segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6856: Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (Fim): Prisão e tortura pela PIDE em 1967, libertação no tempo de Spínola em 1968, refúgio em Portugal em 1973 e regresso ao país depois do 25 de Abril de 1974

Publicação da sétima e última parte das memórias de Cadogo Pai (*)... O documento, de 26 páginas, que o autor me facultou um exemplar, em Bissau, em Março de 2008,  tem por título: Memória de Carlos Domingos Gomes, Combatente da Liberdade da Pátria: Registos da História da Mobilização e Luta da Libertação Nacional. Recordar Guiledje, Simposium Internacional, Bissau, 1 a 7 de Março de 2008.

A partir de hoje, o empresário e nacionalista Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai, pai do actual 1º Ministro da Guiné-Bissau, Carlos Gomes Júnior, também conhecido por Cadogo Júnior, nascido em Bolama, em 1949) passa a integrar a nossa Tabanca Grande. Desejamos-lhe muita saúde e longa vida. E estamos-lhe gratos por nos ter disponibilizado o texto policopiado  com as suas memórias que vão de 1946 até 1974. Cadogo Pai nasceu em 1929, terá portanto 81 anos. Foi conselheiro de Estado no tempo de 'Nino' Vieira. Teve também funções governativas antes do golpe de Estado do 1998 (L.G.)

Parte II (pp. 13-17)

Num belo domingo à tarde, numa visita a casa de uma amiga no Bairro da Ajuda, a Dona Micteia, encontrei dois amigos, Eugénio Peralta e Valdemar Oliveira. À chegada encontrei-os na rua. Um deles disparou-me:
- Já sabe que prenderam o Pipi Pereira ? - respondi, dizendo que sabia. Informaram-me que foi preso de madrugada. Sem resposta mais a dar, traí-me de emoção, disparei para casa do Sr. João Vaz, para obter a confirmação. Bati à porta, ele saiu e confirmou-me a notícia da prisão do nosso companheiro Pedro Pinto Pereira, dando-me a notícia de que a seguir seríamos nós. Ele, João Vaz, eu e António Augusto Carvalho (ANCAR).

24. Tudo aconteceu no domingo. No dia seguinte, segunda-feira, encontrei o nosso companheiro António Carvalho, dei-lhe a notícia da prisão do Pedro Pinto Pereira, e a informação que tinha, que a seguir seríamos nós. Alarmou-se, foi informar a esposa, uma senhora portuguesa. Sem controlo, decidiram ir pedir protecção ao Sr. Tenente Castro, que era elemento ligado à PIDE. Este levou-os à PIDE para serem ouvidos em declarações, o que nos complicou a vida a todos após as declarações prestadas.

25. O Sr. António Carvalho, reconheço que não tinha intenção de me prejudicar, porque a seguir às suas declarações, veio-me avisar que eu seria chamado para ser ouvido em declarações. Só que ele não sabia, por motivos de segurança como já disse, cada um só sabia os contactos que tinha. Eu não podia ser ouvido, sem avisar o João Vaz e ele aos que ele sabia dos seus contactos.

26. Informei a minha mulher da situação e da aflição que tinha de contactar os companheiros dos meus contactos. Que tinha de partir de João Vaz ou de um deles. Sugeriu-me sair à rua. Deparei por sorte com o Sr. Armando Lobo de Pina, de passagem, vindo do serviço da [Casa] Ultramarina onde era empregado. Informei-o da situação e da urgência de contactos com os companheiros e da resposta. Aconselhou-me, cerca das 11h45, para estar à porta, que estaria de passagem. Assim aconteceu, a senha foi para eu suportar tudo e não mencionar nomes, porque seria perigoso. Aceitei porque eram muito graves as declarações do Sr. António Carvalho, comprometiam altas figuras que não nos convinham que fossem figuras tocadas, caso do  Mário Lima, Artur Augusto Silva [, pai do nosso nosso amigo Pepito, preso pela PIDE em 1966, no aeroporto de Lisboa, encarcerado na Prisão de Caxias durante 5 meses sem culpa formado, libertado por influência de Marcelo Caetano, impedido de regressar à Guiné], Severino Gomes de Pina, etc.

27. Eram 15 horas e mais alguma coisa, apareceram dois agentes da PIDE, abordaram-me, que me me queriam falar, disponibilizei-me, mas deram-me a entender que não era no meu escritório, mas sim lá em cima. Quando perguntei em cima, aonde, virou a gola da camisa, um deles, de nome Silva, para me mostrar o distintivo da PIDE. Foi assim que se deu início ao que iria ser a prisão do nosso alargado grupo, alguns dos quais só na prisão viríamos a conhecer.

28. A seguir à prisão do Pedro Pinto Pereira, prenderam o João Vaz, deixando todos alarmados, a aguardar os acontecimentos, cada um nas suas ocupações. Deram-nos o tempo de passar as festas de Natal e Novo Ano, eram fins do ano de 1966.

29. Já em 1967, certo domingo, dia 16, estava eu de volta das obras das minhas actuais instalações, apareceu-me o Sr. Domingos Maria Deybs, com um jornal na mão, a anunciar um convite para almoço de confraternização dos amigos do Inspector da PIDE. Perguntou-me se eu ia tomar parte no almoço. Naturalmente a minha resposta foi desabrida, a perguntar a que título iria tomar parte em tal almoço!!!

Afinal era a senha, o mesmo aparato de força ocorreu com os companheiros a seguir citados e, a partir do nosso mesmo conterrâneo, contactou os camaradas: Armando Lobo de Pina, Elisée Turpin, Milton Pereira de Borja, Lindolfo, ex-empregado de Mário Lima Wanon. Assim fomos todos presos na madrugada do dia 17 de Janeiro de 1967, os quatro camaradas contactados e comigo cinco prisões.








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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior:

13 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6848. Memórias de um Combatente da Liberdade da Pátria, Carlos Domingos Gomes, Cadogo Pai (6): 1966, o ano das prov(oc)ações

7 comentários:

Luís Graça disse...

O advogado de defesa do Cadogo Pai, em 1967, terá sido o Dr. José Biscaia Pereira, com escritório na Av Républica, 47-7º Dto , Lisboa – 1050-188 LISBOA ?

Se sim, foi um dos apoiantes da lista de António Marinho e Pinto, candidato a Bastonário da Ordem dos Advogados, em 2007.

http://eleicoes2007.marinhopinto.net/Apoios.aspx

Luís Graça disse...

o que parece a PIDE, no tempo de Schultz, teria cerca de 30 agentes e inspectores... Houve render da guarda com o Spínola. Recorde-se que foi Spínola quem mandar libertar cerca de uma centena de presos políticos, entre eles o Cadogo Pai... O preso mais famoso terá sido Rafael Barbosa, mas também dois "tarrafalistas" que irão aparecer, mais tarde, em 1973, ligados à conjura que levou ao assassinato de Amílcar Cabral, Aristides Barbosa e Mário Mamadú Turé.

Quem tem mais elementos sobre estes tempos de "brasa" na Guiné ?

Luís Graça disse...

Saiu recentemente um livro sobre o Tarrafal: "Tarrafal: Chão Bom: Memórias e Verdades" (II Volumes). Autor: José Vicente Lopes. Editor: Instituto de Investigação e do Património Culturais (Cabo verde). 240 pp/ 390 pp. Preço: € 30.

Vd. recensão de José Castanheira, no Expresso desta semana (Atual, nº 1972, 14 de Agosto de 2010).

Luís Graça disse...

O Tarrafal teve duas fases: "metropolitana" (1936-1954) e "africana" (1962-1974)... Na 2ª fase, registaram-se 2 mortos guineenses e um angolano... Segundo José Pedro Castanheira, os guineenses terão sucumbido aos "maus tratos" que haviam sido sujeitos ainda na Guiné...

O Tarrafal foi reaberto por imperativo da guerra colonial. Na portaria assinada pelo Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, passou a chamar-se Campo de Trabalho de Chão Bom... Mas havia outros: Ilha das Galinhas (Guiné), Missombo e São Nicolau (Angola), Machava e Madalane (Moçambique)...

Anónimo disse...

Se me dá licença, está "Madalane" deve estar Mavalane (perto do aeroporto).

Anónimo disse...

Luis Graça, essa do Rafael Barbosa, "o Coxo" e alguns arrependidos, aparecerem ligados ao assassinato de Amilcar, (implicando, logicamente a PIDE), nunca pegou na cabeça dos guineenses.

Agora, na cabeça de alguns caboverdeanos e portugueses e cubanos e soviéticos foi inicialmente ponto assente. Está em livro.

Mas, tanto Aristides, como Luis Cabral, e Vasco Cabral, e outros tiveram muito tempo para publicar o julgamento feito em Konacry dos (muitos)julgados e "condenados" para provar aquela teoria dos "convertidos" pela PIDE.

Mas, provavelmente lá acabará por se oficializar a ideia da "traição" do nacionalista Rafael Barbosa.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Rafael Barbosa nao era de forma alguma um nacionalista sem "nodoas"...Obviamente que entre alguns sectores guineenses tinha os seus seguidores ...O certo e que o proprio nunca soube justificar aos seus ditos camaradas da clandestinidade... as benesses adqueridas com a sua libertacao ... sob ordens do Spinola...

Dessa sua obscura faceta de nacionalista...nunca o proprio se conseguiu livrar...

Nelson Herbert
USA