"4. Não completei o mandato, porque começou a repressão colonial, após a fundação do PAIGC a 19/9/1956 e os acontecimentos de 3 de Agosto de 1959 no Cais do Pinjiguiti. Tive que viajar para Portugal em Junho de 1960, porque corria enorme risco de ser preso. As actividades atrás citadas – visitas de excursões de rapazes de Bissau a Bolama – geraram uma situação que abalou totalmente a confiança que levou os Portugueses a convidar-me para a Câmara Municipal de Bolama como vereador.

"5. Regressei de férias em Novembro de 1960, directamente para me instalar em Bissau, dadas as notícias que recebia das prisões e mortes de presos em Tite.

“Depois de me instalar em Bissau, transferi os stocks de Bolama para Bissau, a seguir às operações de Fulacunda, Junqueira, cessando a minha actividade em Bolama e zonas de Tite, porque eram perigosas.

"6. Antes de partir de férias, os meus contactos eram muito notórios. Aos fins de tarde, reuníamo-nos habitualmente na marginal, mesmo em frente aos Armazéns da Alfândega e o chamado Porto das Canoas, eu, Carlos Domigos Gomes, com os amigos Aristides Pereira, Alcebias Tolentino, Adelino Gomes, Barcelos de Lima e Alfredo Fortes, nomes já mencionados na primeira parte deste trabalho.

Aristides Pereira deixou Bolama, a pretexto de concorrer a um concurso nos Estados Unidos, afinal [seguiu] para as fileiras do PAIGC. (…).


Estas ligações eram tidas como suspeitas. No livro do Aristides Pereira, Guiné-Bissau e Cabo Verde,uma luta, um partido, dois países, na página nº 79, ele refere a nossa amizade e faz uma observação em relação à minha pessoa como nacionalista convicto, já na altura, no decurso dos nossos contactos.

“Voltei a encontrar o camarada Aristides Pereira em Madina do Boé. Foi na altura do 1º Aniversário da nossa Independência Nacional. Conduzi uma delegação de Bissau até Gabú. Era comandante da zona o sr. Honório Chantre que nos recebeu à chegada a Gabú. Após se inteirar da nossa intenção de irmos assistir às comemorações do 1º Aniversário da nossa Independência, mandou-nos procurar alojamento e aguardar a resposta à comunicação que ia mandar para a base.

“No dia seguinte, logo pela manhã, mandou-me chamar a mima e aos companheiros a fim de dar a resposta prometida. Da autorização recebida, só eu podia entrar para a base, escolhendo uma pessoa para me acompanhar. A delegação era composta por 14 nacionais e um português, de nome António Augusto Esteves, ex-comerciante bem conhecido, já falecido, radicado há dezenas de anos na Guiné-Bissau. Posso testemunhar a sua dedicação, bem coberta a causa da Independência (como o testemunham os bens implantados).

Foi ele então a pessoa escolhida para me acompanhar. Foi deslocado um helicóptero da base de Madina Boé a Gabu para nos transportar. A minha escolha causou mal estar na caravana que teve de regressar a Bissau.

A chegada à base que acolheu a manifestação, fomos recebidos pelo então Comissário do Comércio, o camarada Armando Ramos, que a seguir às manifestações, recebeu ordens para nos conduzir a uma sessão especial, onde encontrámos, reunido, todo o elenco dirigente do Partido, entre eles com a toda a surpresa o camarada Aristides Pereira que me acolheu de braços abertos, com uma abertura desconhecida no seu semblante, sempre fechado. Disparou-me a seguinte pergunta:
- E as nossas conversas em Bolama ?

Respondi comovido, só descobri os fundamentos dos nossos encontros após a sua partida dita para os Estados Unidos.

Fecho solenemente este episódio com uma declaração: nunca mais esqueci o abraço deste encontro, para testemunhar que os efeitos de Aristides Pereira, em prol dos trabalhos de mobilização, merecem muito mais do que o silêncio do seu n ome que nos tem chegado. Aproveito esta oportunidade para agradecer a menção do meu nome no seu livro atrás citado.

[ Revisão / fixação de texto/ excertos / digitalizações / título: L.G.]

(Continua)

________________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

30 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6807: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (1): Encarregado de uma empresa francesa, em Bissau e depois Bolama (1946-1951)

2 de Agosto de 2010 > 
Guiné 63/74 - P6815: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (2): A elite guineense nos anos 50


5 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6828: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (3): Estabelecido por conta própria em 1955

9 comentários:

Antº Rosinha disse...

O português Antonio Augusto Esteves, a que Cadogo se refere, antigo comerciante, poderá ser da célebre "Casa Esteves", que continuava a funcionar com muita dificuldade em plena ortodoxia comunista. Essa casa fica na rua do mercado municipal.

Vários comerciantes mantinham após a independência um certo entendimento com os governantes.

Embora sem grandes prespectivas, foi melhor do que em Angola e Moçambique, devido à guerra com Renamo, Unita e FNLA, após 74.

Quando falamos que a Guiné está mal, pós independência, o povo não sofreu nada comparado com as guerras de Angola e Moçambique, após 1974.

Embora o petróleo pague e esqueça muita coisa.

Agora ver um guineense com o nome respeitado como Cadogo, ter que recorrer a um caboverdeano, A. Pereira do PAIGC, para "provar" o seu nacionalismo, ajuda-nos a subentender o que foi o pesadelo dos nosso comandos e de muitos anónimos.

Quando se cria a ideia que historicamente a administração usou os caboverdeanos, se virmos por outro prisma, a capacidade, a necessidade e a inteligência dos caboverdeanos, não seriam estes a imporem-se, em Bissau, mas tambem em Luanda?

Exceptuando os velhos comerciantes, "atrazados" e "analfabetos", que falavam vários dialetos e se «amancebavam» nos fins de mundo, a verdadeira administração colonial, nunca passou de uns ingénuos "piriquitos", perante os caboverdeanos e luso-descendentes, e os brancos de 2ª ( de vez em quando, por conveniência, quem se auto-intitula de 2ª é Otelo Saraiva de Carvalho).

Penso que o que digo, não ofende ninguem, até porque me refiro a um grande número que continua português como eu e cujos filhos e netos, mesmo nascido lá, são registados (tambem) cá.

Cumprimentos

Luís Graça disse...

Rosinha:

A expressão "preto de 2ª, em Angola, e branco de 2ª, em Portugal" ouvia-a, há dias, a um amigo que faz parte do blogue e que está agora em Angola... Ele atribui-a a um amigo comum, médico, nascido em Angola, militante do MPLA, tenente general ou coisa assim do género, que fez as guerras todas de Angola, como médico militar, do antes e do depois (contra os portugueses, contra a Unita, contra os sul-africanos), e que é descendente de portugueses, branco como tu e eu (se é que branco quer dizer alguma coisa: no meu caso não diz nada, sou frequentemente confundido com grego, palestiniano, turco, magrebino, e já fui vítima de racismo e xenofobia no aeroporto de Amsterdão)...

A expressão é reveladora das contradições actuais das nossas sociedades (angolana, guineense, portuguesa) ...

No caso do Cadogo Pai, concordo inteiramente contigo: a 'nomenclatura' do PAIGC (com o Luís Cabral à cabeça) devia ter muitas dúvidas sobre a "autenticidade" do nacionalismo do Cadogo Pai... Daí a necessidade de apresentar, como trunfo, a amizade de Bolama com o sisudo Aristides Pereira...

Por sorte, o seu filho é primeiro-ministro (Cadogo Júnior)... Mas nas páginas que vou publicar a seguir ele, o Cadogo Velho (que espero que ainda hoje esteja vivo e de boa saúde) conta como foi preso pela PIDE, em 1967, e "selvaticamente espancado"... e como também havia "pides bons", com sentido de compaixão...

Antº Rosinha disse...

Luis, nunca até aos 36 anos de idade quiz saber de política nem destas porras a que me dedico agora.

A minha vida foi uma autêntica «cóboiada». no sentido mais descomprometido do termo.

Dos 18 aos 36 em Angola com 3 de tropa, se dei 12 tiros à caça, foi muito.

Outros tantos na carreira de tiro.

Eu e centenas de colegas, metroplitanos, caboverdeanos e angolanos, e até indianos e macaenses, alguns engenheiros geógrafos e civis, levámos uma vida tão descontraída a fazer mapas iguais aos do teu blog e estradas, que vivi desligado. Ouviamos os diversos rádios mundiais em português e brasileiro, sem dar importância especial.

Só que a minha estada na Guiné independente, durante vários anos, e o nosso 25 de Abril e o que se seguiu, e agora o blog, fez-me lembrar que «tive uma vida», e que outros me queriam dizer que «foi mentira aquilo que vivi».

Eu não andei de tipoia, porque já estava no museu, esse tipo de transporte.

Mas ainda conheci brancos de 2ª que conheceram esse meio de transporte.

Quem era branco de 2ª em 1957 em Angola?

Eu que não conhecia esse termo, nem sabia o que era gindungo nem machimbombo, fui aprendendo.

Em 1957, auto-intitulavam-se como branco de 2ª, sem ninguem lhe perguntar nada, todos aqueles que queriam demonstrar o seu sentido de nacionalismo, e diziam aos metropolitanos exatamente com o sentido de nos «descriminar como ocupantes».

Claro que a UPA, e o Congo Belga e Lumumba e Tchombé e Mobutu vieram alterar tudo, e os brancos mulatos e pretos "passaram todos a ser brancos...dos dentes".

Só que, sem eu saber, Amilcar Cabral estava a fazer uma guerra na Guiné que ainda não está bem compreendida nem por caboverdeanos nem guineenses nem o próprio Irã.

Luis, publicas às vezes a bandeira da Guiné, mas nunca publicas a nova bandeira de C.Verde e o hino que era o mesmo.

Anónimo disse...

Camaradas,
O António Rosinha tem uma longa e antiga experiência africana.
Já aqui abordou um aspecto importante em resultado das relações da Metrópole com as Colónias: refiro-me ao número significativo de jovens, no geral estudantes ou em princípio de carreira, brancos e pretos, que em Angola manifestavam ideias independentistas.
Manifestavam esse repúdio em virtude da subalternidade a que o governo votava aquelas terras, deixando para os grandes interessas a verdadeira colonização do território. Os portugueses, na verdade, não passavam de feitores, enquanto de londres, Berlim e N. YorK se fazia a gestão colonial.
Imagino que ele poderá dar-nos alguma conta sobre este assunto, sobre como os jovens colonos sentiam a relação com a Metrópole.
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...

J. Diniz, de economia não sei nada.

Mas os angolanos e os guineenses, caboverdeanos e Sãotomenses e Moçambicanos (letrados), sabiam as riquezas que havia.

Eu próprio aprendi com angolanos e guineenses e com os próprios olhos, as riquezas naturais daquelas terras.

Até porque a minha vida foi pouco citadina, foi em geral no campo e nos cus de judas.

Sobre o desenvolvimento económico colonial, os «donos da terra» de todas as cores tinham uma opinião tal como os treinadores de bancada.

E é essas opiniões que um dia te posso transmitir.

Agora essa ideia que eram outros a fazer a gestão colonial...?como hoje o deficit é ditado por bruxelas?

J. Diniz, uma vezes, orgulhosamente sós, outras vezes acordos com potências, outras vezes não deixavamos explorar as riquezas...hoje até eu tenho explicações como treinador de bancada.

Mas terá que ser explicado depois das férias, apenas o que vi.

Apenas por agora te quero dizer que há 36 anos uns profetas diziam que iam aparecer uns gajos como um tal Rosinha que vão dizer: Eu não disse? Isto vai ser uma desgraça! Vão ter muitas saudades nossas!
Ai que saudades!

Mas, na realidade o que eu digo, mas esses profetas apenas pensam: «deixa andar, tudo se cria».

Cumprimentos

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Já agora, para quem me souber explicar!

Tenho em minhas mãos o seguinte livro:

« O MEU TESTEMUNHO uma luta um partido dois países - versão documentada -
NOTÍCIAS editorial».

A capa não condiz com a apresentada no P6836, no entanto na pag. 79 as palavras de Aristides Pereira em relacção a Domingos Gomes são as mesmas.
Não sei se estou a baralhar as cartas mas: Na apresentação de Diário da Guiné 1969-1970 O Tigre Vadio do nosso tertuliano Mário Beja Santos na livraria Verney em Oeiras, questionando o escritor, sobre o descrito no livro do Aristides Pereira sobre a situação do PAIGC descrita na pag. 175 sobre "sinais claros de cansaço desde 1966, atingiu o seu ponto máximo de saturação em 1968" e que me foi respondido que esse escrito não tinha valor.
Pergunto:
1 -Serão dois livros, ou o mesmo com capas diferentes?
-Terá o livro em meu poder menos valor?
-Haverá edições diferentes? Dado as capas serem totalmente diferentes?
Ficaram-me dúvidas que gostaria que alguem conhecedor da existência de um só livro com capas diferentes, ou se os livros são mesmo diferentes?
É que clarificando o escrito, talvez se possa clarificar o valor do mesmo, e as interpretações contrárias.
Antecipadamente agradeço o esclarecimento.

Mário Fitas

Carlos Silva disse...

Mário

Tenho o livro do Aristides Pereira, publicado pelo Notícias Editorial, 1ª Edição 2002, cuja capa corresponde à deste Poste 6836.que na pág 79 não se refere a Domingos Gomes como referes, mas sim e a propósito deste tema da amizade do Cadogo Pai com o Aristides Pereira, este diz: " Fiz Amizade com Carlos Gomes" ...
Já quanto ao que mencionas relativamente ao "cansaço" pág 175, está correcto.
Quanto à tua dúvida, devo informar-te que há uma versão que creio ser diferente, pois eu vi e consultei numa ONGD CEDAC, que creio ser esta a designação, estabelecida numa rua paralela à R João Crisóstomo, o livro com o mesmo título com o dobro do volume deste que comprei.
Quanto ao valor das afirmações nele produzidas, claro que têm valor. Não foi o Autor que "deu o dito pelo não dito"
Um abraço amigo
Carlos Silva

Anónimo disse...

Carlos,

obrigado pela ajuda.

Mas o Cadogo Pai, seu nome era Carlos Domingos Gomes ou apenas Domingos Gomes.

Quanto aos (livros), as capas são diferentes de facto, embora o meu na capa tenha "versão documentada" e duas fotos não identificadas, e na contracapa uma apeciação do Fernando Rosas.

Um abraço,


Mário Fitas

Juvenal Amado disse...

O Luís fala de um caso de racismo que o Mário Moutinho de Pádua também referiu ter sofrido em 1961 e anos seguintes.
Mas eu também tenho conhecimento de individuo que prestou serviço na guerra civil nas FAPLA que tem hoje no cartão de identidade «Mestiço» pois em Angola não há só cidadãos angolanos mas sim Pretos, Brancos e Mestiços.
Lamentável para quem quis construir um país novo.
Um abraço