segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6941: Notas de leitura (144): Amílcar Cabral Documentário (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Era obrigatório uma referência a esta antologia, abarca em grande angular o homem, o intelectual e o lutador que foi Amílcar Cabral.

Agora vou dirigir o meu olhar para outras leituras.

Um abraço do
Mário


Amílcar Cabral: profissional, ideólogo, lutador, líder

Beja Santos

A reputada e económica Biblioteca Editores Independentes deu à estampa uma antologia intitulada “Documentário (textos políticos e culturais)”, de Amílcar Cabral, apresentada por um categorizado estudioso do líder do PAIGC, António E. Duarte Silva (Biblioteca Editores Independentes, 2008).

A principal curiosidade desta antologia tem a ver com a lógica da selecção dos textos. O organizador é autor de livros fundamentais sobre a Guiné-Bissau e domina perfeitamente todas as etapas de Cabral na actividade profissional, na intervenção internacional da luta de libertação, conhece na íntegra toda a reflexão publicada pelo ideólogo consumado. Neste “documentário” encontramos, como é óbvio, textos que figuram nas principais antologias do seu pensamento, mas houve igualmente o cuidado em seleccionar um Cabral prismático, comunicador, político de primeira linha, agitador de massas. Nessa vertente, esta antologia de pouco mais de 200 páginas cobre satisfatoriamente as diferentes facetas de Cabral.

Logo o primeiro texto, alusivo ao seu relatório final de curso de engenheiro agrónomo, a sua tese de licenciatura incidiu sob o estudo da região de Cuba (Alentejo) ou problema da erosão do solo: “A defesa do solo, condição indispensável a um processus racional de exploração da terra, não é um problema meramente técnico. Implica necessariamente a subordinação dos interesses individuais ao interesse geral, da conservação. O uso da terra, na dependência absoluta de quem a possui, tem-se mostrado incompatível com a defesa do solo. Surgem as contradições.

E o problema transcende os limites da técnica, revelando-se a sua faceta principal: tem as raízes mergulhadas na própria estrutura agrária do meio em que surge. No seu conjunto, comporta, portanto, dois aspectos distintos: um, económico e social, pelas suas causas e consequências; outro, técnico, por a sua solução carecer, em parte, da aplicação prática de conhecimentos científicos. Por isso que a sua solução não pode ser simplesmente técnica. Esquecer este facto é esquecer a raiz do problema”.

Em 1960, em Londres, com o nome de Abel Djassi, publica um libelo anti-colonial intitulado The facts about Portugal’s African colonies. Usa uma linguagem incisiva, prima pelas imagens chocantes, da mais fina pedagogia política. Um só exemplo: “99,7% da população africana de Angola, Guiné e Moçambique é considerada “não civilizada” pelas leis coloniais portuguesas e 0,3% é considerada “assimilada”. Para que uma pessoa “não civilizada” obtenha o estatuto de “assimilada”, tem de fazer prova de estabilidade económica e gozar de um nível de vida mais elevado do que a maior parte da população de Portugal. Tem de viver à “europeia”, pagar impostos, cumprir o serviço militar e saber ler e escrever correctamente o português. Se os portugueses tivessem de preencher estas condições, mais de 50% da população não teria direito ao estatuto de “civilizado” ou de “assimilado”. E com uma carga panfletária bem doseada escreve, desafiador: “Os africanos das colónias portuguesas destruirão o colonialismo português. Será talvez o último regime colonial a desaparecer, assim como é o último em desenvolvimento económico e técnico e o último a respeitar os direitos do homem. Mas, de qualquer modo, o colonialismo português tem os dias contados”.

Todo o ideário de Cabral assentava, como é sabido, no lema da unidade e luta em torno da Guiné e Cabo Verde. Profundamente culto e com uma estrutura de pensamento de matriz europeia, Cabral procedia a todos os malabarismos para provar que a Guiné e Cabo Verde eram dignos de emparceirar no mesmo Estado. Obviamente, sabia impressionar pela qualidade das denúncias, mas o que escreveu, lido cuidadosamente, denota o desequilíbrio da sua argumentação. Em Dezembro de 1962, perante uma comissão da ONU, queixa-se da repressão das autoridades portuguesas, insensíveis aos apelos dos nacionalistas. Refere o acréscimo de tropas, a repressão da polícia política, a destruição de bases como Morés e Salancaur, fala em prisões, torturas e assassinatos políticos como os de Bernardo Soares e Vitorino Costa, menciona 2000 patriotas presos e 250 deportados, milhares de vítimas em S. Domingos, Farim, Oio, Bafatá, Gabu e Bissau. Na mesma sequência, e como se estivesse a falar do mesmo espaço e das mesmas pessoas escreve: “Em Cabo Verde, em especial nas ilhas de S. Tiago e S. Vicente, a repressão foi também aumentada. No mês de Outubro, 14 patriotas foram presos e deportados para o campo de concentração do Tarrafal”. Ao que parece, ninguém se preocupou com estas disparidades.

Duarte Silva fez bem em publicar longamente o extracto do seminário de quadros realizado em Novembro de 1969, e de que já aqui se fez a recensão a propósito do título “Análise de alguns tipos de resistência” (Seara Nova, 1974). É uma palestra que prima pelo fulgor, capacidade oratória, talento para comunicar com as massas. É um político confiante que transborda essa confiança para o verbo. Na mensagem de ano novo, em Janeiro de 1973, documento que é conhecido por testamento político revela uma coesão impressionante entre o pensamento e a acção. Deixando sem mais comentários o seu importante texto “A Arma da Teoria”, discurso pronunciado em Havana, em 1966, faz-se referência, por último à sua intervenção lida na UNESCO, em 1972, em que justifica o papel da cultura na luta pela independência: “Uma apreciação correcta do papel da cultura no movimento da pré-independência ou da libertação exige que se faça uma nítida distinção entre cultura e manifestações culturais. A cultura é a síntese dinâmica, ao nível da consciência do indivíduo ou da colectividade, da realidade histórica, material ou espiritual, duma sociedade ou de um grupo humano, das relações existentes entre o homem e a natureza, como entre os homens e as categorias sociais. As manifestações culturais são as diferentes formas pelas quais esta síntese exprime, individual ou colectivamente, em cada etapa da evolução da sociedade ou do grupo humano em questão. Verificou-se que a cultura é a verdadeira base do movimento de libertação, e que as únicas sociedades que podem mobilizar-se, organizar-se e lutar contra o domínio estrangeiro são as que preservam a sua cultura. Esta, quaisquer que sejam as características ideológicas ou idealistas da sua expressão, é um elemento essencial do processo histórico. É nela que reside a capacidade (ou a responsabilidade) de elaborar ou de fecundar elementos que assegurem a continuidade da história e determinem, ao mesmo tempo, as possibilidades de progresso ou de regressão da sociedade”.

Qualquer antologia, por definição, é uma mostra. O que está em casa é a substância da mostra. Neste caso, toda a antologia é substância, como numa sala de espelhos mostra o antologiado em diferentes revérberos, ângulos e matizes. Amílcar Cabral nas principais dimensões da sua vida.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6937: Notas de leitura (143): Três Tiros da PIDE, de Oleg Ygnatiev (Mário Beja Santos)

13 comentários:

Anónimo disse...

Legenda da foto: Amilcar Cabral com Salim Ahmed Salim,diplomata tanzaniano, antigo ministro dos negocios estrangeiros daquele pais do Indico e que viria a ser secretario geral da extinta OUA...Nos ultimos anos, enviado da Uniao Africana para o Darfur !

Nelson Herbert
USA

Unknown disse...

CURIOSIDADE ou nem por isso

Transcreve B. Santos uma intervenção de Amílcar Cabral em 1960

“99,7% da população africana de Angola, Guiné e Moçambique é considerada “não civilizada” pelas leis coloniais portuguesas e 0,3% é considerada “assimilada”. Para que uma pessoa “não civilizada” obtenha o estatuto de “assimilada”, tem de fazer prova de estabilidade económica e gozar de um nível de vida mais elevado do que a maior parte da população de Portugal. Tem de viver à “europeia”, pagar impostos, cumprir o serviço militar e saber ler e escrever correctamente o português. Se os portugueses tivessem de preencher estas condições, mais de 50% da população não teria direito ao estatuto de “civilizado” ou de “assimilado”. E com uma carga panfletária bem doseada escreve, desafiador: “Os africanos das colónias portuguesas destruirão o colonialismo português. Será talvez o último regime colonial a desaparecer, assim como é o último em desenvolvimento económico e técnico e o último a respeitar os direitos do homem. Mas, de qualquer modo, o colonialismo português tem os dias contados”.

Opino eu que,
Amilcar Cabral demonstrava o quanto conhecimento tinha do regime português e da sua (in)capacidade de desenvolvimento. Estamos a ver à distância de cinquenta anos como nos encontramos. A trampa é a mesma, as moscas mudaram, e já não há “cereja no bolo” que eram as riquezas africanas, das quais A. Cabral se refere noutros discursos ou escritos.

A curiosidade está no facto de que na década de 70, o 'Serviço de Informação das Nações Unidas', em Nova York, publica um documento com a designação de:
“ Um principio em perigo. As Nações Unidas e os territórios sob administração portuguesa “,
aonde se referencia a Lei Colonial de 1933, e recuperada em 1954.

...”Consideram-se indignas...os indivíduos de raça negra ou seus descendentes que tenham nascido ou vivam habitualmente na província e ainda não possuam a instrução e os hábitos pessoais e sociais sem os quais não se pode produzir-se a aplicação integral do direito público e privado dos cidadãos portugueses.”

O chamado indigina (que não era português) poderia no mínimo passar a assimilado e com um pouco de sorte a “português de segunda”.

Prossegue o texto que para obter aquele estatuto o tal indigina tinha segundo a lei portuguesa, reunir as seguintes condições:

“# ter 18 anos
# falar correctamente português
# exercer uma profissão, um oficio ou um emprego que assegure ao interessado rendas suficientes para atender as suas necessidades e as dos membros da sua família a seu cargo, e possuir recursos suficientes para tal fim
# ter uma boa conduta e costumes e possuir a instrução e os hábitos sem os que não pode produzir-se a aplicação na integra do direito público ou privado dos cidadãos portugueses
# não haver sido inscrito como refractário ao serviço militar e não haver desertado.
Cumpridas estas condições, o africano recebia o estatuto de cidadão na qualidade de assimilado.”

Não vejo razão par acrescentar algo mais a este comentário, porque além do mais, enviei este Documento, na integra e em duas partes aos Editores deste Blog para publicação.
Creio que o pessoal da Tabanca Grande, terá no minimo a curiosidade de conhecê-lo

Um cordial abraço para todos e cada qual

Carlos Filipe
Ex CCS BCAÇ3872 Galomaro
galomaro@sapo.pt

Unknown disse...

Comentou o Nelson Herbert:

"Dessa "queima de arquivos",em Conacri ( os depoimentos dos vários executores da conspiração interrogados pelo PAIGC)e em Bissau (os arquivos da actividade da PIDE com toda e qualquer eventual informação que a comprometesse na conspiração)alguém saiu decerto, incólume ! "

Exactamente. Estou de acordo, mas não se pode descurar outros elementos, como os possíveis traidores internos ao Paigc, estes forçosamente movimentar-se-iam facilmente fora de fronteiras e com possível conivência local de pessoas e/ou autoridades. Neste caso, forçosamente, teriam que ter uma retaguarda na Guiné Bissau. Quem ??.
Se o objectivo era só prende-lo, não o iriam levar para as “zonas libertadas” pelo menos de imediato, e nas outras “zonas” estava-mos nós. A quem interessaria a pessoa de A Cabral vivo ???

Não sendo de excluir que a própria Pide (mesmo que não estivesse na iniciativa ou orientação) do acontecimento, é de todo para mim impossível que não fosse conhecedora do decorrer ou preparação do mesmo. O que se torna estranho ou no mínimo insólito, é que não haja documentação alguma produzida por ela, mesmo do tipo "informação interna".

Considerando o assassinato de A. Cabral, um acto da maior relevância, e que não pode ser praticado pela sua complexidade, como de um vulgar assalto se tratasse, também podem terem sido intervenientes de alguma forma as facções militares pró ou contra a política militar de Spinola.

Ainda no meu entender, há outras Entidades das quais deviria existir (desconheço se) alguma informação, como os próprio serviços militares de intelligence (?) portugueses,
(não havia ?, então andavam a dirigir uma guerra somente baseados nas informações da população ou de desertores do Paigc, Bem !!!... no mínimo deviam ter o apoio de outra “intelligence” de qualquer nacionalidade).

Não acredito, ou não quero acreditar, que não haja nada que nos leve ao “filme” da morte de Amilcar Cabral. Acredito que haverá alguma coisa guardada algures, protegida dos ainda existentes “devoradores” da história da guerra colonial.

Caro Nelson, sobre a dita entrevista e “comandos africanos”, a estória é outra que dá para uma acesa troca de opiniões de que Portugal, também não sai de todo incólume.
Ou não tivéssemos abandonado anarquicamente os guinéus que serviram no exército português.

Um abraço para todos e para cada um.

Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro
galomaro@sapo.pt

Unknown disse...

Desculpem amigos porque o cançaco fisico me pertubou esta noite fiz asneira, tinha várias janelas do browser abertas, troquei coments nos Posts e acabei por perder o que tinha feito para este post6941.
Era sobre um documento produzido pelos serviços de informação das Nações Unidas.
abraço
carlos Filipe

Unknown disse...

CURIOSIDADE ou nem por isso - I

Transcreve B. Santos uma intervenção de Amílcar Cabral em 1960

“99,7% da população africana de Angola, Guiné e Moçambique é considerada “não civilizada” pelas leis coloniais portuguesas e 0,3% é considerada “assimilada”. Para que uma pessoa “não civilizada” obtenha o estatuto de “assimilada”, tem de fazer prova de estabilidade económica e gozar de um nível de vida mais elevado do que a maior parte da população de Portugal. Tem de viver à “europeia”, pagar impostos, cumprir o serviço militar e saber ler e escrever correctamente o português. Se os portugueses tivessem de preencher estas condições, mais de 50% da população não teria direito ao estatuto de “civilizado” ou de “assimilado”. E com uma carga panfletária bem doseada escreve, desafiador: “Os africanos das colónias portuguesas destruirão o colonialismo português. Será talvez o último regime colonial a desaparecer, assim como é o último em desenvolvimento económico e técnico e o último a respeitar os direitos do homem. Mas, de qualquer modo, o colonialismo português tem os dias contados”.

Opino eu que,
Amilcar Cabral demonstrava o quanto conhecimento tinha do regime português e da sua (in)capacidade de desenvolvimento. Estamos a ver à distância de cinquenta anos como nos encontramos. A trampa é a mesma, as moscas mudaram, e já não há “cereja no bolo” que eram as riquezas africanas, das quais A. Cabral se refere noutros discursos ou escritos.

A curiosidade está no facto de que na década de 70, o 'Serviço de Informação das Nações Unidas', em Nova York, publica um documento com a designação de:
“ Um principio em perigo. As Nações Unidas e os territórios sob administração portuguesa “,
aonde se referencia a Lei Colonial de 1933, e recuperada em 1954.

...”Consideram-se indignas...os indivíduos de raça negra ou seus descendentes que tenham nascido ou vivam habitualmente na província e ainda não possuam a instrução e os hábitos pessoais e sociais sem os quais não se pode produzir-se a aplicação integral do direito público e privado dos cidadãos portugueses.”

O chamado indigina (que não era português) poderia no mínimo passar a assimilado e com um pouco de sorte a “português de segunda”.

Unknown disse...

CURIOSIDADE ou nem por isso - II

Prossegue o texto que para obter aquele estatuto o tal indigina tinha segundo a lei portuguesa, reunir as seguintes condições:

“# ter 18 anos
# falar correctamente português
# exercer uma profissão, um oficio ou um emprego que assegure ao interessado rendas suficientes para atender as suas necessidades e as dos membros da sua família a seu cargo, e possuir recursos suficientes para tal fim
# ter uma boa conduta e costumes e possuir a instrução e os hábitos sem os que não pode produzir-se a aplicação na integra do direito público ou privado dos cidadãos portugueses
# não haver sido inscrito como refractário ao serviço militar e não haver desertado.
Cumpridas estas condições, o africano recebia o estatuto de cidadão na qualidade de assimilado.”

Não vejo razão par acrescentar algo mais a este comentário, porque além do mais, enviei este Documento, na integra e em duas partes aos Editores deste Blog para publicação.
Creio que o pessoal da Tabanca Grande, terá no minimo a curiosidade de conhecê-lo

Um cordial abraço para todos e cada qual

Carlos Filipe
Ex CCS BCAÇ3872 Galomaro
galomaro@sapo.pt

Carlos Vinhal disse...

Caro Filipe
Não te esqueças que por cá, onde supostamente éramos todos brancos, desculpem a expressão, as mulheres não se podiam ausentar do país sem autorização dos maridos, figuravam nos passaportes deles, não podiam votar, e em tempos mais recuados era-lhes proibido o acesso ao ensino superior.
Sinais dos tempos.
Um abraço
Carlos

Antº Rosinha disse...

Em 1960 em Angola, havia regiões do tamanho de meia Guiné, para não dizer toda a área da Guiné, onde nenhuma autoridade civil ou militar, nem religiosa católica ou outra, tinha contactado.

As populações, nem recensedas estavam.

Amilcar Cabral, com a sua cultura e conhecimentos africanos e europeus, podia falar muito bonito para "branco" entender, mas nunca contou a realidade africana.

Nem ele, nem nenhum outro português como ele, quer do PAIGC, MPLA, ou FRELIMO.

(sobre o assassinato de Amilcar e sobre o 31 de Agosto, já existe mais um livro, agora de um Caboverdeano, publicação recentíssima, mas ainda não é de nenhum combatente do PAICV, que esses sabem bem mais que os arquivos "queimados")

Cherno disse...

Numa das passagens do romance de André Schwarz (ver refª abaixo), encontrei uma frase curta mas cheia de significado que diz o seguinte: "Atention, celui qui te connaît appartient pour toi aux bêtes qui tuent ». page 73.

ANDRÉ SCHWARZ BART
in "La Mulâtresse Solitude Roman–Points, ed. du Seuil, 1972.

E Amilcar Cabral, no seu tempo, foi daqueles que conheceram Portugal e os Portugueses, julgo eu, mais que qualquer outro Guineense ou estrangeiro que tivesse vivido por lá. Nem me passa pela cabeça imaginar o que ele teria sofrido para terminar com sucesso o seu percurso académico.

Cherno Baldé (Chico)

Torcato Mendonca disse...

Cherno Baldé
Talvez tenha traduzido mal a frase...é possível. Acredito que sim.

Talvez, noutro comentário que você fez, tenha entendido mal o porquê de não ter aqui,no blogue,cabimento questões da cultura, dos usos e costumes do Povo Guineense. Foram respeitados pela grande maioria dos meus Camaradas. Ainda hoje uso algo que me foi ofertado por um guineense. Crendice? Creio que não de minha parte.

Por fim Amílcar Cabral estudante.
Tirou certamente o curso de agronomia como qualquer colega. Dizem ter sido óptimo estudante. Havia a Casa do Império onde os estudantes, vindos de África ficavam. A policia politica certamente estava atenta e atenta estava com outros independentemente de sua cor. Racismo? É possível. Infelizmente há sempre gente mal formada. Aí não há? Olhe eu fui para militar e depois até aí e queria estudar...e você onde estudou? Talvez no Leste...terras de leite e mel...

O meu camarada Rosinha tem determinado modo de entender África. É um direito que eu respeito; concordo ou não.

Cumprimento-o
Torcato

Unknown disse...

Caros amigos gosto deste (devo confessar) tipo de troca de opiniões certeiras, que demonstra que, seja de que lado se esteja ou do que são as nossas sustentações concepcionais das questões, permitem um encadeamento na mecânica do pensamento e do conhecimento. Os meus aplausos.
Permitam-me dizer que ontem estava mesmo em baixo fisicamente (sou um individuo doente) e fiz asneiras em termos de Net; peço desculpa mais uma vez.
Caro Vinhal de facto na época, muito se teria muito a falar do tipo de principios colonialistas (era a concepção dos senhores do estado novo) que mesmo internamente nos olhava como membros inferiores. Quando as familias não tinham dinheiro para sapatos para os filhos, havia as multas, um isqueiro...multa,bem fico por aqui. É uma das faces da causa do colonialismo que não é o mesmo que do império.
Antº Rosinha, permita-me discordar.
É absolutamente verdade haver em diversas parte do mundo incluindo Angola onde a dita "civilização" não tivesse chegado (mais indios do Brasil p.ex.) porque o objectivo primeiro era explorar as riquezas de imediato encontradas, o resto vinha depois com o "desbravar das terras", e aí sim com o "levar da civilização" destruiu-se muitas vezes, culturas povos etç. com o objectivo quase único de mantêr esses povos (ou populações) de alguma forma subjugadas so "senhor".
Escreveu o amigo Antonio Rosinha o seguinte:
"Amilcar Cabral, com a sua cultura e conhecimentos africanos e europeus, podia falar muito bonito para "branco" entender, mas nunca contou a realidade africana."
Além de eu achar no minimo injusta esta apreciação, existem dezenas de textos,e de discursos em foruns internacionais, publicados em várias línguas que o amigo poderá consultar. Posso-lhe facultar uma lista de títulos dos mesmos. Talvês começando pela óptima biografia de A Cabral publicada no Blog "irmão" http://tabancapequenadematosinhos.blogspot.com/ - -no Post.483
Finalmente com todo o respeito amigo Rosinha considero uma forma muito simplista de vêr o assassinato de Amílcar Cabral.
Amigo Chico, nem eu quero imaginar, e muito menos os seu últimos minutos de vida, face aos mentores e autores do crime.
Agora sobre a referencia bibliográfica, porque nem todos sabem francês, permita-me a tradução e interpretação da mesma, obtida com a ajuda de uma professora amiga.
..."OLHE, EU INTERPRETO ASSIM: TEM ATENÇÃO A QUEM TE CONHECE PORQUE ESSE CONHECIMENTO SERVE PARA TE PREJUDICAR...

A TRADUÇÃO LITERAL, COMO SABE É: ATENÇÃO. AQUELE QUE TE CONHECE PERTENCE (SERVE) PARA TE "MATAR".... (TUER É MATAR) ISTO É SENTIDO FIGURADO...NO FUNDO O QUE QUERERÁ SER DITO É QUE TEM CUIDADO COM O QUE DÁS A CONHECER, PORQUE SÓ NÃO TE LIXAM SE NÃO PUDEREM.....ISTO TRADUZIDO MAIS PROSAICAMENTE...."
Obrigado Cherno Baldé, pela nota bibliográfica.

Desculpem não tenho laços pessoais de qualquer tipo que me inibam de expressar o que penso, nem desrespeito eu, as normas de conduta mais ou menos padronizadas.

Um abraço para todos e para cada um

Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro
galomaro@sapo.pt

Cherno disse...

Amigo Torcato,

Eu estudei na antiga URSS, sim, onde, juntamente com o leite e mel servido na cama individual, também nos serviam expressões agradáveis como " Óh macaco preto volta para a tua terra!".

Uma vez, em kiev, conversando entre amigos e colegas de turma de várias nacionalidades, um Russo nos interpelou cheio de curiosidade:
- Disseram-me que vocês africanos nos vossos paises, vivem em cima das árvores, mas como é que conseguem montar as camas ?

E alguém dos nossos respondeu-lhe:
-Sim é verdade e se queres saber mais digo-te que o vosso embaixador que vive lá connosco, está hospedado e dorme na árvore mais alta da nossa floresta pais.

A frase do romancista, conforme a entendi, e penso que o Filipe já disse o essencial, vai no sentido de que "só quem nos conhece nos pode magoar, prejudicar, ver matar". E acho que, não restam duvidas que Cabral conhecia bem o regime Português e os Portugueses também. De resto quem quiser saber o que ele pensava dos Portugueses pode consultar o livro das suas obras escolhidas intitulado "A Arma da teoria" num discurso proferido por ocasião do 1º ou 2º aniversario da invasão de Conacri e as causas do seu falhanço. na minha opinião, ai estão contidas muitas mágoas para um bom Português como ele.

O que interessa reter é que hoje como ontem, em Portugal, vivem e trabalham muitos africanos, muitos dos quais, no fundo, nunca quiseram a ruptura completa e definitiva com Portugal e os Portugueses, mas que queriam simplesmente a sua emancipação. Agora vejam lá, se criam ou não criam mais outros Cabral.

Cherno

Cherno disse...

Peço desculpa pelo engano pois o tal discurso a que me referi encontra-se inserido na compilação das obras escolhidas de A. Cabral com o titulo "A pratica revolucionária, Unidade e luta" paginas 90-95, relacionado com a "agressão imperialo-portuguesa contra a Republica da Guiné", parte do relatorio sobre a situação da luta feito em janeiro de 1971. Edições Searra Nova 1977.

Cherno