terça-feira, 28 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7046: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (22): O Largo do liceu, em Bissau, onde moravam as enfermeiras pára-quedistas (Miguel Pessoa)


1. O nosso Camarada Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav da BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Ref), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 26 de Setembro de 2010:


Camaradas,

Estava eu aqui entretido a espreitar o blogue às tantas da matina e deparo-me com um texto do meu amigo e camarada António Martins de Matos.

Confesso que gostei pois o blogue tem sido para mim como uma boa pescada cozida - por vezes aparecem-me umas tantas espinhas, o que me tira um pouco a vontade de prosseguir...

Assim, na sequência daquele texto - de conteúdo mais ligeiro - lembrei-me de pôr à vossa disposição este escrito que já deve ter pr'aí mais de um ano, mas que não tinha ainda visto oportunidade de encaixar no blogue. Talvez agora...

Afinal talvez sirva para compensar a oportunidade perdida de ter participado naquela guerra do António...

O LARGO DO LICEU
Atendendo às circunstâncias, o largo do Liceu, em Bissau, era um local razoavelmente agradável para se viver. Não vou referir que era soalheiro pois seria um termo redundante para aquele território. Também não era muito fácil de confirmar isso, que os horários apertados da Base afastavam o pessoal daquela zona durante praticamente todo o dia.


Depois do serviço, infelizmente para as enfermeiras pára-quedistas, que ali moravam, uns tantos malandrins da BA12 demandavam o local para ali sacar um jantar ou garantir um bate-papo ao serão, que os fizesse esquecer o dia seguinte. Verdade seja que muitas vezes carregavam para ali as encomendas que recebiam, vindas da metrópole, que partilhavam com todos os presentes.


Habitava na vizinhança outro pessoal da unidade, algum vivendo com as respectivas famílias, por isso também era habitual que a miudagem do grupo circulasse pela casa com alguma frequência. Na prática, o refúgio das enfermeiras pára-quedistas não lhes garantia na maior parte dos dias o descanso de que precisariam.


À noite, depois do jantar, o pessoal na casa e alguns vizinhos vinham sentar-se no "muro das lamentações", que delimitava o prédio, onde se entretinham a beber um digestivo e a dizer mal da vida (tudo relativo, que sabíamos haver gente a viver um dia-a-dia bastante pior...).


No local existia um candeeiro que iluminava razoavelmente o local, embora com o inconveniente de chamar os mosquitos, os quais acabavam naturalmente por procurar a carne fresca ali abancada.


Por isso, normalmente tínhamos a iniciativa de ir à base do candeeiro desactivar o fusível, apagando a luz, o que reduzia os assaltos dos mosquitos. Depois de o piquete da electricidade se ter deslocado várias vezes ao local para reparar a avaria, decidiu aquele fazer uma ligação directa ao candeeiro, o que nos tirou a possibilidade de desligar a luz. Novas tentativas foram feitas pelos utilizadores do muro, com recurso a um deles, mais habilitado ao alpinismo. Assim, desatarrachou-se a lâmpada e, mais tarde, face à insistência do piquete em mostrar trabalho, até a lâmpada desapareceu. Mas logo foi reposta...


Uma noite, incomodado pelos mosquitos, um dos presentes resolveu pegar numa pedra e atirá-la à lâmpada, partindo-a. Empenhado, o piquete substituiu de imediato a lâmpada e o serão, na noite seguinte, voltou a ser bem iluminado - e também infestado de mosquitos. Igualmente empenhado em resolver este problema, alguém do grupo resolver tomar uma atitude ainda mais radical: pegou na sua pistola, dirigiu-se ao candeeiro e enfiou um tiro na lâmpada.


Sucedeu aqui uma coisa interessante, que foi o facto de a lâmpada, mesmo partida, continuar acesa - o que era fisicamente improvável, pois o vácuo já não existia na dita cuja. Até hoje ainda não compreendi bem a que se deveu tal facto; se à qualidade da lâmpada, que resistia a tudo e todos, se à qualidade do digestivo, que nos punha a ver coisas que afinal não existiam...


Um abraço,
Miguel Pessoa
Ten Pilav da BA 12 (1972/74)
____________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6920: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (21): Não posso levar a mal... por me/nos tratarem tão carinhosamente (Rosa Serra)

4 comentários:

Luís Graça disse...

Miguel:

Gosto do teu regresso à escrita memorialística. gosto da tua bonomia, do teu fino humor, da serenidade da tua escrita, da "naturalidade" com que falas das coisas que eramos capazes de fazer nos nossos verdes anos, incluindo "pequenos vandalismos" como dar cabo dos equipamentos públicos, comportamentos de bravata típicos a da idade e da condição, enfim, gosto da "lata" com que tu e o pessoal da base (pilotos, imagino) "acampavam" no largo do Liceu, em Bissau, em noites de serenata... Claro que a iluminação pública não era lá muito romântica... e nada pior do que um candeeiro para estragar uma noite...

Espantosamente, eu não tenho qualquer recordação do luar da Guiné, no mato profundo... Felizmente que em Bissau havia luar...

Jose Marcelino Martins disse...

Caro Miguel

Aqui está mais uma peça de antologia.

Eu aproximo-me de uma outra explicação:

Ordem directa e expressa do Comando Chefe.

Se quando ia ao mato, que em abono da verdade era todos os dias, não se cansava de incentivar os soldados, nomeadamente os africanos, para levarem a «LUZ» ao mato, porque não haveria de haver luz na cidade de Bissau?

Que diriam os senhores do SERVRELIG?

Anónimo disse...

Foi pena nao terem ,nessa altura,convidado para uma cerveja,algum,ou alguns,dos actuais dirigentes em Bissau.Eles,sem precisar de pedras,e muito menos pistolas,conseguem com frequência,e normalidade,APAGAR TOTALMENTE a rede eléctrica da cidade (e nao só!). Um grande abraco.

Anónimo disse...

Camarigos
Se a memória não me falha o liceu chamava-se Honório Barreto, e no largo havia a Pensão Chantre, cuja proprietária era caboverdiana, um pouco a puxar para o forte, e que tinha uma sobrinha tipo Miss Caboverde. Quando ía de férias para a "Metrópole", fazia escala nessa Pensão. Era sossegada, nada cara e tinha o atractivo da mini saia da Miss Caboverde, que deixava ver umas coxas esculpidas a cinzel.
Que recordações...
Luís Borrega