quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6950: Notas de leitura (146): A Questão de Bolama, de António dos Mártires Lopes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Nas minhas andanças pela Feira da Ladra lá consegui este livrinho alusivo a uma conferência por sinal bem interessante.
Goste-se ou não, este diferendo diplomático contribuiu para consolidar a presença portuguesa na região, quebrou alguns sonhos aos britânicos que pretendiam confrontar-se com a França, a potência rival da África Ocidental.
Foram sonhos que se modificaram, reconfigurando-se, não se perdendo.

Um abraço do
Mário


A questão de Bolama
Pendência entre Portugal e Inglaterra


Beja Santos

Em 13 de Janeiro de 1968, no Centro de Estudos da Guiné, em Bissau com a sala literalmente cheia e sessão presidida pelo Governador e Comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz, António dos Mártires Lopes preferiu uma conferência na data em que, 98 anos antes, havia sido solenemente assinado o protocolo pelos ministros plenipotenciários de Lisboa e Londres, confiando ao Presidente dos Estados Unidos da América, escolhido pelo Governo de Londres, a arbitragem no diferendo entre Portugal e Inglaterra sobre a posse da ilha de Bolama. O Presidente dos Estados Unidos, Ulysses Grant, em 21 de Abril de 1870 preferiu a sentença favorável a Portugal. Em 1970, comemorando a efeméride, a Agência-Geral do Ultramar publicou a intervenção de António dos Mártires Lopes. É hoje um livro raro que vai ficar a pertencer à biblioteca do nosso blogue.

E vamos aos factos. Philip Beaver, oficial da Marinha inglesa, concebeu o plano de estabelecer em África uma colónia que teria por fim “a cultura das terras por gente livre, como meio de civilizar os negros”. William Pitt, o ministro inglês, acolheu o projecto. Beaver aportou na ilha de Bolama em Maio de 1792, à frente de uma expedição de 275 ingleses. Os Bijagós atacaram a feitoria e Beaver negociou com dois régulos da região a chamada cessão da ilha de Bolama, onde se instalou, tendo também adquirido um território fronteiro mediante uma declaração de dois régulos biafares que lhe cediam a soberania a sul e oeste duma linha que se estendia de Guinala até chegar ao mar. O plano de ocupação desmoronou-se rapidamente; primeiro, a maior parte dos expedicionários abandonaram Beaver e os restantes foram praticamente dizimados pela doença e pelos ataques dos Bijagós. Em 1816, Joseph Scott tentou constituir uma nova colónia, mas a reacção dos autóctones foi dissuasora. Em 1827 o Governador das possessões africanas da África Ocidental apareceu pessoalmente no Rio Grande e impôs aos régulos tratados que concediam a soberania de Bolama ao rei da Grã-Bretanha. O conflito diplomático estava em marcha. Os reis Bijagós afirmavam às autoridades portuguesas que não tinham vendido a ilha de Bolama ou outro qualquer terreno porque aquela ilha pertencia ao Rei de Portugal. Em 1830, o Governo português mandou construir uma fortaleza, não obstante a Inglaterra passou a fazer larga ostentação do seu poderio naval nas águas da Guiné. Seguiram-se escaramuças, navios apresados, bandeiras portuguesas destruídas ou arriadas, troca de notas diplomáticas, o conflito arrastou-se até 1857, data em que o ministro português em Londres propôs às autoridades britânicas que a questão fosse submetida a uma arbitragem, deixando ao Governo britânico a escolha do árbitro. A Grã-Bretanha recusou-se a aceitar a arbitragem e determinou que a ilha de Bolama fosse incorporada à colónia da Serra Leoa, em 1861. Os ingleses instalaram-se em Bolama e passaram a atacar a colónia do Rio Grande onde os portugueses tinham feitorias e estabelecimentos comerciais e agrícolas. O governador-geral de Cabo Verde procurou repelir estas agressões. E por razoes que ainda hoje não estão verdadeiramente esclarecidas, as autoridades de Londres aceitaram, em 1868, a arbitragem de Ulysses Grant.

António dos Mártires Lopes publica a sentença arbitral e procede à sua análise. O Presidente norte-americano deu como provado que a ilha de Bolama fora descoberta por um navegador português em 1446; muito antes do ano de 1792 fora fundado um estabelecimento em Bissau que mantinha a soberania portuguesa; que antes, em 1699, fora constituída uma colónia portuguesa em Guinala, no Rio Grande, que era uma povoação habitada somente por portugueses; que a linha da costa de Bissau para Guinala, passando pelo Rio Geba, abrangia toda a parte continental, fronteira à ilha de Bolama; que a ilha de Bolama era adjacente à terra firme e que desde 1752 até ao presente Portugal sempre reivindicara os seus direitos à ilha de Bolama; que as novas concessões dos chefes indígenas à Grã-Bretanha não levaram a que o Governo português abandonasse os seus direitos. E assim proferia a seguinte sentença: “Eu, Ulysses S. Grant, Presidente dos Estados Unidos, julgo e decido que estão provados e estabelecidos os direitos do Governo de Sua Majestade Fidelíssima o Rei de Portugal à ilha de Bolama na costa ocidental de África e a uma certa porção de território fronteira a esta ilha na terra firme”.

Bolama > Agosto de 2010 > Antigo Palácio.
Foto : © Patrício Ribeiro (2010). Todos os direitos reservados.

Terá jogado a favor desta decisão a própria política expansionista norte-americana numa altura em que os Estados Unidos tomavam posse do território do Oregon, com base na prioridade de descoberta do Rio Colômbia. Mártires Lopes invoca inúmera documentação comprovativa da legitimidade da posição portuguesa, toda ela com grande interesse histórico. Em 4 de Maio de 1870, em plena sessão da Câmara disse o deputado Freitas de Oliveira: “Hoje, a ilha de Bolama está restituída à Coroa Portuguesa. Trabalhou com muito desvelo e afinco neste negócio um dos diplomatas mais distintos. Refiro-me ao Sr. Conde d’Ávila. Quem veio concluir este negócio foi o Governo actual, e os louvores pertencem sempre àqueles que consumam o acto. Neste exemplo vê-se que o Governo nem sempre tem contra si a fatalidade. Há compensações”.
O Governo, reconhecendo o importante serviço prestado pelo Conde d’Ávila, nomeou-o Marquês d’Ávila e Bolama.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6945: Notas de leitura (145): Liberdade ou Evasão, de António Lobato (Mário Beja Santos)

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